Quarta-feira, 25 de janeiro de 2017
Por Joaquim Palhares, na Carta
Maior
O conflito com as ruas e com as urnas está inscrito na natureza constitutiva do
golpe em curso no Brasil, cuja fidelidade pertence aos detentores da riqueza,
não ao país, tampouco a sua gente.
A agenda de expropriação de direitos e alienação de
patrimônio público que define essa endogamia não pode ser submetida às urnas nas quais já foi derrotada em quatro eleições presidenciais sucessivas.
Menos
ainda à convivência política com aquele que personifica esse antagonismo na
alma e no coração do povo brasileiro: Luiz Inácio Lula da Silva, uma liderança
de carne e osso, com os limites da carne e do osso, mas ainda assim a maior
liderança popular da nossa história, porque levou mais longe o compromisso com
a igualdade social.
Pepe Mujica, em uma de suas viagens ao Brasil, carimbou no golpismo, então
ascendente, uma advertência lapidar: ‘Devemos desconfiar sempre dos que
pretendem corrigir o voto popular’.
Munidos de um power point colegial, e de uma retórica de
macarthismo imberbe, os proficientes promotores da Lava Jato se avocaram nesta
quarta-feira, mais uma vez, o papel execrado por Mujica.
Na condição caricata, acentuada pela retórica de polícia política, lançaram-se
ao derradeiro esforço de entregar a encomenda contratada desde o início à
Operação Lava Jato: impedir que a urna eletrônica de 2018 submeta mais uma vez
o nome de Lula ao escrutínio popular.
A derrubada da Presidenta Dilma foi o degrau anterior dessa buliçosa
empreitada, que está condenada a ir além de todos os limites constitucionais
Por uma razão bastante forte: o projeto golpista não é incompatível apenas com
uma disputa em terreno limpo contra Lula e contra o que ele representa.
Ele é alérgico ao contato direto com o povo e com a soberania, pelo simples
fato de que nasceu para ir contra a vontade do povo brasileiro.
O passo seguinte dessa escalada –não é temerário prever– conduzirá ao
enjaulamento do processo político, trazendo para o quórum seguro de uma escória
parlamentar, a eleição do sucessor de Temer, pelo voto indireto, protegido do
veredito da sociedade e blindado contra o clamor da rua.
Delações coagidas e culpas presumidas, amarrotadas em um power point
infantilizado, avultam dos labirintos jurídicos da Lava Jato, onde o desejável
combate à corrupção foi abastardado em alavanca partidária de execração
política para o banir lideranças e forças populares incompatíveis com o Brasil
das elites.
A destruição da maior liderança popular da história brasileira é um imperativo
da empreitada grosseiramente previsível.
Para cumpri-la empunha-se a lei do vale tudo.
O senhor Dallagnol condensou essa determinação omnívora –peculiar ao código de
uma comunidade legal que defende ‘provas’ obtidas por meios ilegais– em uma
sentença que permite interpretar como: ‘Não temos prova, temos a convicção’.
Qual ?
A de que Lula era o cérebro, o ‘comandante máximo’, o general de todo o suposto
esquema de corrupção na Petrobras –que começou antes de seu governo, mas isso
não vem ao caso, nem cabe nos esquematismos de um power point colegial.
Vem ao caso, porém, na defesa do Estado de Direito.
Quando o Ministério Público se propõe acusar tão gravemente um ex-presidente da
República de ser o “chefe máximo da corrupção no país” e o faz na fase
inaugural da persecução criminal, que na verdade não investigou e muito menos
denunciou tal conduta criminalmente condenável, portanto, sem possuir provas ou
indícios, o Estado de Direito grita.
E deveria ser ouvido.
Ao senhor Dallagnol cumpriria uma voz da Suprema Corte advertir que ‘convicção’
para condenar quem forma é o juiz. Tão somente o juiz.
Pelo menos no Estado de Direito em vigor no país é assim.
Não o era na OBAN, durante a ditadura. Não. Ali, nas salas de tortura, um
delegado, Sergio Paranhos Fleury, formava suas convicções. E as executava, como
sentenças inapeláveis, com as próprias mãos.
Hoje a imprensa coorporativa também possui convicções e as executa, com suas
próprias manchetes.
O senhor Dallagnol não é juiz; Sérgio Moro não é Sergio Fleury; a República de
Curitiba não é a OBAN.
Mas arvora-se, neste caso, o direito de condenar, repita-se, um ex-presidente
da República como ‘general supremo’ de um esquema de corrupção, no qual teria
auferido propinas no valor de R$ 3,7 milhões.
Apenas um dos supostos subalternos seus –pois todos o seriam na fábula
macartista dos promotores de power point— como lembra a jornalista Helena
Chagas, citando Pedro Barusco, pagou só de multas à Lava Jato, cerca de U$S 100
milhões de dólares.
Que ‘general’ é esse, cujo soldo é cem vezes inferior ao de um soldado?
Seria apenas ridículo, se não fosse um atentado à democracia.
A precariedade evidenciada no amadorismo de um power point é tamanha que o juiz
Moro, em nome da sua reputação, terá dificuldade em aceitar a denúncia ancorada
em retórica adjetiva, a dissimular a inexistência de provas efetivas,
principalmente porque esse fato não faz parte das investigações e da denúncia.
Mas Moro o fará, pela simples razão de que para isso se constituiu a Lava Jato.
Ademais, aceitação não é condenação.
A falta de provas de que o ex-Presidente seria o “general da corrupção”,
todavia, deveria constranger um guardião do Estado de Direito.
Ela avulta não apenas da convicção de Dallagnol. Mas sobretudo, do fato de não
se ter requerido a prisão de Lula.
Não faz sentido o Ministério Público Federal não pedir a prisão de um réu
tipificado como comandante máximo do exército de corruptos da nação. Não o fez
porque não tem provas e nem indícios, evidentemente porque essa parte da
descabida acusação sequer faz parte das investigações e da denúncia oferecida.
Além disso, parte das acusações que foram apresentadas no dia de ontem estão na
competência da Suprema Corte.
Se o nome disso tudo não é golpe será preciso inventar um outro mais forte para
designá-lo.
Quem sabe: GOLPE !
O conjunto acentua as tintas da crise estrutural vivida pela sociedade
brasileira em que ao esgotamento do modelo econômico se junta a falência de seu
sistema político que contaminou a isenção do judiciário, arrebatado agora por
centuriões que se avocam a tarefa de ‘corrigir o voto popular’.
Nenhum simplismo de power point resolverá essa encruzilhada, diante da qual se
joga o destino brasileiro no século XXI.
A crise em curso requer uma repactuação democrática da sociedade e do seu o
desenvolvimento, razão pela qual não encontra remédio no passado — e tampouco
no anacronismo violento de um presente espremido na restauração neoliberal que
se pretende impor à nação.
Para impedir que o Brasil escorra no ralo conservador é inadiável acelerar a
construção de uma frente ampla, assentada em forças populares e democráticas,
que se ofereça às ruas e às urnas como uma alternativa crível ao ajuste baseado
na liquefação da renda assalariada, na sonegação do futuro à juventude, no
atropelo da Constituição e do Estado de Direito
É o que já previa nos albores do golpe a professora Maria da Conceição Tavares,
em entrevista premonitória à Carta Maior, que convidamos à leitura atenta nesta
edição (‘Com Cunha ou sem Cunha, com eles o Brasil vai para o ralo’).
Com ela, Carta Maior reafirma seu compromisso de se constituir na caixa de
ressonância da recusa à naturalização do golpe e do arrocho ecoados pelo
aparato midiático dominante.
Para exercer esse papel, a mídia independente só conta hoje com um aliado: seus
leitores e leitoras.
Exortamos os democratas e progressistas a se tornarem parceiros dessa
trincheira, através da qual é possível acrescentar a palavra que falta no power
point do senhor Dallagnol: farsa!
Confira também, Dilma é ovacionada ao denunciar golpe
na Espanha
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