February 13 2017, 5:44 p.m
Ocorreu hoje um grande ataque à liberdade fundamental de
imprensa perpetrado pelo governo do presidente Michel Temer, sua esposa Marcela
e um juiz do Distrito Federal. Como resultado, os dois maiores jornais do país,
Folha de S. Paulo e O Globo, foram forçados
a retirar do ar artigos sobre um assunto de grande interesse público.
Como um dos objetivos da criação do The Intercept era
defender e apoiar a liberdade de imprensa em todo o mundo, estamos publicando
os materiais censurados para que possam ser analisados pelo público. Não há
nada mais perigoso do que políticos e tribunais aliados para determinar o que
jornais podem ou não publicar, e faremos o possível para retificar esses
ataques ao direito à informação.
O caso em questão surgiu da tentativa de chantagem da primeira-dama
e do presidente feita por um hacker que clonou e roubou os dados do iPhone de
Marcela Temer.
O hacker, Silvonei José de Jesus Souza, foi condenado a cinco
anos e onze meses de prisão por tentativa de chantagem após exigir o pagamento
de R$ 300 mil para que o material não fosse divulgado. Ele também foi condenado
por ter usado o acesso ao iPhone da primeira-dama para extorquir R$ 15 mil do
irmão dela.
Na sexta-feira (10), a Folha publicou um artigo descrevendo
algumas das mensagens de chantagem enviadas pelo hacker à primeira-dama pelo
WhatsApp.
O jornal explicou que o hacker alertou que, se fosse divulgado, o
material poderia prejudicar a reputação do presidente Temer — jogando o nome
dele “na lama” —, pois mostraria que ele teria se envolvido em conduta
imprópria e, talvez, ilegal. O jornal também publicou diversas mensagens de
WhatsApp enviadas pelo hacker.
O presidente Temer e sua esposa negaram que o material
hackeado revele qualquer irregularidade.
No entanto, na sexta-feira, onze
minutos após a Folha publicar o artigo, o presidente enviou seus advogados para
requerer, em nome de sua esposa, uma ordem judicial para que os jornais
tirassem as reportagens do ar e não publicassem mais materiais sobre o conteúdo
das conversas no futuro. O tribunal não apenas emitiu a ordem de censura como
impôs uma multa de R$ 50 mil em caso de descumprimento.
Decisão do juiz
Na manhã de hoje, a Folha publicou um artigo explicando que
havia recebido uma ordem judicial. O artigo dizia: “A pedido do Palácio do
Planalto, a Justiça de Brasília censurou reportagem da Folha sobre uma
tentativa de extorsão sofrida pela primeira-dama Marcela Temer no ano passado”.
Citava ainda um trecho da decisão que dizia estar fundamentada na defesa da
“inviolabilidade da intimidade” da primeira-dama. Como resultado, a Folha
apagou sua própria reportagem da internet e a substituiu por esta matéria
sobre a ordem de censura. O Globo fez
o mesmo logo depois.
O que torna esse episódio particularmente bizarro é que não
havia informações sensíveis no material publicado pela Folha. Embora haja
indícios de que o hacker tenha obtido fotografias íntimas do telefone de
Marcela, nada no artigo da Folha descrevia ou revelava qualquer coisa do
gênero.
Pelo contrário, tudo o que a Folha publicou e descreveu é
parte do registro público do processo contra o hacker. De fato, na reportagem
sobre a censura, a Folha explica que qualquer advogado ou pessoa com cadastro
no site da Justiça poderia acessar o material que o jornal foi ordenado a
retirar do ar.
O caso em questão e o material a ele relacionado são de
pleno interesse público. Enquanto Temer e sua esposa negam que haja qualquer
revelação de irregularidade de sua parte, há uma acusação criminal, respaldada
pelo material, que levou um homem a ser condenado a mais de cinco anos de
prisão.
Alegações de que o presidente do país tenha incorrido em atividades
ilegais ou antiéticas devem ser resolvidas através da análise das evidências, e
não pela censura de jornais.
Em coletiva
de imprensa realizada hoje, o presidente negou que tenha buscado
qualquer tipo de “censura”, mas não fundamentou sua afirmação. De fato, a
supressão de reportagens jornalísticas visando proteger aquele que ocupa o
posto de maior poder no país é um caso clássico de censura, e da mais perigosa
espécie.
Por isso, The Intercept está publicando o material
relacionado ao caso que foi obtido através dos registros públicos. São os
mesmos registros que a Justiça ordenou que a Folha e O Globo (e ninguém mais)
não publicassem. Fazemos isso em defesa do direito da imprensa de trabalhar sem
ser censurada pelo Estado, assim como para levar informações vitais que o
público tem direito de conhecer sobre seus líderes.
Continuaremos a analisar o
material para estabelecer o que atende ao interesse público.
Não fazemos isso por conta de nosso afeto pela Folha de S.
Paulo ou pelo Globo. Os dois jornais atacam a liberdade de imprensa de outros
veículos regularmente. A associação por eles controlada entrou com um processo que
busca negar a liberdade de imprensa a veículos como BBC Brasil, El Pais Brasil,
BuzzFeed Brasil e The Intercept, pedindo aos tribunais que determinem que não
podemos fazer reportagens sobre o Brasil.
E, ironicamente, esses dois veículos
apoiaram o impeachment de uma presidente eleita democraticamente, Dilma
Rousseff, levando Temer ao poder.
Pelo contrário, fazemos isso por reconhecer que o ataque à
liberdade de imprensa de qualquer meio de comunicação – mesmo do Globo e da
Folha – representa uma ameaça à liberdade de imprensa de todos.
Estamos
publicando o material em defesa do direito dos meios de comunicação de
trabalharem sem qualquer censura por parte do Estado, assim como para levar
informações vitais que o público tem direito de saber sobre seus líderes.
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Fonte: https://theintercept.com/
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