UOL Confere: Governo Temer distorce dados econômicos em
propaganda de 120 dias
Guilherme Azevedo e Wellington Ramalhoso
Do UOL, em São Paulo
05/01/201712h52
Propaganda do governo apresenta números incorretos para o
período de quatro meses
O governo Michel Temer (PMDB) publicou anúncios de página
inteira nos jornais de 29 de dezembro com uma propaganda sobre seus feitos nos
120 dias contados desde sua posse efetiva, em
31 de agosto, quando o Senado aprovou o impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff (PT).
Um site oficial também foi criado para divulgar a
propaganda na internet. A reportagem do UOL conferiu o material e
encontrou distorções nos dados econômicos apresentados pela gestão
peemedebista. Esta apuração é parte de uma iniciativa do UOL de
checagem de fatos (leia mais detalhes no final desta reportagem).
O anúncio fala em "quatro meses de trabalho
intenso" e inclui uma lista de 40 itens que o governo chama de
"algumas de muitas medidas que já se tornaram realidade".
Na relação,
aparecem ações, como a redução de ministérios e o reajuste do valor do Bolsa
Família, mas também tópicos genéricos como "moralização das nomeações nas
estatais" e situações que não dependem exclusivamente do governo, como a
variação da cotação do dólar.
Além disso, há iniciativas controversas e que geraram
críticas e contestações, como a imposição do limite de gastos públicos por 20
anos, a reforma do ensino médio e a reforma trabalhista, que ainda não passa de
uma proposta.
Confira abaixo o que o governo disse sobre dados econômicos
e contas públicas e os fatos que a reportagem do UOL apurou.
- Repatriação de capital: Medida que tornou possível trazer
para o país R$ 46 bilhões em impostos que foram aplicados para o
desenvolvimento do país e repassados para Estados e municípios
CERTO: O governo tem razão ao dizer que trouxe R$ 46
bilhões em impostos ao permitir a repatriação de capitais. O valor é o divulgado pela Receita Federal.
Aprovada por
Dilma, a lei da repatriação foi alterada pelo Congresso no governo Temer. Com a
mudança, foi reaberto o prazo para repatriação e regularização de recursos
enviados por brasileiros ao exterior.
- Reforma administrativa: já foram extintos 14.200 funções e
cargos comissionados
EXAGERADO: O governo Temer aprovou uma lei em outubro que converte 10.462 cargos
de direção e assessoramento superior, conhecidos como DAS, em funções
comissionadas do Poder Executivo. "Na medida em que forem extintos os
cargos", diz a norma, o Poder Executivo fica "autorizado a
substituí-los, na mesma proporção, por funções de confiança denominadas Funções
Comissionadas do Poder Executivo - FCPE, privativas de servidores efetivos".
Ou seja, a lei prevê a extinção de cargos, mas também a abertura de funções na
mesma quantidade.
Questionado pela reportagem, o próprio governo federal, em
sua resposta, tratou a medida como conversão, e não como extinção. "Houve
a conversão de 10.462 Cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) em
Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE), que só podem ser ocupadas por
servidores públicos concursados", afirmou em nota enviada ao UOL.
Em seu site, o Ministério do Planejamento informou, em 29 de
dezembro, que até então 7.734 DAS já haviam sido transformados em FCPE,
"cerca de 70% do estabelecido na lei". "O percentual restante
será transformado à medida que os órgãos e entidades do Executivo Federal
avaliarem novas oportunidades em suas estruturas", disse a pasta.
No mesmo texto, o Planejamento anunciou uma reforma
administrativa que prevê o corte de 4.689 cargos comissionados e funções de confiança,
mas com conclusão prevista para julho de 2017. Na resposta à reportagem, o
governo disse que estes 4.689 cargos e funções foram extintos.
- Recuperação das grandes empresas estatais
brasileiras e
valorização de suas ações, como
a Petrobras (114%), Eletrobras (237%),
Banco do
Brasil (98%)
EXAGERADO: O governo sobrevalorizou a alta das ações
das empresas. Entre 31 de agosto e 28 de dezembro de 2016, véspera da
divulgação da propaganda do governo Temer, houve de fato valorização de ações
de estatais, mas com uma variação muito menor que a divulgada.
Na Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo), a ação Petrobras
ON (PETR3.SA) passou de R$ 14,74 para R$ 16,98, uma elevação de 15,2%. A ação
Petrobras PN (PETR4.SA) valorizou-se 15%: de R$ 12,85 para R$ 14,78.
Os papéis Eletrobras ON (ELET3.SA) subiram pouco: somente
0,93%. As ações Eletrobras PNB (ELET6.SA) caíram 8,35%. No caso do Banco do
Brasil, houve alta nos papéis, mas de 19,3%.
Se o parâmetro for a Bolsa de Valores de Nova York (EUA), a
valorização dos papéis das estatais brasileiras comercializados por lá também
foi inferior à propagandeada pelo governo brasileiro.
A ação Petrobras DRC (PBR) subiu 13% entre 31 de agosto e 28
de dezembro de 2016, índice ligeiramente superior ao do outro papel da estatal
comercializado em Nova York, Petrobras ADR (PBRa), com alta de 12,9%.
Os papéis Eletrobras PNB (EBR) se mantiveram praticamente
estáveis (0,44%), e as ações Eletrobras ADR (EBRb) caíram 1,6%. As ações do
Banco do Brasil em Nova York (BDORY) se valorizaram 17,6%.
Em nota enviada à reportagem, o governo disse que "os
dados divulgados são resultados de medidas adotadas pelo governo federal"
e admitiu que usou o período de um ano, e não o de 120 dias, como referência.
"Empresas estatais como Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil se
valorizaram na atual gestão, o que contribuiu para que, no período de um ano, o
valor de mercado e as ações das empresas subissem substancialmente. Isso se
verificou com as novas gestões de empresas a partir das nomeações feitas pelo
novo governo e com as valorizações que o mercado fez a partir da possibilidade
de um novo governo."
- Saldo positivo de US$ 45 bilhões no comércio exterior até
a terceira semana de dezembro
ERRADO: A propaganda refere-se aos 120 dias de governo
efetivo, mas o valor citado pelo governo abrange o período de janeiro até a
terceira semana de dezembro.
De acordo com os dados oficiais do Ministério da Indústria,
Comércio Exterior e Serviços, no último quadrimestre do ano (setembro a
dezembro), período que abrange os quatro meses do governo definitivo de Temer, o saldo da balança comercial brasileira foi bem mais baixo,
de US$ 15,3 bilhões, um valor 20% inferior ao saldo de US$ 19,1 bilhões obtido
no segundo quadrimestre (maio a agosto).
Em resposta à reportagem, o governo afirmou que o saldo
citado na propaganda refere-se, de fato, ao ano todo de 2016, mas alegou que
"Michel Temer comandou o país desde 12 de maio", data em que Dilma
foi afastada temporariamente. "Portanto, [Temer governou] na maior parte
do período mencionado", acrescentou a nota.
- Diminuição do Risco Brasil ERRADO: Em 31 de agosto, quando Temer assumiu
efetivamente o governo, o Risco Brasil, medido pela agência J.P. Morgan, era de
309 pontos, de acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). No
fim de dezembro, ele atingiu os 325 pontos. Ou seja, estava mais alto.
- Queda do valor do dólar
ERRADO: A cotação do dólar passou de R$ 3,22 em 31 de
agosto para R$ 3,28 em 28 de dezembro. Portanto, o valor da moeda
norte-americana subiu no período de 120 dias.
A respeito dos dois pontos acima, o governo também alegou
que usou como referência o período de um ano. "O mercado reagiu
positivamente à nova gestão, demonstrando confiança nas medidas de austeridade
fiscal adotadas. Indicadores como o Risco Brasil e cotação do dólar são
voláteis, mas no ano a trajetória de queda do Risco Brasil e a cotação do dólar
coincidem com a evolução do processo de impeachment e efetivação do novo
governo", disse a assessoria de Temer.
"A credibilidade restaurada da moeda e da confiança no
país contribuíram para valorizar o real, a partir da percepção de maior
responsabilidade do governo federal no controle de contas e no ajuste fiscal.
Discurso que sempre foi associado ao novo presidente, desde o lançamento do
documento 'Uma Ponte para o Futuro'. A identificação com esses valores e a nova
equipe econômica alinhada com esses postulados foram fundamentais para esses
números", afirmou em nota.
- Renegociação das dívidas estaduais
EXAGERADO: O governo aprovou uma lei que trata das
dívidas estaduais, mas Temer
decidiu vetar mudanças feitas pela Câmara. Segundo o peemedebista, as
modificações aprovadas pelos deputados federais, que retiraram as contrapartidas
exigidas dos Estados, tornaram a medida "mais ou menos inútil". De
acordo com ele, o governo terá negociar com cada Estado para identificar quais
contrapartidas cada um poderá oferecer.
"Puro marketing"
Na avaliação do economista Paulo Feldmann, professor da
FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo),
"o governo não tem nada para comemorar". "Os números da economia
são muito ruins: 60 milhões de brasileiros e 4 milhões de empresas estão
inadimplentes. Isso nunca aconteceu no país."
Para Feldmann, o governo Temer ainda não combateu o que de
fato traria benefício para a economia e a população: o desemprego. "Não
fez até agora absolutamente nada, e o desemprego está aumentando."
O Brasil encerrou 2016 com cerca de 12 milhões de pessoas
desempregadas, segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) relativa ao período entre setembro e novembro. Por isso, o
economista define a lista de supostas realizações do governo Temer como
"puro marketing".
Ele critica especialmente o fato de o governo incluir a
suposta queda da cotação do dólar como feito, dizendo ser "uma enganação
criminosa". Para ele, o dólar deveria estar cotado, na verdade, num
patamar muito acima, na casa dos R$ 4,5, R$ 5. "O real está
sobrevalorizado", diz.
A valorização das ações de empresas estatais, relacionada
como reflexo positivo do novo governo, também é criticada pelo professor.
"É outra medida mentirosa. A valorização das ações não tem nenhuma
repercussão maior que ajuda a economia brasileira."
Soluções e riscos
O que poderia, então, favorecer efetivamente a retomada?
O professor cita duas formas de fazer: aumentar o consumo e
elevar o investimento. "Mas não aconteceu nenhuma das duas, porque não há
crédito."
Para Feldmann, a saída está em o governo obrigar empresas a
renegociarem dívidas de consumidores, alongando prazos dos débitos, e os bancos
voltarem, até de forma compulsória, a conceder mais empréstimos. "Essa é
uma medida que seria fundamental."
O economista defende uma intervenção rápida do governo,
porque o país, em sua visão, estaria na "iminência de ter uma quebradeira
geral". "E isso seria catastrófico."
Feldmann, entretanto, minimiza a culpa do governo Temer na
situação geral da economia e a debita na conta do governo da presidente Dilma
Rousseff, afastada definitivamente do cargo em 31 de agosto de 2016, no segundo
ano do seu segundo mandato.
"A principal responsável pela crise se chama Dilma.
Cometeu erros gravíssimos principalmente em 2014, quando, para ganhar a
eleição, concedeu desonerações fiscais a múltiplos setores."
O resultado, segundo ele, foi que a arrecadação
desabou, e o país registrou o primeiro deficit fiscal em mais de 20 anos,
sombra que se projeta até os dias de hoje.
UOL Confere
O UOL Confere é uma iniciativa de checagem de
fatos do UOL. A redação buscará esclarecer em detalhes anúncios de medidas
governamentais, discursos de autoridades e informações relevantes que
apresentem interpretações diversas ou casos em que haja dúvidas sobre a
veracidade de determinados fatos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário