Se arrependeu? Dallagnol diz que Dilma tinha boas propostas
contra corrupção em coletiva
O desafio feito pela Câmara ao Judiciário e à Operação Lava Jato na madrugada
desta quarta-feira 30, ao aprovar no pacote anticorrupção uma emenda que
estabelece crime de responsabilidade para juízes e
integrantes do Ministério Público, recebeu na tarde desta quarta a resposta da
força-tarefa que investiga os crimes na Petrobras e outros órgãos públicos.
Em
entrevista coletiva, os procuradores da Lava Jato ameaçaram abandonar a
operação caso o texto seja sancionado por Michel Temer.
“A nossa proposta é de renunciar coletivamente caso essa
proposta venha a ser sancionada pelo presidente”, afirmou Carlos Fernando dos
Santos Lima, um dos procuradores da Lava Jato.
Lima criticou o texto da emenda, afirmando que ele
responsabiliza pessoalmente os promotores, procuradores e magistrados e em
termos genéricos.
“Eles aproveitaram um projeto de combate à corrupção para se
proteger e fizeram isso porque estamos investigando, descobrindo os fatos e
iríamos chegar muito mais longe do que chegamos até o momento”, afirmou.
O texto-base aprovado pelos deputados teve origem na
Comissão Especial montada para analisar o projeto de iniciativa popular surgido
a partir da campanha Dez Medidas contra a Corrupção do Ministério
Público Federal (MPF).
Medidas propostas pelo MPF consideradas autoritárias, como a
legalização de provas ilícitas e restrições ao habeas corpus, foram retiradas
do texto, mas os deputados manobraram para incluir no pacote medidas para se
livrar de acusações, como a anistia ao caixa dois, e para rebater o ímpeto de
procuradores e magistrados.
A anistia ao caixa dois acabou não sendo analisada,
mas a emenda do crime de responsabilidade foi aprovada, por 313 votos a 132, durante a madrugada.
“Rasgou-se o texto das 10 medidas”, afirmou Deltan Dallagnol, o chefe da força-tarefa. “O
parlamento é soberano, mas nós, depois de todo esse processo, saímos sem
solução para acabar com as brechas que permitem a corrupção”, afirmou o
procurador.
Dallagnol, cujas investigações ajudaram a formar o caldo que
culminou com o impeachment de Dilma Rousseff, lembrou que o governo da petista
apresentou propostas anticorrupção melhores que as aprovadas pelo
Congresso.
“Até o governo Dilma avançou propostas contra a corrupção muito
melhores que as que foram aprovadas”, disse.
Para o procurador, a aprovação do crime de responsabilidade
tem o dedo do governo Michel Temer. “O que aconteceu ontem não é expressão
de pessoas específica, e sim da articulação de líderes dos partidos e do
governo”, afirma Deltan Dallagnol.
Na entrevista coletiva, Dallagnol voltou a usar o termo
“estancar a sangria” para designar a pressão contra a Lava Jato. Trata-se do
termo usado pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PDMB-RR), para avançar o impeachment de Dilma. “O objetivo é
estancar a sangria”, disse Dallagnol. O avanço de propostas como a ‘lei da
intimidação’ instaura uma ditadura da corrupção.”
Na votação da emenda, evidenciou-se a divisão entre PMDB,
partido de Temer, e o PSDB, que integra a base aliada do governo. Na bancada
tucana, 32 dos 42 deputados presentes no plenário votaram contra a proposta de
punir juízes e procuradores. Entre os 56 peemedebistas, apenas 9 parlamentares
se opuseram à medida.
No MP e no Judiciário, indignação
Não foram apenas os integrantes da força-tarefa que
manifestaram indignação com a emenda aprovada pelo Congresso. Rodrigo Janot, o procurado-geral da República,
chefe do Ministério Público, emitiu dura nota criticando a votação.
“As 10 medidas contra a corrupção não existem mais.
O
Ministério Público brasileiro não apoia o texto que restou, uma pálida sombra
das propostas que nos aproximariam de boas práticas mundiais. O Ministério
Público seguirá sua trajetória de serviço ao povo brasileiro, na perspectiva de
luta contra o desvio de dinheiro público e o roubo das esperanças de um país
melhor para todos nós”, disse.
Na manifestação, Janot afirmou ainda que as alterações são
“medidas claramente retaliatórias” e pediu apoio da sociedade para que o
projeto não seja concretizado no Senado, para onde segue para votação
posterior.
“Um sumário honesto da votação das 10 Medidas, na Câmara dos
Deputados, deverá registrar que o que havia de melhor no projeto foi excluído e
medidas claramente retaliatórias foram incluídas. Cabe esclarecer que a emenda
aprovada, na verdade, objetiva intimidar e enfraquecer Ministério Público e
Judiciário”.
Mais cedo, a presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministra Cármen Lúcia, divulgou uma nota em que também lamentou a
aprovação do crime de abuso de autoridade para juízes e procuradores.
Na nota,
Cármen Lúcia “reafirma seu integral respeito ao princípio da separação dos
poderes. Mas não pode deixar de lamentar que, em oportunidade de avanço
legislativo para a defesa da ética pública, inclua-se, em proposta legislativa
de iniciativa popular, texto que pode contrariar a independência do Poder
Judiciário”.
Em nota, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho
(ANPT) repudiou a inclusão no pacote anticorrupção de emendas “que têm como
objetivo central a retaliação, a intimidação e o enfraquecimento do Ministério
Público e do Poder Judiciário”.
Segundo a ANPT, criminalizar a regular atuação de membros do
Ministério Público e de magistrados importa apenas “àqueles cujos interesses
inconfessáveis se sobrepõem ao incansável trabalho de defesa dos direitos
sociais e do patrimônio público desempenhado pelos agentes públicos em
testilha”.
O Movimento do Ministério Público Democrático também
declarou repulsa à desconfiguração do pacote anticorrupção. “Da proposta
original, subscrita por mais de dois milhões de cidadãos, quase nada resta, foi
transformada num passe livre para corruptos, que não serão mais punidos e
sequer terão de devolver o dinheiro subtraído dos cofres públicos. É
estarrecedor!”
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