URGENTE: Jornalista do Brasil 247 fala em dificuldade de
Lula para registrar candidatura, ‘vai ser uma guerra’
20 de fevereiro de 2017
A espetacular aprovação de Lula nas pesquisas eleitorais
expressa o reconhecimento da população pelo seu desempenho como presidente —
mas não só.
Também mostra que, para uma grande parcela de brasileiros,
Lula é o personagem decisivo para o país retornar ao Estado Democrático de
Direito, o que pode ocorrer pelo respeito ao calendário eleitoral, que prevê
eleições livres e diretas para presidente em 2018.
Este é o básico e, como é frequente em tempos turbulentos,
também é o incerto.
A naturalidade com que a maioria das pessoas se refere à
próxima eleição presidencial mostra um ponto fundamental da situação política.
Confirma que os brasileiros não admitem em hipótese alguma qualquer esforço
capaz de ameaçar um direito conquistado com suor, lágrimas — e sangue também
—
após 21 anos de ditadura militar.
Esta consciência democrática é a grande força que nos
protege dos perigos que espreitam o futuro do país.
Na superfície da situação política, os próprios interessados
se apresentam, se insinuam, se alinham. É muito natural. Afinal, o calendário
recorda que falta um ano e oito meses para a escolha do novo presidente.
O conhecimento de nossa história e o reconhecimento das
fraquezas que permitiram a derrocada de uma presidente eleita, sem prova de
crime de obrigam a uma pergunta necessária: podemos fechar os olhos no sono dos
justos porque está tudo certo e garantido para 2018 como esteve em 2014, 2010,
2006, etc, desde a primeira direta, em 1989?
Acho que não. Esta postura apenas mostra que pensamos o
presente de 2017 com referências e possibilidades que pertencem a um passado
pré-2016, quando se imaginava que golpes de Estado e rupturas institucionais
eram excrescências arquivadas nas páginas viradas da História.
Esta é a questão do momento. Na mesma medida em que o apoio
popular a Lula se amplia e se confirma, engordam as maquinações para golpear
uma candidatura que, em caso de vitória, reduziria o período político
transcorrido entre 31 de agosto de 2016 e 1 de janeiro de 2019 numa janela de
vergonha, desperdício e cinismo.
Em condições normais, Lula seria um candidato com direito a
todos os outros. Num estado de exceção, será preciso lutar para que sua
candidatura não seja massacrada no meio do caminho, num processo que pode
derrubar o conjunto do sistema político.
Golpes de estado são acontecimentos trágicos que não se
definem num lance único, numa data precisa, com personagens específicos — sejam
vitoriosos, sejam vencidos.
As rupturas institucionais abrem comportas largas,
com forças próprias, num movimento contínuo de ajustes e conflitos que irão
definir a nova situação política.São mudanças abruptas e lances de aparência
desencontrada, quando nem sempre é fácil decifrar o sentido real — até porque,
nessas ocasiões, a relação de forças costuma mover-se em alta velocidade.
Por exemplo: em 9 de abril de 1964, o Congresso deu posse a
Castello Branco através de um ato institucional que definia datas e funções do
calendário eleitoral do país, após o golpe que derrubou João Goulart.
Ao
contrário do que sabemos hoje, confortavelmente informados sobre o que iria
ocorrer anos seguintes, naquele momento tudo parecia assegurado para um retorno
rápido à democracia.
Não parecia que o país estava diante de um golpe programado
para durar duas décadas, suprimindo eleições diretas entre 1965 e 1989, espaço
de uma geração inteira.
Acreditava-se que o governo militar não passava de uma
pequena pausa, um intervalo rápido para “depurar” o regime e permitir o retorno
à “normalidade.”
No ato de posse de Castello, as eleições presidenciais
diretas foram confirmadas para dali a 18 meses, em 3 de outubro de 1965, dando
posse ao novo presidente eleito em 31 de janeiro de 1966 — como previa a carta
de 1946.
Mas, na data marcada para a realização da nova eleição, o país e o
calendário que deveria organizar a disputa pelo poder através da decisão do
eleitor estavam de cabeça para baixo.
O mandato do próprio Castelo Branco fora prorrogado até
1967. As eleições diretas haviam sido canceladas em todos os níveis: para
presidente da República, para governadores de Estado, para prefeitos de
capital.
Quem calculou que as medidas de exceção iriam limitar-se aos
líderes e partidos de esquerda, logo se surpreendeu.
Depois de mandar as
lideranças ligadas a Goulart, ao PCB e outras siglas para a prisão e o exílio,
o Comando da Revolução voltou-se contra os líderes civis que haviam auxiliado a
derrubar um governo constitucional.
Os principais chefes da conspiração que
derrubou Goulart estavam cassados, a começar pelo governador do Rio, Carlos
Lacerda, o mais estridente, e o de São Paulo, Adhemar de Barros, discreto, mas
muito mais ativo do que se imagina.
Como recordei num artigo publicado aqui mesmo em 31 de
outubro (“Lula e Juscelino nas lutas da história”
http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/263243/Lula-e-Juscelino-nas-lutas-da-hist%C3%B3ria.htm)
há elementos úteis de reflexão sobre Lula no massacre enfrentado por Juscelino
Kubitschek nos meses posteriores ao golpe de 64, que terminaram com sua
eliminação da cena política.
Há uma diferença essencial na postura dos personagens, é bom
reconhecer logo de cara. Ao contrário de Lula, que foi a principal voz na
resistência ao golpe de 31 de agosto, exibindo sua rouquidão em atos de
protesto realizados no país inteiro, JK foi um aliado tardio mas prestativo do
golpe militar de 64.
Embora sua candidatura ao pleito presidencial de 1965 já
tivesse até sido lançada oficialmente numa convenção do PSD, ele chegou a pedir
votos a favor de Castello Branco no Congresso.
Também multiplicou gestos
conciliadores em direção àqueles que o enxergavam como inimigo, na esperança de
apaziguá-los.
Nada adiantou. A pressão para retirar JK de cena é bem descrita
por Paula Beiguelman no livro “O pingo de azeite — Estudo sobre a instauração
da ditadura.”
A professora explica que o argumento para eliminar JK era que sua
“candidatura seria o instrumento através do qual as correntes proscritas
poderiam retornar ao comando da vida pública do país.” Trocando em miúdos: pelo
passado desenvolvimentista, pelos espaços que reservava à esquerda, o retorno
de JK era um obstáculo à consolidação da ditadura.
Naquele momento, os adversários de Juscelino possuiam o
controle completo da situação política.
Estavam presentes tanto no Comando
Militar que definia cassações e impunha nomes que deveriam ser enviados ao
cadafalso, como dirigiam as investigações sobre denúncias de corrupção.
Em
nenhuma hipótese, havia a chance de apresentar recurso ao Supremo Tribunal
Federal.
“Para melhor dissuadí-lo de candidatar-se, ameaçavam
avolumar as ‘restrições de natureza moral’ insinuadas ao longo de sua
carreira,” escreve Paula Beiguelman.
No momento da cassação, JK era o político mais popular do
país, favorito naquelas eleições que, em teoria, seriam realizadas em outubro
de 1965. Também tinha aliados influentes em escala regional. Quando ocorreram
eleições para governador, ainda por via direta, a vitória coube a aliados seus,
em dois estados estratégicos do ponto de vista político e econômico, Minas
Gerais e Rio de Janeiro.
As vitórias estaduais foram empregadas como argumento
para suprimir eleições para governador, também. Naquele momento — outra
semelhança — o país enfrentava uma recessão duríssima, que levou o golpista de
primeira hora, Carlos Lacerda, a acusar o governo de “matar os pobres de fome e
os ricos de raiva”.
Lula encontrou um lugar na conjuntura política de 2017-2018
pelo passado de mais popular presidente da História, com uma herança inegável
de combate a desigualdade estrutural da sociedade brasileira. Mas em 2016 ele
se qualificou como a grande voz — rouca muitas vezes — no esforço final de
denúncia da catástrofe que se aproximava.
Basta recordar que o país está sendo transformado numa
“cloaca”, como definiu o ex-governador de São Paulo, Claudio Lembo, para
entender a natureza das ameaças, verdadeiramente imundas, que podem ser
colocadas no destino do Brasil e dos brasileiros.
Na medida em que o Congresso
vai oferecendo os votos para os projetos de Temer-Meirelles, as ideias que
estavam apenas no papel começarão a desembarcar no país real, produzindo terríveis
consequências práticas para a maioria. E aí temos uma eleição no meio.
Um pesadelo para uns. Uma oportunidade, para outros.
Considerando que ninguém derruba um governo constitucional
para ficar dois anos e seis meses em Palácio e depois devolver o comando de
Estado a um novo presidente eleito apenas porque precisa mostrar amor infinito
pelo voto direto, candidatura Lula assume, acima de tudo, a forma de
resistência, distúrbio, desafio — em nome da democracia.
Nunca, desde o fim da República Velha, a eterna classe
dominante brasileira teve o conjunto da situação política na palma da mão,
pronta para satisfazer ambições, desejos e até caprichos.
Depois do inimigo principal — Lula, repita-se — outros
virão. Porque não se quer uma mudança de governo. Não há plano de curto prazo,
mas uma reconfiguração histórica, numa nação com 206 milhões de habitantes, uma
das dez maiores economias do planeta, a liderança mais influente da América do
Sul.
Tradução matemática de um país onde 5 famílias tem acesso a uma riqueza
equivalente àquela disponível a 50% de toda população, o projeto pretende
estabilizar uma ordem sem paralelo em sociedades que superaram a condição de
senhor x escravo por formas mais civilizadas de trabalho humano.
Não vamos nos
iludir, portanto. A guerra contra Lula irá se tornar mais dura, mais
encarniçada, mais covarde, daqui para a frente.
Fonte: http://clickpolitica.com.br/
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