Deputado que votou sim pelo Impeachment, “almoçou” 30 vezes
no mesmo dia com dinheiro público
25/02/2017
Um grupo que reúne desde desenvolvedores de software a um
sociólogo, todos envolvidos no mercado de tecnologia, criou uma plataforma para
identificar mau uso de verba pública por deputados federais.
Espalhados entre Porto Alegre, Brasília, São Paulo e até na
Itália, os oito descobriram um meio de analisar mais de dois milhões de notas
fiscais de forma automática para detectar uso abusivo da cota parlamentar
–reembolso a que deputados têm direito para o exercício do mandato.
Numa maratona de análise computacional e humana na semana
passada, a força-tarefa, financiada por um crowdfunding, contestou o reembolso
de R$ 378.844 desde 2011. Foram 629 denúncias contra 216 deputados à Câmara
–sendo dois candidatos à presidência da Casa.
Bruno Pazzim (esq.), Irio Musskopf e Ana Schwendler
trabalham
no projeto com o robô
Após o passar pelo software, cada caso é analisado por uma
pessoa, que depois encaminha as denúncias. O grupo costuma aguardar respostas
para divulgar os casos.
A ação recebeu o nome de “Operação Serenata de Amor”,
inspirado no “caso Toblerone”, um escândalo da década de 1990 na Suécia que
provocou a renúncia da então vice-primeira-ministra Mona Sahlin por uso do
cartão corporativo para gastos pessoais.
“A gente acredita que a corrupção não começa em milhões.
A
gente corta desde o início, no momento em que o deputado pode pedir uma nota
fiscal para um taxista de R$ 80 quando ele na verdade gastou R$ 40. Se ele
souber que tem alguém olhando, talvez não chegue a roubar dinheiro de merenda”,
diz o desenvolvedor Irio Musskops, 23, idealizador do projeto.
O desafio é ensinar “Rosie” –apelido dado ao programa
inspirado na doméstica-robô do desenho “Os Jetsons”– a identificar casos
estranhos. O foco na fase inicial do projeto tem sido identificar gastos
suspeitos com refeição.
O robô aponta pagamentos num curto prazo de tempo em cidades
muito distantes, compras feitas fora de Brasília enquanto o deputado discursava
em plenário, valores considerados acima do normal e outras contradições.
Num primeiro teste, em novembro, ela identificou 40
anomalias, das quais nove foram reconhecidas pela Câmara como mau uso da verba.
Entre os casos estão a compra de cinco garrafas de cerveja
em Las Vegas pelo deputado Vitor Lippi (PSDB-SP) e de 13 almoços no mesmo dia
reembolsados ao deputado Celso Maldaner (PMDB-SC). A cota é para uso exclusivo
do parlamentar, e é proibido comprar bebidas alcoólicas.
Os dois atribuíram o erro a suas assessorias, que não
retiraram as compras indevidas ao solicitar o reembolso, e devolveram a verba à
Câmara.
“Fomos ensinando o robô a combater a corrupção. Ele entende
padrões e identifica o que está fora”, disse o jornalista Pedro Vilanova, 23,
também integrante do grupo.
Na última semana, “Rosie” questionou dois candidatos
à presidência da Câmara. O deputado André Figueiredo (PDT-CE) gastou R$
248,52 em novembro de 2014 na pizzaria Valentina, onde uma pizza grande custa
hoje em média R$ 70.
Para o reembolso, ele apresentou uma nota manual que
descreve apenas “despesa com refeição”.
Rogério Rosso (PSD-DF) recebeu R$ 294,69 por um almoço em
maio de 2016. Foram consumidos quatro pratos, sendo três filés de costelas no
Roadhouse Grill, em Brasília.
Rosso disse que houve erro no reembolso e devolveu o
dinheiro. Figueiredo declarou não ser possível identificar erro em gastos de
dois anos atrás, mas disse que desde 2015 reduziu os pedidos de reembolsos por
alimentação.
A cota parlamentar autoriza reembolso ao deputado com gastos
em refeições, combustíveis, material de divulgação do mandato, passagens e
outros. Em 2016, foram gastos R$ 211,2 milhões.
O limite mensal varia de acordo com o Estado que elegeu o
parlamentar: vai de R$ 30,8 mil para eleitos no Distrito Federal a R$ 45,6 mil,
em Roraima –de acordo com o preço das passagens aéreas para cada Estado.
Folha de São Paulo
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