segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017
Por Joaquim de Carvalho - Enquanto o Superior Tribunal
de Justiça confirma a condenação a quatro anos e 11 meses de prisão de um homem
preso em flagrante por entregar a outro um cigarro com 0,02 grama de maconha, a
Justiça Federal do Espírito Santo ainda não julgou os quatro homens apanhados
tentando desembarcar 445 quilos de cocaína de alta pureza, três anos e três
meses atrás.
O que há de diferente nos dois casos, além da brutal
diferença de quantidade de droga apreendida?
O homem condenado a quatro anos e onze meses de prisão já se
encontrava preso na Cadeia Pública de Cataguases, Minas Gerais, quando um
policial civil o viu entregar a outro detento um pacotinho com a maconha, tão
pequeno que era difícil de enxergar de longe. Seria um pouco mais grosso que um
palito de fósforo.
Já os 445 quilos de pasta base de cocaína foram apreendidos por uma força
tarefa que uniu policiais federais e policiais militares do Espírito Santo e
estavam sendo descarregados do helicóptero da família do senador Zezé Perrella,
também de Minas Gerais.
A quantidade de drogas era tanta que encheu o porta-malas do Volkswagen Polo
que aguardava no interior de uma fazenda pela chegada da droga, embarcada no
Paraguai.
[VÍDEO] Como nasceu o ódio no Brasil! Por Leonardo Stoppa.
A Polícia Federal prendeu os dois pilotos que vieram no helicóptero – um deles,
funcionário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais por indicação do então
deputado estadual Gustavo Perrella, filho do senador –, um empresário que mora
no interior do Rio de Janeiro e um jardineiro contratado para ajudar a carregar
os 445 quilos de cocaína.
Os Perrella foram inocentados pela Polícia Federal alguns dias depois do
flagrante. Segundo a PF, o helicóptero foi usado no tráfico sem o conhecimento
da família.
Seis meses depois do flagrante, no dia em que prestariam depoimento, os quatro
envolvidos foram soltos – sem interrogatório –, pouco depois a segunda
instância da Justiça Federal revogou o decreto de apreensão do helicóptero e devolveu
a máquina para a família Perrella, que a revendeu para aquele empresário
apanhado em flagrante no motel com uma mulher casada, o caso Fabíola, que
viralizou na internet.
O flagrante no motel não tem nada a ver com a droga, mas mostra que vida seguiu
para todo mundo.
O empresário flagrado no motel teve até um probleminha depois, quando o
helicóptero que ele comprou de Perrella foi flagrado fazendo manobras
arriscadas sobre um lago em Belo Horizonte, em voo rasante sobre lanchas.
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), depois que imagens das manobras
foram postadas nas redes sociais, até interditou o helicóptero. Coisa pouca, a
interdição já foi revogada.
Gustavo Perrella perdeu a eleição de 2014, mas ganhou do governo Temer o cargo
de secretário nacional dos direitos do torcedor, no Ministério do Esporte.
O pai de Gustavo, senador Zezé Perrella, foi um dos que participaram durante a
madrugada da sabatina informal do ministro da Justiça licenciado, Alexandre
Perrella, na Chalanga Champagne, o Barco do Amor.
Perrella é dos homens que dirão sim ou não para o desejo de Michel Temer de
colocar Alexandre de Moraes como guardião da Constituição Federal, na vara de
Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal.
Já o promotor Eduardo Nepomuceno, que investigava a família Perrella por casos
de improbidade administrativa foi afastado da Promotoria de Defesa do
Patrimônio Público de Minas.
Nepomuceno abriu algumas ações civis públicas envolvendo a família Perrella,
inclusive pelo uso de verba da Assembleia Legislativa para o pagamento de
combustível para voos do helicoca sem relação com o mandato parlamentar.
O senador Zezé Perrella apresentou uma reclamação contra Nepomuceno ao Conselho
Nacional do Ministério Público. Perrella se disse vítima de perseguição. Há
dois meses, Conselho Nacional do Ministério Público julgou a reclamação e
afastou o promotor, que terá de ir para outro setor do Ministério Público em
Minas Gerais.
O Conselho Nacional do Ministério Público tem como um de seus membros o
advogado Gustavo do Vale Rocha, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil.
Gustavo foi quem obteve a decisão liminar que proíbe a Folha de S. Paulo de
divulgar informações sobre o processo em que Marcela Temer é chantageada por um
hacker, que ameaçou divulgar mensagens encontradas no celular dela que jogariam
o nome de Michel Temer na lama.
Assim como Alexandre de Moraes caiu nas graças de Michel Temer por fazer um
serviço rápido e discreto no caso do hacker, Gustavo do Vale Rocha mostrou seu
valor. Portanto, guarde este nome: Gustavo do Vale Rocha.
Temer quer Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal, e Gustavo do Vale Rocha,
que já foi funcionário do Banco do Brasil e hoje mora numa mansão do Lago Sul
de Brasília, deve subir.
Gustavo, que era muito próximo de Eduardo Cunha, já havia crescido no conceito
da atual cúpula do Planalto quando deu o parecer que vetou o uso do avião da
FAB pela então presidente afastada Dilma Rousseff, no início do processo de
impeachment.
Mundo pequeno demais na República da Chalana Champagne.
Enquanto a nave vai, o perigoso traficante de 0,02 grama de maconha segue
encarcerado, numa decisão em que a Justiça desprezou o princípio da
insignificância do delito – 0,02 grama de maconha… — , por considerar que o
tráfico é um crime tão grave que não importa a quantidade, vale o perigo
presumido.
Talvez esse princípio só se aplique a delitos cometidos por quem já está preso,
não para traficantes que utilizam helicóptero.
Será que é isso?
Difícil explicar o Brasil desses últimos anos.
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