Há um rio de ferro que corre cada vez mais depressa no
interior da Terra
Três satélites europeus têm observado o campo magnético
terrestre nos últimos três anos, para detectarem todas as suas mudanças e
“verem” como é que este escudo invisível do planeta está a ser gerado no seu
interior. Agora fizeram a sua primeira grande descoberta.
TERESA FIRMINO 27 de Dezembro de 2016, 8:31
Ilustração do campo magnético da Terra, um escudo que nos
protege da radiação cósmica e das partículas electricamente
carregadas emitidas
pelo Sol ESA/ATG MEDIALAB
Por baixo da Sibéria e do Alasca, bem no interior da Terra,
está a correr um rio de ferro líquido. Vai em direcção a oeste e move-se cada
vez mais depressa – uma descoberta feita graças às observações de três
satélites lançados em 2013 pela Agência Espacial Europeia (ESA).
Esse rio encontra-se no núcleo externo da Terra, rico em
ferro e níquel, a cerca de 3000 quilómetros de profundidade.
O nosso planeta
tem 12.700 quilómetros de diâmetro e é composto por camadas: a seguir à crosta
e ao manto está o núcleo externo e, depois, o interno. Enquanto o núcleo
interno é sólido, indo dos 5100 quilómetros de profundidade até ao centro da
Terra, o núcleo externo é líquido e vai dos 2900 quilómetros até aos 5100.
Este
líquido, superquente e em movimento, gera correntes eléctricas que, por sua
vez, criam o campo magnético do planeta.
Ilustração da corrente de ferro derretido no núcleo externo
da
Terra e da constelação de satélites que a descobriu ESA
Ora o campo magnético da Terra muda constantemente. Além
disso, não há muitas maneiras de olhar para o interior profundo da Terra – as
medições do campo magnético são uma dessas maneiras (as ondas sísmicas são
outra).
Ao registarem-se pormenorizadamente as mudanças do campo magnético é
então possível inferir como é que o ferro se está a movimentar no interior do
planeta.
Por isso, a ESA lançou três satélites gémeos – na missão Swarm e que
custará cerca de 230 milhões de euros – para fazer medições muito rigorosas do
campo magnético terrestre e destrinçar todas as fontes que contribuem para ele.
Ainda que a fonte principal seja o núcleo externo, há outras
mais, como rochas magnetizadas presentes na crosta terrestre e a ionosfera, uma
das camadas exteriores da atmosfera.
O campo magnético do planeta é o resultado
da contribuição de diversas fontes, formando um escudo que nos protege da
radiação cósmica e de partículas electricamente carregadas emitidas pelo Sol, e
que são perigosas para nós e para as telecomunicações, por exemplo.
“As
medições precisas dos satélites da constelação Swarm vão permitir separar as
diferentes fontes de magnetismo, tornando mais claro o contributo do núcleo”,
explica a ESA em comunicado.
Foram as medições dos satélites Swarm que permitiram
descobrir o rio de ferro na região do Pólo Norte, cujos materiais derretidos
não só se deslocam mais depressa do que aqueles que estão à sua volta como o
fazem cada vez mais depressa.
Publicados num artigo científico na revista Nature
Geoscience, por investigadores da Universidade de Leeds (no Reino Unido) e da
Universidade Técnica da Dinamarca, os resultados das observações indicam que
o ferro por baixo da Sibéria e do Alasca está agora a andar 45 quilómetros
por ano, ou seja, cerca de cinco metros por hora.
E que esta velocidade
triplicou nos últimos 15 anos.
“Pode parecer que 45 quilómetros por ano não é muito. Mas
nunca vimos nada mover-se tão depressa no interior da Terra”, sublinha Christopher
Finlay, investigador da Universidade Técnica da Dinamarca e que está envolvido
no projecto Swarm. “E é três vezes mais rápido do que tudo o resto no núcleo da
Terra”, acrescenta o investigador, citado num comunicado da sua universidade.
Este rio tem cerca de 420 quilómetros de largura, estende-se
por 7000 quilómetros de comprimento e é provável que vá até aos 5000
quilómetros de profundidade.
Os cientistas comparam-no a um fenómeno existente
na atmosfera a grande altitude – as correntes de jacto, que são correntes
estreitas de vento forte e que corre de forma quase horizontal.
“É uma
descoberta fascinante. É a primeira vez que vimos esta corrente de jacto de
forma tão clara”, diz Christopher Finlay, referindo-se ao ferro líquido.
“Esta
corrente de jacto pode ser importante no dínamo que gera o campo magnético da
Terra. Também pode estar a causar mudanças na taxa de rotação do núcleo interno
da Terra. Ao compreendermos melhor a física do núcleo, acabaremos por fazer
melhores previsões sobre as mudanças futuras do campo magnético da Terra”,
acrescenta o investigador.
“É provável que haja mais surpresas”, antevê por sua vez
Rune Floberghagen, responsável da ESA pela missão Swarm. “O campo magnético
está sempre a mudar, o que até pode levar a corrente de jacto [de ferro
derretido] a mudar de direcção.”
Fonte: https://www.publico.pt/
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