31/08/2016 | domtotal.com
Temer terá dois anos difíceis à frente do Brasil
Ele precisará manter sua base em cenários de ajuste fiscal e
Lava Jato.
Michel Temer assume o país em uma das piores crises da
história
Com a confirmação do impeachment da agora ex-presidenta da
República Dilma Rousseff, Michel Temer assume em definitivo o cargo. Apesar de,
na comparação com sua antecessora, dispor de maior apoio no Congresso Nacional,
Temer não terá vida fácil nos dois anos de mandato que ainda restam. Na opinião
de especialistas, ele precisará manter sua base parlamentar em cenários de
ajuste fiscal e Operação Lava Jato.
Para Débora Messenberg, socióloga política da Universidade
de Brasília (UnB), o mandato de Temer se dará em um país dividido e sem o
respaldo de uma eleição. “Acho que ele vai ter um governo dificílimo. Serão
dois anos de um governo sem respeitabilidade das urnas, com um país dividido e
com uma crise econômica internacional. E aqueles que o apoiaram, seja no
Parlamento, seja no âmbito dos interesses privados, vão pedir a conta.”
Segundo Débora, Dilma caiu por motivos distintos dos citados
no processo. Em seus discursos, alguns senadores chegaram a citar os chamados
“conjunto da obra” e “estelionato eleitoral”, endossando a tese da socióloga.
Mudanças
Por isso, ela avaliou que o momento impõe a necessidade de
discutir uma reforma política e o sistema de governo do país. “A falta de apoio
é margem para um primeiro-ministro cair e não o presidente. Ou observam as
regras democráticas ou fica esse perigo que estamos assistindo.”
Para o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente
da empresa de análise política Arko Advice, as discussões devem ser sobre o
número de partidos e o que ele chama de “loteamento do governo”.
“Talvez depois desse processo todo, sejam necessárias
algumas mudanças do ponto de vista da reforma política para evitar que esse
tipo de coisa [o impeachment] volte a acontecer. Se você tem uma Casa menos
fragmentada, com um número menor de partidos, onde o presidente não tem de
lotear tanto o governo para construir essas maiorias frágeis, talvez reforce
mais ainda nossa democracia”.
Desafios
Noronha disse entender que Temer navegará em águas mais
tranquilas que Dilma, mas nem por isso terá dois anos fáceis pela frente. Para
o cientista político, o novo presidente precisará dar andamento ao ajuste
fiscal em meio a novos capítulos da Operação Lava Jato.
“Existem alguns desafios grandes para ele colocar.
Justamente aprovar essa agenda de ajuste fiscal que está posta e que não será
fácil no Congresso Nacional. O processo da Lava Jato continua e continuará
trazendo turbulência ao cenário político”, disse.
“Novas delações premiadas vêm aí. Novos políticos podem ser
envolvidos e não se sabe qual partido será atingido. Isso é um fator de
instabilidade grande”, completou o cientista político.
Credibilidade
Cristiano citou ainda a importância de ajustar as contas
públicas para inspirar credibilidade no mercado financeiro.
“O mercado está aceitando Temer por causa dessa agenda [de
ajuste fiscal]. A dúvida é se essas reformas serão aprovadas pelo Congresso
Nacional ou se vão sair de lá desidratadas. Se eventualmente fizerem ajustes de
tal forma que essas reformas saiam absolutamente desidratadas, aí a
instabilidade e insegurança voltam. O grande problema do país é recuperar essa
credibilidade fiscal.”
Para Débora, a classe trabalhadora poderá sair perdendo com
os cortes que Temer eventualmente promoverá. “Espero que não, mas temo que a
classe trabalhadora vá perder muito. Em termos de direitos, de acesso às
políticas públicas, pelo que é divulgado por aqueles que organizam a política
econômica do país, acredito em muitos cortes nessa direção”.
Jogo político
Noronha concorda com Débora a respeito do uso de argumentos
estranhos ao processo e utilizados para retirar Dilma da Presidência. Segundo
ele, considerar outros fatores além das chamadas “pedaladas fiscais” faz parte
de um julgamento em uma casa política.
“Num processo julgado por políticos, eles acabam sendo
influenciados por outros fatores. Por isso, a economia pesa, a popularidade e
personalidade da presidente pesam. Há uma série de outros fatores que acabam
interferindo nessa decisão que é política também. É um processo do jogo”.
O cientista acrescentou que, quando a Constituição deu a
prerrogativa de julgamento ao Congresso Nacional, assumiu-se que o julgamento
não se daria apenas no mérito jurídico, mas também no político.
“Foi assim que estabeleceu o legislador e contra isso a
gente não pode lutar, está ali na Constituição. Se fosse um processo
estritamente jurídico, não caberia ao Congresso Nacional julgar, mas sim ao
Supremo Tribunal Federal”.
Papel da esquerda
Conforme Débora Messenberg, a esquerda do Brasil e do mundo
está em crise e precisa se reinventar. “Acho que a esquerda tem de se
reinventar no mundo inteiro, não só no Brasil. Depois da queda do muro [de
Berlim], temos claramente um projeto liberal e neoliberal em expansão e a
esquerda não teve um projeto de fato que enfrentasse. Então, vemos uma série de
governos ditos como trabalhistas, mas que acabaram adotando uma política
econômica liberal, neoliberal”.
Sobre o PT, bastante atingido pela Operação Lava Jato e pela
crise que derrubou Dilma, a socióloga disse acreditar que é um momento de
reflexão para o partido. “A partir de agora, o PT já se coloca na oposição. Mas
acho que é um momento de reflexão do partido. Afinal, esteve aí [no poder]
durante 13 anos e acho que é o momento de avaliação dos seus erros e acertos”.
Agência Brasil
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