Dilma Rouseff convoca a nação à luta contra regime golpista
e por Diretas Já
15/01/2017
Em artigo publicado neste sábado (14), em Carta Capital, a
presidenta legítima do Brasil, afastada do poder pelo golpe parlamentar,
judicial e midiático no ano passado, denuncia o governo golpista, e defende que
a convocação de eleições diretas é o único meio de repor o Brasil no caminho da
democracia e da retomada do desenvolvimento econômico-social.
Leia a íntegra.
O Brasil caminha para um futuro incerto, a depender do
governo ilegítimo, que tem mostrado sua verdadeira face, frustrando as
esperanças da sociedade. A solução passa por eleições diretas para presidente,
substituindo o governo ilegítimo. Essa é a condição imprescindível para o país
sair da crise e retomar o rumo da democracia, do crescimento e da geração de
empregos.
Por Dilma Rousseff*, em Carta
Capital
Passaram-se apenas seis meses desde que o golpe parlamentar
interrompeu o meu mandato, consagrado por 54,5 milhões de votos. Tramaram um
golpe que contou com o apoio de oposicionistas, traidores e parte da mídia e
lançou o país em um período de incertezas e retrocessos.
Violentaram a Constituição de 1988, por meio de um golpe
parlamentar que fragilizou as instituições e precipitou o Brasil no abismo da
crise institucional.
Tudo é possível quando um mandato presidencial é
desrespeitado. O impeachment sem crime de responsabilidade escancara as portas
para o avanço da crise política e institucional.
Daí os conflitos institucionais que se aprofundam e o choque
entre Legislativo e Judiciário. As relações de harmonia e equilíbrio entre os
Poderes, exigidas pela Constituição, estão comprometidas.
Em apenas 90 dias, muito do que alertei ao longo do processo
de impeachment tornou-se real. As contradições se acentuaram e conturbaram o
cenário político, econômico e social. As ações para estancar a “sangria” da
Operação Lava Jato têm se mostrado ineficazes. Movimentos sociais, estudantes,
professores e cidadãos sofrem com a repressão às suas manifestações.
Assistimos, estarrecidos, ocupações de escolas e
universidades por jovens em defesa de seu futuro serem coibidas com violência,
enquanto manifestantes que invadem o Congresso, pregando a volta da ditadura,
são tratados com complacência. Os sinais de deterioração dos direitos sociais
estão evidentes.
Reconheço, ainda assim, que nenhum de meus mais pessimistas
prognósticos previa o escândalo gerado pelo episódio do apartamento de luxo em
área histórica de Salvador. E que isso merecesse do ocupante da Presidência da
República mais atenção do que os problemas reais do nosso povo, como o
desemprego crescente ou a paralisação das obras de integração do São Francisco,
para citar apenas dois exemplos.
A democracia tem sido corroída pelo Estado de exceção. A
interrupção ilegal do mandato de uma presidenta é o mais destruidor dos
elementos desse processo, pois contamina as demais instituições.
Daí a distorção dos fatos por setores da mídia oligopolista,
ou a decisão do Tribunal Federal da 4ª Região que autorizou medidas
excepcionais, como a suspensão da lei e da Constituição em nome do caráter
excepcional da Lava Jato.
Outro sinal é a perseguição implacável ao presidente Lula,
submetido à “justiça do inimigo”, na qual a regra é destroçar a vítima.
Nesse cardápio, a PEC 55 destaca-se ao ensejar,
simultaneamente, o avanço do Estado de exceção e o retorno do neoliberalismo.
Com um só golpe retira a população do Orçamento, reduzindo os gastos com saúde
e educação.
Ao mesmo tempo, pelos próximos 20 anos, afasta de todos nós
o direito de escolher por meio do voto direto para “quem, como e onde” serão
utilizados os recursos do orçamento. Flagrantemente inconstitucional, a PEC
viabiliza o retorno do neoliberalismo, do Estado mínimo, feito por poucos e
para poucos.
A reforma da Previdência proposta pelo governo ilegítimo
exige a idade mínima de 65 anos e 49 anos de tempo de serviço. Obriga jovens de
16 anos a largarem os estudos para trabalhar, a fim de ter o direito à
aposentadoria integral.
O objetivo é claro. Dar continuidade ao processo de desmonte
do Estado, iniciado por FHC e interrompido nos governos do PT. Busca-se
desmantelar o sistema de proteção social, iniciado com Getúlio Vargas,
atualizado na Constituição de 1988 e aprofundado no meu governo e no de Lula.
Irão se esforçar para desregulamentar a economia e reduzir
impostos sobre os muito ricos e privatizar as empresas do Estado. Além de
revirar o mercado de trabalho, “flexibilizando” os direitos dos trabalhadores e
tornando a aposentadoria privilégio de poucos.
Tais propostas voltam à ordem do dia, depois de derrotadas
nas últimas quatro eleições presidenciais. Por isso, o impeachment. O programa neoliberal
do PSDB, rejeitado no voto pela população, necessita que se suspenda a
democracia para ser executado.
O neoliberalismo pelo governo Temer, cujo receituário é
brandido pelos meios de comunicação e líderes da oposição tucana como solução
para o país, resultará em mais desigualdade. Tal modelo não tem como conviver
com a plenitude do Estado democrático de direito.
Em A Doutrina do Choque, Naomi Klein mostra que os
teóricos e políticos adeptos do neoliberalismo advogam o uso das crises para
impor medidas impopulares justamente quando os cidadãos estão impactados por
outros eventos.
Em nosso caso, a crise econômica e o impeachment foram a
oportunidade para a retomada do receituário neoliberal. Múltiplos agentes
políticos e empresariais se associaram para revitalizar um modelo que dá sinais
de esgotamento e profundas contradições em países da Europa e nos Estados
Unidos.
Chama atenção a sofreguidão dos militantes empresariais
encarnados no “pato amarelo”. Defendem que o único caminho diante do conflito distributivo,
acirrado pela crise, é o corte dos gastos sociais, jogando o ônus da crise
econômica exclusivamente nas costas dos trabalhadores e da classe média.
Afastam a possibilidade de aumento de impostos num país que
tributa, sobretudo, ganhos de salário. Tal debate está interditado. Aí não
importa se a consequência é a queda ainda maior da demanda e mais crise ao se
derrubar o investimento público e o consumo, num quadro de anomia do
investimento privado.
Defendo que ajustes precisavam ser feitos. Ajustes
equilibrados, para melhorar a qualidade dos gastos e reduzir as despesas. O
limite da redução das despesas foi, porém, atingido.
Há necessidade urgente de reformas, não para retirar
direitos, mas, como a tributária, para ampliar a arrecadação e alterar o
caráter regressivo do nosso sistema de impostos. Não podemos continuar a ser
dos poucos países do mundo, em companhia da Estônia, a não tributar dividendos
ou taxar ganhos de capital.
Ainda há quem queira acreditar no milagre do corte de
gastos. Disseminou-se a ideia de que o golpe, travestido de impeachment,
rapidamente reverteria a crise e, a partir daí, bastaria cortar gastos. Ora, a
crise fiscal nunca se deveu a uma ampliação dos gastos.
O Brasil enfrenta um
problema fiscal que tem a ver com a desaceleração econômica, responsável pela
queda vertiginosa das receitas.
É necessário reconhecer que desonerações efetuadas ao longo
do meu governo, tanto aquelas sobre a folha de pagamentos quanto as que
incidiram sobre setores produtivos, reduziram as receitas. Os resultados foram
apropriados pelas empresas na forma de aumento da margem de lucro.
Tais desonerações também não produziram, na maioria dos
setores, aumento da capacidade produtiva e, consequentemente, da arrecadação
futura, impondo ônus excessivo à gestão fiscal do Estado. Por isso é necessária
a revisão de tais desonerações.
Mesmo assim, o país vai precisar de medidas que se
contraponham à crise. Durante meu governo foram criminalizadas todas as medidas
fiscais contracíclicas. A PEC 55, pró-cíclica, vai eliminar agora todo e
qualquer espaço para a política fiscal, além de enrijecer a política monetária.
Lá atrás, as manobras dos golpistas foram bem-sucedidas.
Vetaram, ao longo do meu governo, todas as iniciativas para se reverter a
crise, instituindo a política do “quanto pior melhor” e as “pautas-bomba”.
Pior. Mobilizaram parte da população contra seus próprios interesses, cerceando
a ampliação de oportunidades e de direitos.
Em várias ocasiões, declarei que o golpe contra meu mandato
era um golpe contra a democracia, contra o povo brasileiro e contra a nossa
Nação. Apesar dos meus críticos, promovemos um inédito processo de redução da
desigualdade nos últimos 13 anos.
Foram as políticas de transferência de renda, de valorização
do salário mínimo, de ampliação do acesso a serviços públicos e do incremento
do investimento público que transformaram o Brasil e nos tiraram do mapa da
fome.
Inédito, esse processo não garantiu uma efetiva
transformação estrutural de nossa histórica concentração de riqueza. E foi
insuficiente, pois acabamos impedidos de avançar na redistribuição da riqueza,
na tributação dos mais ricos com impostos progressivos, tema interditado no
País.
A PEC 55 vai impedir que o povo se beneficie do crescimento
pelos próximos 20 anos com base no argumento da austeridade. Ao estabelecer que
os gastos públicos terão crescimento real zero, a PEC terá efeito
contracionista, puxando o crescimento do PIB para baixo.
O mais trágico é que resultará na redução per capita dos
gastos sociais federais. Como trata apenas de gastos primários, a proposta não
contém uma só medida voltada às despesas financeiras, como os juros da dívida
pública.
Arbitrando de forma autoritária o conflito distributivo em
torno da alocação do orçamento, a PEC é contra a maioria da população. Retira
dos cidadãos o direito de, a cada eleição, escolher o programa de governo
expresso no orçamento e, com isso, os caminhos para o desenvolvimento. É hoje
um dos pilares do Estado de exceção implantado no Brasil.
Renascido como fênix depois de quase 13 anos, o
neoliberalismo do consórcio Temer-PSDB é coerente com o fato de nossas grandes
empresas produtivas terem se tornado financistas. Que acreditem e defendam o
ideário neoliberal não surpreende.
Mas que se somem na defesa de uma proposta que diminui o
crescimento econômico e promove a retração do mercado consumidor só se entende
diante da elevada rentabilidade obtida com o giro financeiro. Sem dúvida, um
dos maiores desafios ao desenvolvimento no Brasil tem sido a contaminação dos
setores produtivos pelo giro da dívida pública.
A importância que o resultado financeiro assumiu para o
desempenho de nossas grandes empresas, inclusive secundarizando eventuais
limitações de competitividade, explica o desinteresse com que o setor produtivo
tratou a queda dos juros em 2012 e 2013. Serve também para entender o
engajamento desses segmentos a favor do golpe, atraídos, entre outras questões,
pela perspectiva de reformas e medidas fiscais.
A interrupção da normalidade democrática e o caminhar rumo
ao Estado de exceção são as bases jurídicas para a retomada do neoliberalismo.
Não são as bases para “ordem, progresso e retomada do crescimento”, como
prometeram antes do golpe. É o contrário. Ainda que setores da mídia mostrem
com parcimônia os dados sobre a situação, o aprofundamento da crise está
explícito.
A realidade sempre se impõe. Está cada vez mais evidente que
os golpistas acreditaram no que propagandeavam e subestimaram os fatores que
levaram à crise econômica: o fim do superciclo das commodities, a desaceleração
da China, o fraco crescimento dos países desenvolvidos, o fim da política de
expansão monetária dos Estados Unidos e a queda de arrecadação.
Minimizaram, sobretudo, as graves e nefastas consequências
econômicas da crise política por eles criada. Tais fatores não se alteraram com
a conclusão do impeachment. A “sangria“ continua e passa a ataque mortal. A
crise agravou-se com a ilegitimidade, os escândalos de corrupção e as falsas
profecias.
Agravou-se tão rápida e profundamente que a instabilidade
gerada no atual governo e entre as instituições permite antever a possibilidade
do golpe dentro do golpe: a eleição indireta para presidente, que não produzirá
estabilidade ou segurança institucional.
Afasta a esperança e se revela mais um ataque à democracia,
incapaz de conduzir à recuperação econômica.
A intolerância e o ressentimento diante da falta de sintonia
entre as expectativas do povo e as entregas do governo minam a legitimidade da
democracia. Para a população, primeiro vem a perda de poder, pelo desrespeito
aos resultados legítimos da eleição.
Depois, a cassação de direitos, por meio de reformas que
promovem retrocessos e exclusão. Quando as teses econômicas dominantes impedem
a priorização de investimentos sociais, os governos deixam de responder às
necessidades dos eleitores.
A política torna-se irrelevante para a vida dos cidadãos.
Daí o risco da anti-política virulenta, em que argumentos são substituídos por
slogans e sensacionalismo. Por isso, se o golpe destruiu o presente do Brasil,
cabe a nós lutarmos pelo futuro.
A saída não é a marcha da insensatez golpista, mas a
participação popular. Está na convocação imediata de novas eleições para
presidente, como propus anteriormente. Junte-se às diretas, é hora da reforma
política, proposta por mim em 2013.
Não há como sair da crise sem redefinir o sistema político,
carcomido por práticas fisiológicas e corruptas, combalido pela fragmentação de
partidos e pela lógica do imediatismo que não leva em conta os interesses do
país.
Esse é o caminho para conter o retrocesso e garantir que a
vontade do povo prevaleça quando se define o nosso destino.
Reitero: o momento
é grave, mas ainda há tempo de salvar a nossa jovem democracia e promover a
retomada da economia. A palavra é legitimidade. Um banho de legitimidade para
lavar a alma do Brasil.
Para isso, Diretas, Já!
Dilma Rousseff
Fonte : http://www.resistencia.cc/
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