SÁBADO 11 de FEVEREIRO 2017
A dobradinha de Sergio Moro e Temer para “acabar com a Lava
Jato”
O título é irônico porque eu acho muito biruta essa gritaria
toda sobre “acabar com a Lava Jato”.
A Lava Jato personalizou-se. Virou um indivíduo, com
opiniões políticas, com mau humor. Frequentemente, ela se porta como uma
donzela desamparada, sequestrada pelos vilões do Senado e do governo.
“Ah, querem acabar com a Lava Jato!”
Até mesmo os parlamentares de esquerda se comovem,
esquecendo que a donzela, num momento anterior, era o próprio dragão servindo
de guarda costas para o impeachment e, logo em seguida, para a demolição do
Estado. Então se juntam ao coro dos macacos de auditório, também querendo tirar
uma casquinha da aprovação da Lava Jato junto a este setor da sociedade que
Hannah Arendt chamava, muito apropriadamente, de “ralé”, e que a gente tem
chamado aqui, mais modernamente, de zumbis midiáticos.
“Temer quer acabar com a Lava Jato!”, gritam os
parlamentares do PT, achando-se muito perspicazes.
A militância de esquerda, que também é muito esperta, diz
que o golpe foi dado para “acabar com a Lava Jato”.
A militância de direita, que vive uma fase bem malandra,
sorri e se cala: ela jamais escondeu o seu desejo mais ardente, que a Lava Jato
prenda Lula. O resto, não lhe interessa.
A tara para prender o Lula não significa apenas tirá-lo das
eleições de 2018. Há um objetivo maior, mais velho que o mundo, de enterrar o
sonho de liberdade e democracia que Lula representa.
Foi assim com Oliver Cromwell, o “rei do povo”, que as
elites britânicas odiavam tanto que mandaram desenterrar seu corpo, decapitá-lo
e jogá-los aos abutres, de maneira a humilhar para sempre todos aqueles que
ousaram acreditar nele.
Em seu depoimento a Sergio Moro, Eduardo Cunha acusou o
presidente Michel Temer. Moro acorreu, furiosamente, em socorro do presidente.
Escreveu um texto de mais de 100 páginas, onde não disfarça sua indignação com
a tentativa de Cunha de fazer “insinuações” contra o presidente.
É comovente.
Sergio Moro também quer “acabar com a Lava Jato”?
Ora, é natural. Ele está cansado. Quer prender Lula de uma
vez e ir morar nos Estados Unidos com sua esposa. Quem pode lhe condenar por
isso? O Brasil está um caos! O próprio Moro admitiu, em palestra na Columbia
(bancada por empresário brasileiro), que a Lava Jato produziu instabilidade,
mas que, no futuro, ela ajudará o país a ficar mais competitivo. Ele não
explicou como a destruição de indústrias e a medievalização dos processos
penais podem tornar um país mais “competitivo”.
O procurador Carlos Lima, um dos coordenadores da Lava Jato
no MPF de Curitiba, disse que ficou aliviado com a opinião de Alexandre de
Moraes, de defender a prisão em segunda instância, uma das mil e uma bizarrices
jurídicas que o STF aprovou, para agradar a… Lava Jato.
A afirmação de Lima foi um aval da Lava Jato à nomeação de
Alexandre de Moraes. Tudo bem, podem indicar Alexandre de Moraes para o STF.
O Conselho Nacional dos Procuradores Gerais (CNPG), uma
espécie de maçonaria golpista do MPF, divulgou nota, dois dias atrás, em que
também apoia a indicação de Moraes para o STF.
A Associação de Magistrados do Brasil, outra maçonaria que
vem operando intensamente em prol do golpe, também apoia Moraes no STF.
Ou seja, todos aqueles que sustentaram a Lava Jato,
incluindo aí procuradores da própria operação, apoiam Moraes no STF, mesmo
sabendo que o ministro é um filiado ao PSDB, um escudeiro fiel do presidente
Temer que vai para lá com a missão de… “acabar com a Lava Jato”?
Que confusão!
Isso prova uma teoria minha, que me parece um tanto óbvia:
na verdade, quem quer “acabar com a Lava Jato” é a própria Lava Jato. Para
subsidiar o golpe, ela teve que reunir um material enorme em suas mãos, quase
tudo de forma truculenta, ilegal, espionando até mesmo advogados dos réus,
torturando executivos, quebrando grandes empresas estratégicas.
Com esse
material, ela pôde fazer o que quiser, prender, indiciar, ameaçar, quem ela
achasse fosse conveniente para a agenda política do momento.
Por exemplo, é muito bom para o golpe que o governador Pezão
esteja na lona, cassado, com pé na cadeia. Há uns anos, jamais passaria pela
cabeça de Pezão privatizar a Cedae. Hoje, o que ele pode fazer? Se ele quisesse
agradar a maioria da população e dos servidores, e fincasse o pé contra o crime
de vender a estatal de água e esgoto do estado do Rio, uma das melhores e mais
eficientes do país, a Lava Jato, com apoio da Globo, claro, trataria de tirá-lo
do páreo, levando-o a passar uma temporada em Bangu III.
A missão de Alexandre de Moraes no STF não é evidentemente
“acabar com a Lava Jato”. Ele nunca seria tão ingrato à operação que levou
Michel Temer, Jucá, Moreira Franco e Sarney, o PSDB, de volta ao núcleo duro do
poder.
Moraes quer apenas dar-lhe o retoque final, que é tirar dos
procuradores de Curitiba o constrangimento de indiciarem ou pedirem medidas
mais violentas contra o PSDB.
Alguém poderia se perguntar: não é justamente isso que
significa “acabar com a Lava Jato”?
A donzela sorri maliciosa, já um pouco cansada de seu papel
de frágil, e talvez irritada com a quantidade de idiotas que ficam repetindo
esse clichê sobre “acabar com a Lava Jato”.
Ela sabe muito bem o que está acontecendo. É uma dobradinha.
Alexandre de Moraes “controla” a Lava Jato no Supremo, e Sergio Moro “controla”
em Curitiba. Centra-se fogo no PT, prende-se Lula e ponto final.
O jogo carreta uma série de tensões e riscos. Há muitos
cordeiros gordos do próprio golpe que podem ser sacrificados, como foi Eduardo
Cunha, como pode vir a ser Renan, e que poderiam botar a boca no trombone.
É um
risco calculado, porque alguns deles podem trazer ruídos à narrativa. Não se
pode correr o risco de acordar as pessoas e fazê-las tomar consciência de que
se tornaram combustível da Matrix: milhões de pessoas presas em casulos, como
no filme, sonhando com o “fim da corrupção”, enquanto o sistema usa a sua
energia humana para transformar o país num cenário devastado, sem vida, sem
esperança, sem alegria. Não! Isso não pode acontecer! As pessoas precisam
continuar presas à Matrix.
Em caso de necessidade extrema, a Lava Jato pode até prender
um Aécio. Ou soltar mais umas bombas contra Serra. Mas isso seria tão
constrangedor! Felizmente, as últimas movimentações, em especial a nomeação de
Moraes para o STF, já deixaram claro que o país caminha para um grande
“acordão”.
Contra o presidente, Sergio Moro já deixou claro que não vai
tolerar “insinuações” de Eduardo Cunha. E a docilidade quase subalterna de Moro
diante do ex-presidente FHC, por ocasião de seu depoimento em defesa de Lula,
mostra que o PSDB, de maneira geral, não corre mais grandes riscos na Lava
Jato.
Ufa!
A mesma Lava Jato que se finge de donzela é, na verdade, uma
moça muito esperta, que aprendeu a manipular um governo que, ela sabe e se
orgulha disso, foi posto lá por ela mesma, por suas maquinações calculadas.
Um
vazamento aqui, outro ali, uma prisão aqui, uma manchete lá, tudo de acordo com
uma agenda política muito bem pensada. A esquerda bota 200 mil pessoas na
Paulista contra o golpe? A Lava Jato faz então uma prisão espetacular no dia
seguinte bem cedinho, de preferência contra o PT, para que a imprensa seja
“obrigada” a ignorar a manifestação e dar manchetes às últimas diatribes
heroicas de Sergio Moro…
É muito útil deixar o governo apavorado. É a única maneira,
sejamos francos!, de mantê-lo “na linha”, ou seja, promovendo o saque do
patrimônio público e o desmonte do Estado a uma velocidade recorde.
Trata-se de
um governo, afinal, puramente instrumental, que não tem interesse em se
reeleger. Nizan Guanaes, publicitário paulista, resumiu o pensamento da elite
golpista, durante encontro do presidente com empresários: “presidente, a
popularidade é uma prisão! Aproveite que é impopular e faça as reformas
certas”.
É uma maneira de pensar interessante. Para que se importar
com a opinião da população? A população não votou na candidata contra a qual
Temer conspirou? Então, não confie na população, presidente! O povo que se
dane! Confie apenas em nós, grandes empresários. Nós votamos no PSDB e sabemos
o que é bom para o Brasil. Se os números do desemprego, do PIB, da educação, do
desenvolvimento tecnológico, da infra-estrutura, não confirmam a nossa
competência, isso não é problema nosso!
Enquanto isso, a Lava Jato olha-se no espelho, dá um outro
sorriso espetacular, e se prepara para fazer outra viagem à Nova York. Ela sabe
que ninguém vai “acabar” com ela, porque ela já tomou conta de todo o
judiciário.
O juiz fluminense que condenou o almirante Oto, pioneiro da energia
nuclear brasileira, a mais de 40 anos de prisão, não foi Sergio Moro. Foi um
outro, um clone de Moro, um sujeito que antes, dizem, era até um juiz legal,
democrático, mas que experimentou a mesma transformação alquímica que
observamos em quase todos os ministros do Supremo. Não há juiz ou procurador,
no Brasil do golpe, com coragem para enfrentar a avassaladora onda golpista que
se instalou.
Num dos eventos contra o golpe, o diretor de teatro, Amir
Haddad, comparou esse espírito golpista a um vírus poderoso, que vai
contaminando as pessoas.
De um dia para o outro, o sujeito começa se portar de
maneira completamente diferente. Torna-se um violento, um reacionário, um
golpista. Um juiz humanista passa a distribuições condenações criminais de 40
anos, mesmo que o réu, como é o caso do almirante Oto, seja um octagenário.
O país vive um período profundamente convulsionado e
autoritário, onde o poder de fato foi transferido para o judiciário e para a
Globo. Isso causa uma instabilidade muito grande, porque – no que tange ao
judiciário – instaura uma anarquia enorme, como vimos na tentativa de juízes de
impedirem a posse de Moreira Franco.
A morte trágica de Teori (oportuníssima, é
importante sempre destacar) e a indicação de Moraes para o Supremo sinalizam
uma reação do governo para trazer ordem à ditadura. Tudo bem o Brasil virar uma
ditadura de juízes, mas então que seja uma ditadura com ordem e hierarquia!
Quem manda é o STF, que por sua vez obedece à Globo, que é
um braço do imperialismo americano no Brasil.
Quando tudo isso ficar claro, então voltaremos ao
equilíbrio, à ordem (embora sem progresso).
O maior desafio, naturalmente, será manter o povo no
cabresto, através da repressão, do medo, da manipulação das notícias e dos
processos judiciais.
A presença constante do exército nas ruas, o recrudescimento
da repressão policial às manifestações populares, a postura “blasé” do governo
capixaba diante do caos no estado, as capas das revistas semanais, que
continuam mirando no PT, as condenações exageradas, de mais de 40 anos de
prisão, contra Cabral e Eike, obviamente para lhes forçar a delatar Lula,
Dilma, o PT, etc, tudo isso prova que o golpe vai muito bem, obrigado.
Fonte: http://www.ocafezinho.com/
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