Pela primeira vez no Brasil, um dos três poderes vai às ruas
contra os outros dois – e fracassa. O que está em jogo?
Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho
Essa é a primeira vez na história do Brasil em que um dos
três poderes, o Judiciário (unido à corporação do Ministério Público), sai às
ruas confrontando diretamente os outros dois (Legislativo e Executivo). E tudo
de forma tão evidente que, embora a classe média tenha sido a massa de manobra
nas manifestações, o confronto de poderes não se deixa ocultar.
E, ao que tudo indica, o fracasso foi retumbante. Mesmo com
os números inflados divulgados pelos organizadores. Veja-se o exemplo de
Brasília. Esperava 125 mil, apareceram apenas cinco mil (número dado pelos próprios organizadores).
Ou seja, menos um vigésimo do esperado ou menos de 5% do que era previsto. Em
13 de março, na maior das manifestações contra Dilma, com forte indução por
parte de Moro e da Lava Jato, o número chegou a 100 mil. Tivemos hoje, portanto, 5% do que
vimos em 13 de março.
Em Belo Horizonte, apareceram 8 mil pessoas (em 13 de março,
foram 100 mil). Em Salvador, 1.200 agora (em 13 de março, 50 mil). Recife
divulgou a participação de 5 mil manifestantes (em 13 de março, foram 120 mil).
A Globo está sendo bastante resistente em dar os ‘números reais’. No caso
do Rio, disse à pouco que a PM ainda não tinha divulgado os números.
O fracasso das manifestações, é certo, aumentará o empenho
da Globo em impor uma imagem vitoriosa da Lava Jato e do juiz Sérgio Moro. Sua
situação vai se tornar, contudo, bastante ambígua porque, sem deixar de apoiar
Temer, vai dar firme apoio aos que pediram nas ruas o “Fora Temer”. A mesma
coisa para a Folha de São Paulo.
As duas empresas, contudo, já preveem (no caso da Folha, até
trabalha por) um fim inglório para Temer. Nesse caso, o protesto de hoje
sinaliza o prelúdio da substituição do grupelho do PMDB pelo (também implicado
na Lava Jato) grupelho do PSDB.
Ao levar a luta para as ruas, o judiciário brasileiro dá a
sua luta para aumentar seu poder no estado brasileiro um caráter dramático. Na
imaginação dos ingênuos da Lava Jato – os procuradores mais jovens que dão às
caras na mídia (por trás dos quais estão as velhas raposas que nunca aparecem)
–, se trata de uma missão sagrada: a livrar o país da corrupção e, de quebra,
garantir carreiras de sucesso e altos salários para cada um deles.
O caráter dramático está em que, com as manifestações de
Deltan Dellagnol, por exemplo, no Twitter pedindo vigilância e fazendo
denúncias de manipulações do projeto das Dez Medidas, o assunto saiu dos canais
institucionais. Agora não é a rotina das decisões colegiadas que está movendo
as relações internas ao estado. Não são os pactos dissimulados, as pressões ou
manipulações institucionais habituais.
Ao pôr nas ruas as palavras de ordem contra o Legislativo e
o Executivo, o Judiciário trouxe uma “forma revolucionária” – isto é, medidas
extrajudiciais em colisão com as práticas institucionais. Esse tipo de
‘revolução’ foi exatamente o caminho que a Alemanha seguiu para chegar a 1933:
a mobilização nas ruas em sintonia com os tribunais e as forças policiais (a
PM, por exemplo, está se recusando a dar os números reais de manifestantes
hoje, mesmo onde, como em Belo Horizonte, era possível conta-los com os dedos).
Enquanto o primeiro capítulo da Lava Jato, de forma muito
mais indireta, insuflou a classe média contra Dilma e o PT, esse segundo
capítulo conclama diretamente as ruas contra os partidos que querem o fim da
Lava Jato. São justamente os aliados daquela primeira fase, o PMDB em primeiro
lugar, que hoje são marcados como os inimigos da Justiça. Os mesmos políticos
corruptos que os procuradores agora acusam, foram seus diletos aliados na
derrubada do governo legítimo de Dilma Rousseff.
A situação assume certo verniz dramático também porque, até
na simples aparência, os canais institucionais foram rompidos. E a tensão que
se inseriu nessa ruptura, através do fracasso nas ruas nesse domingo, é um novo
ingrediente de ódio numa atmosfera já bastante carregada.
O que antes era controlado pela lógica das instituições foi
sobrepujado pela lógica canibal de um estado em decomposição. Cada segmento,
cada corporação, e cada um dos poderes – com exceção da presidência, o
Executivo, que conspira deitado num leito de CTI – briga entre si para alcançar
maiores fatias de poder, ou para não perder o que alcançou.
Mas, o que é mais notável, é que a lógica do golpe – a de um
fortalecimento do Judiciário que quer acumular poderes de exceção –, criou o
terreno para uma luta intestina entre os três poderes: o Judiciário, por um
lado, e o Legislativo, atrás do qual se esconde, moribundo, o Executivo.
Os dois fatos recentes – a tentativa de anistia ao caixa dois e a votação das Dez medidas, transformada em lei contra o abuso
de autoridade –, tem como miolo aquele confronto, como ninguém ignora. Mas isso
significa que uma lógica do confronto foi acionada e, sem mediadores, tende a
correr solta. Das ruas para a violência, muitas vezes é um passo.
Quem vem permitindo essa radicalização da parte do
Judiciário e do MPF? Aqueles que de fato dão as cartas no Judiciário e na PGR,
ou seja, os grupos encastelados nas posições superiores. Ninguém se engane
crendo que Dellagnol ou Sérgio Moro são os mandachuvas que dão as cartas e
decidem. De modo algum. Num estado baseado no favor e no peso patriarcal, esses
‘jovens’ estão sob a tutela de outros mais velhos.
Assim como os ‘Cara Pintadas’ saíram dissimulados
(exatamente pintando as faces), nos protestos contra Collor, representando não
o seu país mas os seus pais, que discretamente ficaram em casa, mas que os
estimularam em obediência ao chamado da Globo, hoje a classe média ocupa as ruas
em nome de terceiros. A mídia e os medalhões do judiciário e do ministério
público estão por trás da cena. Até onde vai o show, depende de até onde eles
permitam que o show vá.
O poder do judiciário quer se robustecer cada vez mais,
garantir suas prerrogativas e privilégios, avançar no botim dos recursos do
estado através dos aumentos salariais e dos benefícios suplementares de todo
tipo. Questões como a do aumento do STF, ainda em suspenso, são decisivas
para alimentar a fervura, já que é interesse de todos os juízes do país.
Já os políticos não querem servir de troféus para os
caçadores de cabeça das corporações penais, que antes faziam os processos
dormirem nas gavetas por décadas e agora, depois do aplauso popular (leia-se:
classe média descontente com o PT e suas políticas democráticas) descobriram o
apelo das ruas e da popularidade barata.
Se o Legislativo tiver clareza suficiente sobre o fracasso
de hoje, provavelmente liquidará o assunto na próxima terça-feira.
Fonte: http://www.ocafezinho.com/
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