Hoje às 00h31 20/11/2016
Analistas acreditam que as jornadas de 2013 devem ganhar
versão ainda mais inflamada em 2017
Jornal do
BrasilRebeca Letieri *
Protesto em frente a Alerj termina em confronto
Ninguém nega uma crise de representatividade política como
um fenômeno mundial. A dúvida quanto à legitimidade dos partidos, enquanto
agentes de representação de interesses, traz à tona a falta de correspondência
das demandas da sociedade.
A crise econômica e crescente descrédito dos
cidadãos para com suas instituições representativas inflamaram os ânimos do
brasileiro, que se vê vítima de um processo de deterioração do serviço público,
e ainda é obrigado a pagar a conta. O resultado desta fórmula explosiva,
segundo especialistas, pode ser a volta às ruas dos grandes protestos, como
aconteceu em 2013.
Mas com o agravante de que, agora, o desemprego e os
escândalos políticos incendeiam ainda mais a população.
Essa crise, que não é apenas econômica, pode ser demonstrada
pelo aumento no número de eleitores que se abstiveram nas eleições municipais
de 2014 e a emergência de formas alternativas de ativismo político, puxado,
muitas vezes, pela violência.
Segundo dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
a taxa de abstenção é crescente desde 2008, quando 14,6% dos eleitores não
compareçam à votação. No pleito deste ano, o índice chegou a 17,6%. Este
cenário de descrédito questiona o sistema democrático e deixa dúvidas sobre o
futuro da política nacional.
"A sociedade quando entra num colapso de
representatividade, como acontece em várias democracias do mundo; a espiral do
silêncio, dos que pensam e não falam, vem à toa em momentos exacerbados. No fim
das contas, a baixa participação nas urnas também não é uma surpresa, e é até
aceitável num momento de crise de representatividade", disse o professor
doutor em comunicação política, da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
Roberto Gondo Macedo.
Com o aumento crescente da insatisfação popular com a classe
política, o lema “Sem partido” que se propagou pelo país nas manifestações de
junho de 2013, resultou numa guinada conservadora, com a proliferação de discursos
cada vez mais radicais. Neste sentido, o atual clima de despolitização se torna
altamente nocivo e preocupante.
"Acredito que 2017 pode ser um retorno de 2013, com o
agravante das prisões, que ao mesmo tempo tranquiliza grupos e estimulam
outros. Essa insatisfação dá brecha para discursos de mudanças radicais.
No
Brasil o exemplo é o caso do [deputado federal Jair] Bolsonaro.
Mas não
acredito numa vitória do radicalismo no Brasil. Você tem outros nomes em
território nacional que não são tão ruins, trazendo uma ideia de renovação. A
última fase de descrédito é de não acreditar nem na justiça, e esse ainda não é
o caso do nosso país", completou Roberto.
Cristiano Noronha é cientista político, mora no Distrito
Federal, em Brasília, e traça o mesmo paralelo com 2013, com o agravante, que
segundo ele, o que a população insatisfeita tinha naquela época, ela não tem
mais.
"Naquela época, a gente tinha uma situação de baixo
índice de desemprego, com acesso a produtos e serviços que antes eles não
tinham, mas mesmo assim estavam insatisfeitos com a qualidade do que estava
sendo ofertado. Hoje, esse cenário de economia forte não existe mais. As
pessoas perderam aquilo que tinham, e passaram a viver uma situação bastante
difícil", disse.
Rio de Janeiro
As prisões deflagradas pela Operação Lava Jato, neste mesmo
cenário, trazem uma carga simbólica para a crise e apontam um novo paradigma
político, segundo os especialistas.
"O ano de 2017 vai ser terrível, porque o simbolismo de
corrupção se pragmatiza. Agora você vai, efetivamente, prender as pessoas.
Isso, para o sistema democrático, pode ser positivo, pois você começa a ver
pessoas, que até então eram acima da lei, sendo punidas. Estou mais preocupado
com o processo econômico", pontuou Roberto.
"É uma situação muito especial de crise de
representação que mostra a deterioração e fragilidade do sistema",
acrescentou Cristiano.
Nesta quarta-feira (16), o ex-governador Anthony Garotinho
foi preso pela Polícia Federal através da Operação Chequinho, que apura fraudes
no programa Cheque Cidadão. Em menos de 24 horas foi a vez do ex-governador
Sergio Cabral, através da Operação Calicute, suspeito de receber propina para a
concessão de obras públicas.
Ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral está preso
em
Bangu 8
"Algumas prisões já vêm sendo arrastadas em processos
de investigação há anos. Elas não são nenhuma surpresa. Não dá para enxergar o
Brasil só em 2016, tem que enxergar há pelo menos três anos. Se fosse,
realmente, para esperar o momento certo, não seria agora, em meia à crise
econômica dos estados", comentou o professor do Mackenzie.
"A operação Lava Jato expôs que a classe política
estava, na verdade, atuando muito em beneficio próprio nos últimos anos,
tentando tirar proveito em sistemas de corrupção através desses contratos em
atividades econômicas.
Hoje essa população, além de perder o emprego, tem que
pagar uma conta que não foi criada por ela", disse o cientista político
Cristiano Noronha.
Para ele, o descontentamento do carioca, exemplificado pelas
recentes manifestações violentas que ocorreram no Centro da capital, é uma
conseqüência de um estado falido, que com o processo concomitante das prisões
dos ex-governadores acaba por inflamar os ânimos da população.
"A percepção de falta de ordem é tão grande que um
grupo de pessoas começa a pensar ‘democracia pra que se a classe política é
toda a mesma?’. A exemplo do que a gente viu de movimentos pedindo a intervenção
militar, eles entendem, ou pelo menos acham, que num regime militar a ordem
seria restabelecida. Se esquecem de olhar o outro lado que é obscuro",
disse.
Após os Jogos Olímpicos, a cidade e o Estado colocaram para
fora a ferida de uma profunda crise financeira. O preço do petróleo despencou,
a crise nacional e as investigações anti-corrupção estão paralisando os
investimentos, e a euforia dá lugar a depressão.
A taxa de desemprego subiu de
3,5% em 2014 para 6,7% hoje, quase o dobro da média nacional.
"O que está acontecendo no Rio é didático. A prova de
que alguém tem que pagar [as contas dos gastos descontrolados e da segurança
social]", disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles,
recentemente.
O “alguém” que vai pagar as contas são justamente os
servidores públicos que entraram em confronto com mais de 500 policiais da
Força Nacional durante a análise na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) do
pacote econômico proposto pelo governo do Rio.
O governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) desenvolveu um
pacote de ajustes que causaram uma onda de protestos dos funcionários públicos.
O "pacote de maldades", como foi apelidado por seus oponentes, prevê
o aumento de impostos e a extinção de programas sociais, tais como aluguel
social.
"As pessoas estão inflamadas. Socialmente, a
consequência é partir para violência. Pezão é apadrinhado do Cabral que foi
preso. Com a crise do estado, começa o questionamento de quando ela teve
início, e o Pezão é a bola da vez. A tendência é que esses movimentos aumentem",
destacou o professor Roberto Gondo Macedo.
"As prisões podem ajudar a inflamar as manifestações,
porque a população identifica o culpado. E essa raiva é perigosa,
especialmente, se não forem adotadas medidas rápidas e eficientes para
contornar o problema.
O governo insistir em medidas impopulares, sem procurar
caminhos alternativos, não vai amenizar a situação.
As medidas mais fortes
penalizam a sociedade.
Tem que haver corte na própria carne", finalizou
Cristiano Noronha.
* do projeto de estágio do JB
FONTE: http://www.jb.com.br/
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