Multinacionais querem privatizar uso da água e Temer negocia
25 de agosto de 2016
Em condição de anonimato, um alto funcionário da Agência
Nacional de Águas revelou que o Aquífero Guanani, reserva de água doce com mais
de 1,2 milhão de km², deverá constar na lista de bens públicos privatizáveis, à
exemplo das reservas de petróleo no pré-sal e da estatal federal de energia,
Eletrobras. Primeira reunião sobre privatizações acontece em 12 de setembro
Por Correio
do Brasil*
A sanha privatista do governo instalado após o golpe de
Estado, em curso, atinge um dos segmentos mais estratégicos para o crescimento
do país, segundo revelou um alto funcionário da Agência Nacional de Águas
(ANA), em condição de anonimato, à reportagem do Correio do Brasil, na
manhã da última segunda-feira (22). O Aquífero Guanani, reserva de água doce
com mais de 1,2 milhão de km², deverá constar na lista de bens públicos
privatizáveis, à exemplo das reservas de petróleo no pré-sal e da estatal
federal de energia, Eletrobras.
O governo do presidente interino, Michel Temer, advertido
para o efeito extremamente negativo da medida, caso venha a ser adotada,
resolveu adiar para o dia 12 de setembro a primeira reunião do conselho do
Programa de Parceria e Investimentos (PPI), na qual serão definidas as
primeiras concessões e privatizações do governo, acrescentou a fonte. As
negociações com os principais conglomerados transnacionais do setor, entre elas
a Nestlé e a Coca-Cola, seguem “a passos largos”.
— Representantes destas companhias têm realizado encontros
reservados com autoridades do atual governo, no sentido de formular
procedimentos necessários à exploração pelas empresas privadas de mananciais,
principalmente no Aquífero Guarani, em contratos de concessão para mais de 100
anos — acrescentou o funcionário.
A primeira conversa pública acerca deste e de outros setores
que tendem a seguir para a iniciativa privada estava prevista para esta semana,
no dia 25, mesmo dia em que será aberto o processo de votação do impeachment da
presidenta Dilma Rousseff. Esta coincidência foi fatal para o adiamento da
reunião. Se confirmada a cassação do mandato de Dilma, o seu substituto deverá
viajar à China no início de setembro para a reunião do G-20. A reunião do PPI,
que será presidida pelo próprio Temer, ocorreria então após seu retorno.
O anúncio deve conter uma lista de concessões mais
“imediatas”, como as concessões dos aeroportos de Porto Alegre (RS),
Florianópolis (SC), Salvador (BA) e Fortaleza (CE) e dos terminais de passageiros
dos portos de Fortaleza e Recife (PE). Além disso, deve haver uma outra relação
de projetos a serem concedidos ou privatizados no médio prazo, com leilões que
podem ocorrer em até um ano, como das distribuidoras de energia da Eletrobras e
dos mananciais de água doce.
Fator estratégico
A relevância de um dos maiores mananciais mundial de água
doce é tamanha que, há décadas, tem sido alvo da especulação quanto ao seu uso
e exploração. O Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do
Sistema Aqüífero Guarani, conhecido por Projeto Aquífero Guarani (SAG), da ANA,
foi criado com o propósito de apoiar Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai na
elaboração e implementação de um marco legal e técnico de gerenciamento e
preservação do Aqüífero Guarani para as gerações presentes e futuras. Após a
vitória dos conservadores na Argentina e os golpes de Estado por orientação da
ultradireita, tanto no Paraguai quanto no Brasil, restou ao Uruguai votar
contra a privatização do aquífero.
Esse projeto foi executado com recursos do Global
Environment Facility (GEF), sendo o Banco Mundial a agência implementadora e a
Organização dos Estados Americanos (OEA) a agência executora internacional. A
GEF, no entanto, mantém laços muito próximos às grandes corporações.
Com área total de 1,2 milhões de km², dois terços da reserva
estão em território brasileiro, no subsolo dos Estados de Goiás, Mato Grosso do
Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. “A
importância estratégica do Aqüífero para o abastecer as gerações futuras
desperta atenção de grupos de diferentes setores em todo o mundo”, afirma
documento da Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos.
“A sociedade civil organizada está atenta às possíveis
estratégias de privatização de grupos econômicos transnacionais. Uma vez que,
em 2003, a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Banco Mundial, através
do Fundo Mundial do Meio Ambiente (GEF), implementaram o projeto de Proteção
Ambiental e Desenvolvimento Sustentável que visa reunir e desenvolver pesquisas
sobre o Aqüífero Guarani, com objetivo de implementar um modelo institucional,
legal e técnico comum para países do Mercosul”, acrescenta.
Água privatizada
O empresário austríaco Peter Brabeck-Letmathe, principal
financiador de campanha dos partidos de extrema direita naquele país, preside o
grupo Nestle desde 2005 e nunca escondeu seu objetivo de tornar o fornecimento
da água passível de exploração ainda mais acentuada pelas companhias do setor
alimentício. O comércio de água representa 8% do capital do conglomerado que,
em 2015, totalizaram aproximadamente US$ 100 bilhões.
“A água que você precisa para a sobrevivência é um direito
humano, e deve ser disponibilizada a todos, onde quer que estejam, mesmo que
eles não possam se dar ao luxo de pagar por isso. No entanto, também acredito
que a água tem um valor. As pessoas que usam a água canalizada para a sua casa
para irrigar seu gramado, ou lavar o carro, devem arcar com o custo da
infra-estrutura necessária para a sua apresentação”, disse Brabeck-Lemathe em
recente artigo publicado na sua página, em uma rede social.
As fábricas que engarrafam, em muitos casos tomam a água da
mesma rede destinada para uso público. Muitas vezes, como a Coca Cola,
acrescentam um pacote de minerais e a chamam de “água mineral”. Com este
procedimento, o preço da água de garrafa salta em mais de mil por cento,
“engarrafando-a e tornando-se um dos negócios mais descarados do mundo
capitalista”, revela a analista venezuelana Sylvia Ubal, em recente artigo
publicado naquele país.
“Nestes tempos da globalização estamos assistindo uma
concentração impressionante da indústria em torno de quatro a cinco
multinacionais que estão criando um monopólio. Indústrias como Nestlé, Danone,
Coca Cola, Pepsi Cola, possuem dezenas de marcas em torno de cada uma delas,
que marcam o preço e a qualidade da água sem controle algum. Nos EUA mais de um
terço da água engarrafada é simplesmente água de torneira tratada ou não; sendo
um negócio monopolizado pela Nestlé e Danone, as líderes mundiais”,
acrescentou.
Ubal afirma, ainda, que está cada vez está mais claro que a
água doce é um recurso finito, “vulnerável à contaminação – que é excessiva por
parte das empresas transnacionais”.
“Esta situação contribuiu para conceber a água como um bem
mercantil e não como um direito fundamental, em prejuízo à satisfação das
necessidades humanas básicas, das concepções ancestrais das comunidades
étnicas, gerando assim maior desigualdade social e afetando, por sua vez, a
biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas. A expansão deste negócio exige
das grandes corporações de bebidas e alimentação como a Coca Cola, Pepsi Cola,
Danone, Nestlé…, a ter cada vez mais acesso aos recursos hídricos,
impulsionando a privatização de água e aquíferos. E o setor da água engarrafada
está crescendo muito rapidamente em todo o mundo, sendo o negócio mais
lucrativo atualmente, mas também é um dos menos regulados, o que dá lugar a
situações verdadeiramente escandalosas”, conclui.
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