sábado, 3 de dezembro de 2016
Por LOR, cartunista e médico (ou vice-versa)
A voz estridente anunciava a última chamada para meu
embarque quando deparei com o desconto na compra do livro sobre o juiz Sérgio
Moro e estanquei imobilizado diante da oferta, naquela espécie de vertigem que
acontece quando algo está prestes a se revelar para nós e vem emergindo com
força das profundezas de nosso inconsciente.
Parecia vir à tona uma onda de
humor diante do óbvio ridículo da pechincha estampada sobre o nome do bastião
valoroso e justiceiro implacável do moralismo atual (ou deveria dizer morolismo?),
mas a graça perdeu parte de sua força antes de alcançar a superfície.
É muito mais do que um fracasso de vendas, é a desgraça de
um grande projeto! - Gritou de sua mesa o editor, exasperado entre faturas e
planilhas porque a edição do livro que arrebentaria todos os recordes de vendas
encalhara em todo o país, inclusive na capital paulistana.
O gerente de
promoções, encolhido num canto da sala debaixo de sua culpa tentava se
justificar: todos os sinais indicavam que seria o maior sucesso uma obra
laudatória ao grande paladino da justiça (ou deveria dizer do justiçamento?),
cujas batalhas ajudaram a derrubar a presidente que assumira publicamente ser
presidenta.
É que tudo parecia se encaixar bem, continuou o gerente de vendas,
porque a operação lava-jato, como o nome indicava, seria algo rápido, zás-trás
e eficiente, derrubaria um dos partidos políticos que usavam a Petrobrás para
se manter no poder, então a oposição assumiria, o juiz viraria herói e pau! - O
livro venderia horrores.
E por que sua estratégia deu errada? – gritou o editor, mais
vermelho ainda em suas origens anglo-saxônicas da baixa Bavária, deixando
propositalmente respingar saliva sobre a cara do pobre gerente de marketing que
abriu tremulamente um painel mostrando a todos que algo saíra fora de controle,
não era culpa dele, o fato era que a operação de investigação da corrupção na
estatal deveria ter ficado restrita a um determinado grupo de políticos, mas a
ambição dos jovens investigadores sob o comando do juiz de família de origem
toscana (ou deveria dizer tucana?) extravasara os limites da opereta e atingiu
a própria orquestra, atrapalhando as provas para sobrar apenas convicção.
O
carro em ladeira abaixo sem freios bateu na rampa do palácio, destruiu
alambrados do congresso e respingou lama em supremas togas e começou o salve-se
quem puder (ou deveria dizer o pudê?).
Então, a velha pilantragem de sempre
começou sua jardinagem na plantação de notícias na mídia sobre anistias gerais,
mas restritas, que retirava a seiva do juiz.
No meio desse devorteio, o livro sobre o capitão do mato
ficou pronto e a gente espalhou o mais rápido que deu, disse o gerente de
distribuição, mas a turma das panelas verde e amarelas parou de ir para a rua e
o prestígio do nosso herói começou a desmoronar (ou deveria dizer
des-moro-nar?) e o preço de capa começou a ficar caro, ninguém mais quer
comprar.
O jeito é a liquidação para não ficar com o estoque na mão e a gente
ter que vender para reciclagem, como papel picado. Bem, em último caso a gente
pode vender o papel picado para a turma de vermelho que agora está ocupando as
ruas, argumentou o gerente de reciclagem, para jogar do alto dos prédios da
Paulista, explicou.
O editor estava visivelmente frustrado diante dos caminhos
pífios que tomara aquela edição destinada a um best-seller (ou deveria dizer
mais vendido?), e informou que tendo em vista que a coisa não deu certo como
previra, reduziria o tamanho de sua empresa dentro do espírito de cortes da
proposta desse governo (ou deveria dizer desgoverno?).
Nesse momento, o jovem publicitário Ganhais Santana, recém
contratado pela editora, informou que havia recebido uma ligação de fonte
idônea e forte no governo e todos na reunião fingiram não saber que se tratava
de um ministro soteropolitano (ou deveria dizer caleropolitano?) sugerindo que
todos os exemplares do Sérgio Moro existentes no país fossem adquiridos a preço
de custo pela secretaria do ex-presidente interino, mas neste momento tive que
correr para a sala de embarque pois meu avião estava fechando as portas e perdi
o resto da conversa.
Postado por ВAЛДИР ФИОРИНИ às 10:30:00
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