A Suíça dá adeus a 80 anos de sigilo bancário
EL PAÍS Rodrigo
Carrizo Couto7 horas atrás 23/01/2017
A. Wiegmann Fachada da sede do banco suíço UBS em
Zurique.
Desde 1 de janeiro os bancos suíços começaram a recompilar
informações sobre as contas de seus clientes estrangeiros para começar a lançar
alguma luz sobre um sistema bancário opaco, que se movimenta há quase oitenta
anos em uma densa névoa que permitiu ocultar
grandes patrimônios do fisco dos países do restante do mundo.
MAIS INFORMAÇÕES
A Suíça concordou em 2014 em se unir ao processo de troca automática de informações financeiras
e fiscais promovido pela OCDE.
Um protocolo que entra em vigor este ano e que a
obrigará a partir de 2018 a intercambiar os dados bancários com uma centena de
países signatários.
Um passo que acabará com o lendário sigilo bancário suíço.
Terminará, assim, um sistema que permitiu ao país helvético monopolizar 25% do
patrimônio estrangeiro nas arcas de alguns de seus mais de 250 bancos de
Genebra e Berna.
Com este procedimento ficarão para trás oitenta anos de
opacidade, de um sistema que permitia a evasão
fiscal e garantia a segurança e o anonimato para milionários e
poderosos do mundo todo.
A Suíça começou a se tornar um paraíso fiscal em
meados dos anos 20 do século passado, quando a França estabeleceu um imposto
sobre a renda de até 75% para combater os efeitos da Grande Recessão.
Ao mesmo
tempo houve uma fuga de capitais da Alemanha para evitar o pagamento das
reparações da Primeira Guerra Mundial, segundo relata Nicholas Shaxson em um
formidável livro sobre os paraísos fiscais, Tresure Islands (as ilhas
do tesouro).
Poucos anos depois, as autoridades suíças aprovaram, em 1934, a
Lei dos Bancos, que regulava o sigilo bancário e punia sua violação.
Entre 1920
e 1938, o patrimônio estrangeiro depositado nos bancos se multiplicou por dez,
segundo conta Gabriel Zucman em A Riqueza Oculta das Nações.
Hoje o setor financeiro suíço é dos mais prósperos do mundo.
Suas instituições estenderam seus tentáculos por todo o planeta. E estão
preparadas para a transição para a transparência fiscal.
Mas o acordo promovido
pela OCDE permite algumas condições. A entrega dos dados será confidencial e
somente podem ser usados para efeitos fiscais.
Até agora, a Suíça só
compartilhava informações sobre contras se fossem solicitadas por países com os
quais tivesse firmado convênios de dupla imposição, mas nem sequer nesses casos
a cooperação era fácil e fluida.
Juízes e inspetores da Fazenda na Espanha se
queixam dos entraves burocráticos que encontram quando pedem à Suíça
informações sobre as contas de espanhóis.
O ex-presidente da Câmara dos Deputados do Brasil Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), por exemplo, operava contas secretas na Suíça para, de acordo com o
Ministério Público Federal, ocultar dinheiro de propina. Ele está preso
preventivamente por ser envolvimento na Operação Lava Jato.
MUDANÇAS PARA OS EMPREGADOS
As consequências da nova situação que os bancos suíços vivem
são palpáveis. Lukas Hässig, especialista em informações econômicas e autor do
popular blog Inside Paradeplatz, comenta: “O fim do sigilo bancário vai
ser muito duro para a Suíça e as pessoas que trabalham no setor.
Para
sobreviver, nossos bancos precisam oferecer melhores serviços ao cliente: mais
rentabilidade e melhor orientação. O grande problema é que os bancos suíços não
parecem ter melhor estratégia que a de deslocar todos os setores não essenciais
do negócio a países com menor custo salarial”.
O maior gasto dos bancos é a soma se salários e serviços
informáticos, que pode chegar a até 80%. “O caro é o pessoal”, sentencia o
blogueiro.
“Por isso, tentam reduzir a massa salarial levando serviços para
fora e contratando recém-formados. Por exemplo, o UBS está se instalando em
Frankfurt.” E acrescenta: “A renda média na Suíça é de cerca de 8.000 euros
mensais.
Para um suíço ir trabalhar na Alemanha com um salário pior será
difícil. E como em todos os setores, os maiores de 50 anos são os grandes
perdedores deste jogo”, conclui Hässig.
Os grandes bancos suíços fizeram o impossível para evitar o
mal. Quais são suas estratégias para que o negócio siga em frente? Myret Zaki é
autora de vários livros sobre os bancos suíços e as finanças opacas.
Esta
economista, diretora da revista econômica Bilan, explica a EL PAÍS
que “o mercado de private banking (reservado para clientes com
grandes patrimônios) já se desloca para zonas de jurisdição anglo-saxã”.
E
especifica: “A saber: Londres, o Caribe, Hong Kong e Cingapura. Entornos onde
impera o direito anglo-saxão. O setor precisa de privacidade e estrita
confidencialidade, que a praça financeira suíça já não pode prover”.
Um recente estudo da consultoria internacional Boston
Consulting Group mostra que o patrimônio transferido para territórios offshore –Ilhas Virgens, Hong Kong e
Cingapura, principalmente– alcançava, no final de 2015, 10 trilhões de dólares
(32 trilhões de reais).
“A Suíça continua sendo o maior destino para a riqueza offshore –em
refúgios fiscais– em 2015, mantendo quase um quarto de todos estes ativos no
mundo”, afirma a consultora, que explica como os bancos suíços têm filiais
nesses territórios.
Segundo Saki, o motivo fundamental para esta estratégia
reside em que o marco jurídico anglo-saxão garante tal privacidade, graças a
estruturas como os trusts. “São ferramentas que a Suíça pode manejar
perfeitamente, embora não em seu território nacional nas circunstâncias
atuais”, diz.
“Pode afirmar-se que o private banking deixou de
existir na Suíça tal como o conhecíamos e que se acabaram as contas numeradas
secretas, especialmente para os cidadãos de países da UE, como a Espanha.
Agora, os grandes bancos se voltaram para o asset management, a gestão
patrimonial, sobretudo em nível institucional. Por exemplo, fundos de pensões
que precisam preservar sua rentabilidade.”
Na realidade, a Suíça mantém importantes forças, como a
robustez do franco suíço, que serve de moeda de refúgio. “Sem dúvida, o franco
suíço se transformou em um investimento muito interessante”, afirma Saki,
economista de origem egípcia.
Calcula-se que neste momento na Suíça haja ativos
privados estrangeiros no valor de uns 850 bilhões de euros (2,9 trilhões de
reais), a metade do que havia antes da guerra fiscal que antepôs a Suíça aos
EUA desde 2009.
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