DIEGO ESCOSTEGUY
16/06/2017 - 21h31 - Atualizado 16/06/2017 23h20
Na manhã da quinta-feira (15), o empresário Joesley
Batista, um dos donos do grupo J&F, recebeu ÉPOCA para conceder sua
primeira entrevista exclusiva desde que fechou a mais pesada delação dos três
anos de Lava Jato.
Em mais de quatro horas de conversa, precedidas de semanas
de intensa negociação, Joesley explicou minuciosamente, sempre fazendo
referência aos documentos entregues à Procuradoria-Geral da República, como se
tornou o maior comprador de políticos do Brasil.
Discorreu sobre os motivos que
o levaram a gravar o presidente Michel
Temer e a se oferecer à PGR para flagrar crimes em andamento contra a
Lava Jato. Atacou o presidente, a quem acusa, com casos e detalhes inéditos, de
liderar “a maior e mais perigosa organização criminosa do Brasil” – e de usar a
máquina do governo para retaliá-lo.
Contou como o PT de Lula “institucionalizou”
a corrupção no Brasil e de que modo o PSDB de Aécio
Neves entrou em leilões para comprar partidos nas eleições de 2014. O
empresário garante estar arrependido dos crimes que cometeu e se defendeu das
acusações de que lucrou com a própria delação.
A seguir, os principais trechos da entrevista publicada na
edição de ÉPOCA desta semana. Leia as 12 páginas da conversa com Joesley na
edição que chega às bancas neste sábado (17) ou disponível agora
nos aplicativos ÉPOCA e Globo+:
ÉPOCA – Quando o senhor conheceu Temer?
Joesley Batista – Conheci Temer através do ministro Wagner Rossi, em 2009,
2010. Logo no segundo encontro ele já me deu o celular dele. Daí em diante
passamos a falar. Eu mandava mensagem para ele, ele mandava para mim.
De 2010
em diante. Sempre tive relação direta. Fui várias vezes ao escritório da Praça
Pan-Americana, fui várias vezes ao escritório no Itaim, fui várias vezes à casa
dele em São Paulo, fui alguma vezes ao Jaburu, ele já esteve aqui em casa, ele
foi ao meu casamento. Foi inaugurar a fábrica da Eldorado.
ÉPOCA – Qual, afinal, a natureza da relação do senhor com o
presidente Temer?
Joesley – Nunca foi uma relação de amizade. Sempre foi uma relação
institucional, de um empresário que precisava resolver problemas e via nele a
condição de resolver problemas. Acho que ele me via como um empresário que poderia financiar as
campanhas dele – e fazer esquemas que renderiam propina. Toda a vida tive total
acesso a ele. Ele por vezes me ligava para conversar, me chamava, e eu ia lá.
ÉPOCA – Conversar sobre política?
Joesley – Ele sempre tinha um assunto específico. Nunca me chamou lá para
bater papo. Sempre que me chamava, eu sabia que ele ia me pedir alguma coisa ou
ele queria alguma informação.
ÉPOCA – Segundo a colaboração, Temer pediu dinheiro ao
senhor já em 2010. É isso?
Joesley – Isso. Logo no início. Conheci Temer, e esse negócio de dinheiro
para campanha aconteceu logo no iniciozinho. O Temer não tem muita cerimônia
para tratar desse assunto. Não é um cara cerimonioso com dinheiro.
ÉPOCA – Ele sempre pediu sem algo em troca?
Joesley – Sempre estava ligado a alguma coisa ou a
algum favor. Raras vezes não. Uma delas foi quando ele pediu os R$ 300 mil para
fazer campanha na internet antes do impeachment, preocupado com a imagem dele.
Fazia pequenos pedidos. Quando o Wagner saiu, Temer pediu um dinheiro para ele
se manter. Também pediu para um tal de Milton Ortolon, que está lá na nossa
colaboração.
Um sujeito que é ligado a ele. Pediu para fazermos um mensalinho.
Fizemos. Volta e meia fazia pedidos assim. Uma vez ele me chamou para
apresentar o Yunes. Disse que o Yunes era amigo dele e para ver se dava para
ajudar o Yunes.
ÉPOCA – E ajudou?
Joesley – Não chegamos a contratar. Teve uma vez também que ele me pediu
para ver se eu pagava o aluguel do escritório dele na praça [Pan-Americana, em
São Paulo]. Eu desconversei, fiz de conta que não entendi, não ouvi. Ele nunca
mais me cobrou.
ÉPOCA – Ele explicava a razão desses pedidos? Por que
o
senhor deveria pagar?
Joesley – O Temer tem esse jeito calmo, esse jeito dócil de tratar e
coisa. Não falava.
ÉPOCA – Ele não deu nenhuma razão?
Joesley – Não, não ele. Há políticos que acreditam que pelo simples fato
do cargo que ele está ocupando já o habilita a você ficar devendo favores a
ele. Já o habilita a pedir algo a você de maneira que seja quase uma obrigação
você fazer. Temer é assim.
ÉPOCA – O empréstimo do jatinho da JBS ao presidente também
ocorreu dessa maneira?
Joesley – Não lembro direito. Mas é dentro desse contexto: “Eu preciso
viajar, você tem um avião, me empresta aí”. Acha que o cargo já o habilita.
Sempre pedindo dinheiro. Pediu para o Chalita em 2012, pediu para o grupo dele
em 2014.
ÉPOCA – Houve uma briga por dinheiro dentro do PMDB na
campanha de 2014, segundo o lobista Ricardo Saud, que está
na colaboração da JBS.
Joesley – Ricardinho falava direto com Temer, além de mim. O PT mandou dar
um dinheiro para os senadores do PMDB. Acho que R$ 35 milhões. O Temer e o
Eduardo descobriram e deu uma briga danada. Pediram R$ 15 milhões, o Temer
reclamou conosco. Demos o dinheiro. Foi aí que Temer voltou à Presidência do
PMDB, da qual ele havia se ausentado. O Eduardo também participou ativamente
disso.
ÉPOCA – Como era a relação entre Temer e Eduardo Cunha?
Joesley – A pessoa a qual o Eduardo se referia como seu superior
hierárquico sempre foi o Temer. Sempre falando em nome do Temer. Tudo que o
Eduardo conseguia resolver sozinho, ele resolvia. Quando ficava difícil, levava
para o Temer. Essa era a hierarquia. Funcionava assim: primeiro vinha o Lúcio
[o operador Lúcio Funaro]. O que ele não conseguia resolver pedia para o
Eduardo. Se o Eduardo não conseguia resolver, envolvia o Michel
ÉPOCA – Segundo as provas da delação da JBS e de outras
investigações, o senhor pagava constantemente tanto para Eduardo Cunha quanto
para Lúcio Funaro, seja por acertos na Câmara, seja por acertos na Caixa, entre
outros. Quem ficava com o dinheiro?
Joesley – Em grande parte do período que convivemos, meu acerto era direto
com o Lúcio. Eu não sei como era o acerto do Lúcio do Eduardo, tampouco do
Eduardo com o Michel. Eu não sei como era a distribuição entre eles. Eu evitava
falar de dinheiro de um com o outro. Não sabia como era o acerto entre eles.
Depois, comecei a tratar uns negócios direto com o Eduardo.
Em 2015, quando ele
assumiu a presidência da Câmara.
Não sei também quanto desses acertos iam para
o Michel.
E com o Michel mesmo eu também tratei várias doações. Quando eu ia
falar de esquema mais estrutural com Michel, ele sempre pedia para falar com o
Eduardo. “Presidente, o negócio do Ministério da Agricultura, o negócio dos
acertos…” Ele dizia: “Joesley, essa parte financeira toca com o Eduardo e se
acerta com o Eduardo”. Ele se envolvia somente nos pequenos favores pessoais ou
em disputas internas, como a de 2014.
ÉPOCA – O senhor realmente precisava tanto assim desse grupo
de Eduardo Cunha, Lúcio Funaro e Temer?
Joesley – Eles foram crescendo no FI-FGTS, na Caixa, na Agricultura –
todos órgãos onde tínhamos interesses. Eu morria de medo de eles encamparem o
Ministério da Agricultura. Eu sabia que o achaque ia ser grande. Eles tentaram.
Graças a Deus, mudou o governo e eles saíram. O mais relevante foi quando
Eduardo tomou a Câmara. Aí virou CPI para cá, achaque para lá. Tinha de tudo.
Eduardo sempre deixava claro que o fortalecimento dele era o fortalecimento do
grupo da Câmara e do próprio Michel. Aquele grupo tem o estilo de entrar na sua
vida sem ser convidado.
ÉPOCA – Pode dar um exemplo?
Joesley – O Eduardo, quando já era presidente da Câmara, um dia me disse
assim: “Joesley, tão querendo abrir uma CPI contra a JBS para investigar o
BNDES. É o seguinte: você me dá R$ 5 milhões que eu acabo com a CPI”. Falei:
“Eduardo, pode abrir, não tem problema”. “Como não tem problema? Investigar o BNDES,
vocês.” Falei: “Não, não tem problema”. “Você tá louco?” Depois de tanto
insistir, ele virou bem sério: “É sério que não tem problema?”. Eu: “É sério”.
Ele: “Não vai te prejudicar em nada?”. “Não, Eduardo.”
Ele imediatamente falou
assim: “Seu concorrente me paga R$ 5 milhões para abrir essa CPI. Se não vai te
prejudicar, se não tem problema… Eu acho que eles me dão os R$ 5 milhões”.
“Uai, Eduardo, vai sua consciência. Faz o que você achar melhor.” Esse é o
Eduardo. Não paguei e não abriu. Não sei se ele foi atrás. Esse é o exemplo
mais bem-acabado da lógica dessa Orcrim.
ÉPOCA – Algum outro?
Joesley – Lúcio fazia a mesma coisa. Virava para mim e dizia: “Tem um
requerimento numa CPI para te convocar. Me dá R$ 1 milhão que eu barro”. Mas a
gente ia ver e descobria que era algum deputado a mando dele que estava
fazendo. É uma coisa de louco
ÉPOCA – O senhor não pagou?
Joesley – Nesse tipo de coisa, não. Tinha alguns limites. Tinha que tomar
cuidado. Essa é a maior e mais perigosa organização criminosa deste país.
Liderada pelo presidente.
ÉPOCA – O chefe é o presidente Temer?
Joesley – O Temer é o chefe da Orcrim da Câmara. Temer, Eduardo, Geddel,
Henrique, Padilha e Moreira. É o grupo deles. Quem não está preso está hoje no
Planalto. Essa turma é muita perigosa. Não pode brigar com eles. Nunca tive
coragem de brigar com eles. Por outro lado, se você baixar a guarda, eles não
têm limites. Então meu convívio com eles foi sempre mantendo à meia distância:
nem deixando eles aproximarem demais nem deixando eles longe demais. Para não
armar alguma coisa contra mim.
A realidade é que esse grupo é o de mais difícil
convívio que já tive na minha vida. Daquele sujeito que nunca tive coragem de
romper, mas também morria de medo de me abraçar com ele.
ÉPOCA – No decorrer de 2016, o senhor, segundo admite e as
provas corroboram, estava pagando pelo silêncio de Eduardo
Cunha e Lúcio Funaro, ambos já presos na Lava Jato, com quem o senhor tivera
acertos na Caixa e na Câmara. O custo de manter esse silêncio ficou alto
demais? Muito arriscado?
Joesley – Virei refém de dois presidiários. Combinei quando já estava
claro que eles seriam presos, no ano passado. O Eduardo me pediu R$ 5 milhões.
Disse que eu devia a ele. Não devia, mas como ia brigar com ele? Dez dias
depois ele foi preso. Eu tinha perguntado para ele: “Se você for preso, quem é
a pessoa que posso considerar seu mensageiro?”. Ele disse: “O Altair procura
vocês. Qualquer outra pessoa não atenda”. Passou um mês, veio o Altair.
Meu Deus, como vou dar esse dinheiro para o cara que está preso? Aí o Altair
disse que a família do Eduardo precisava e que ele estaria solto logo, logo. E
que o dinheiro duraria até março deste ano. Fui pagando, em dinheiro vivo, ao
longo de 2016. E eu sabia que, quando ele não saísse da cadeia, ia mandar
recados.
ÉPOCA – E o Lúcio Funaro?
Joesley – Foi parecido. Perguntei para ele quem seria o mensageiro se ele
fosse preso. Ele disse que seria um irmão dele, o Dante. Depois virou a irmã. Fomos pagando mesada. O
Eduardo sempre dizia: “Joesley, estamos juntos, estamos juntos. Não te delato
nunca. Eu confio em você. Sei que nunca vai me deixar na mão, vai cuidar da
minha família”. Lúcio era a mesma coisa: “Confio em você, eu posso ir preso
porque eu sei que você não vai deixar minha família mal. Não te delato”.
ÉPOCA – E eles cumpriram o acerto, não?
Joesley – Sim. Sempre me mandando recados: “Você está cumprindo tudo
direitinho. Não vão te delatar. Podem delatar todo mundo menos você”. Mas não
era sustentável. Não tinha fim. E toda hora o mensageiro do presidente me
procurando para garantir que eu estava mantendo esse sistema.
ÉPOCA – Quem era o mensageiro?
Joesley – Geddel. De 15 em 15 dias era uma agonia terrível. Sempre
querendo saber se estava tudo certo, se ia ter delação, se eu estava cuidando dos dois. O presidente estava preocupado. Quem
estava incumbido de manter Eduardo e Lúcio calmos era eu.
ÉPOCA – O ministro Geddel falava em nome do presidente
Temer?
Joesley – Sem dúvida. Depois que o Eduardo foi preso, mantive a
interlocução desses assuntos via Geddel. O presidente sabia de tudo. Eu
informava o presidente por meio do Geddel. E ele sabia que eu estava pagando o
Lúcio e o Eduardo. Quando o Geddel caiu, deixei de ter interlocução com o
Planalto por um tempo. Até por precaução.
Fonte: http://epoca.globo.com/
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