MUITA CONVICÇÃO, NENHUMA PROVA. O RAIO-X DA SENTENÇA DE MORO
NO CASO TRIPLEX
Análise de Brenno Tardelli, diretor de redação do portal
jurídico Justificando, destaca que a condenação do juiz Sergio Moro contra
o ex-presidente Lula "consagra a tese da acusação, a qual, no entanto, não
conseguiu provar documentalmente o registro do imóvel, bem como desprezou a
prova de inocência, isto é, a série de garantias de hipoteca e cessão
fiduciária que tornavam impossível outro destino do apartamento que não fosse a
pura e simples venda. Além disso, a sentença de Moro ignorou mais de 70 testemunhas
que negaram a existência do crime"
14 DE JULHO DE 2017 ÀS 15:21
Por Brenno Tardelli, no Justificando - Na última quarta-feira (12), foi
publicada a sentença do Juiz Federal Sérgio Moro que condenou o ex-presidente
Lula a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro,
consistentes na acusação de que ele teria recebido um apartamento triplex no
Guarujá (SP) como contraprestação de corrupção em contratos firmados entre a
Petrobrás e a construtora OAS.
A condenação consagra a tese da acusação, a qual, no
entanto, não conseguiu provar documentalmente o registro do imóvel, bem como desprezou
a prova de inocência, isto é, a série de garantias de hipoteca e cessão
fiduciária que tornavam impossível outro destino do apartamento que não fosse a
pura e simples venda. Além disso, a sentença de Moro ignorou mais de 70
testemunhas que negaram a existência do crime. Leia a sentença na íntegra.
Para facilitar a compreensão,
o Justificando preparou um raio-x da decisão que tem mais de 200
páginas, bem como contextualizou as afirmações de Moro de acordo com as teses
de acusação e defesa, explicando a relevância prática de cada argumento.
Confira:
Preliminares: O Lawfare
Atenção: Se quiser entender questões jurídicas diretamente
ligadas à causa, pule para a parte “Teses”, que começa com o debate sobre a
super competência
Nas primeiras páginas, Moro dedica seus argumentos para
supostamente refutar a tese de que estaria sendo parcial – tese esta defendida
tanto pela defesa, quanto por vários juristas que acompanham o caso – e que ele
instrumentalizou seus poderes de juiz e o processo para uma “guerra jurídica”
frente ao acusado. O termo entre aspas é uma forma de Moro dizer com outras
palavras sobre o lawfare, uma das teses centrais da defesa que trata da
utilização da lei e do poder judiciário para perseguição política.
Vários episódios foram destacados para levantar o lawfare e
a consequente suspeição do magistrado, como a (i) divulgação dos áudios entre
Lula e Dilma para a Rede Globo, a (ii) determinação de grampo telefônico no
escritório de advocacia do ex-presidente, apesar de dois ofícios da Telefônica
avisando-o da excentricidade da medida, (iii) a decisão de condução coercitiva
do réu que sequer havia sido intimado para depor, (iv) a “entrevista do power
point” realizada por Deltan Dallagnol, (v) a “animosidade” entre julgador e a
defesa, entre outros.
(i) Sobre o áudio vazado para a Rede Globo, Moro preferiu se
justificar com os mesmos argumentos utilizados à época, quando o falecido
ministro Teori Zavascki, então no cargo no STF, utilizou um discurso duro para
condenar o que o magistrado fez com o sigilo telefônico dos ex-presidentes,
expondo-os em rede nacional por uma conversa cujo conteúdo não teve
consequência jurídica, mas que foi o suficiente para inflamar as manifestações
pelo impeachment na derrocada final do governo Dilma.
Apesar do tom utilizado contra o magistrado, os ministros do
STF quando julgaram a conduta de Moro proferiram uma contraditória decisão de
devolver para o magistrado todo o processo, inclusive a interceptação tão
contestada, para julgamento.
Na sentença do Triplex, o magistrado ressalta que
o fato da corte ter devolvido o processo a ele eliminaria qualquer alegação por
parte da defesa.
Não satisfeito, o magistrado logo após enfrentar as críticas
do Supremo em sua sentença, passa novamente a fazer considerações acerca do
teor da conversa, reafirmando dessa vez sua convicção desfavorável em relação
ao réu e favorável à sua conduta.
Em outras palavras, pediu desculpas antes,
mas depois justificou o que fez como se certo fosse, pois, nas suas palavras, o
Judiciário não poderia ser guardião de “segredos sombrios”: “não deve o
Judiciário ser o guardião de segredos sombrios dos Governantes do momento e o
levantamento do sigilo era mandatório senão pelo Juízo, então pelo Supremo
Tribunal Federal”.
Ao final, Moro escreveu sobre as conversas íntimas
divulgadas que expunham a família de Lula.
O caso mais notório ocorreu com a
divulgação do áudio da ex-primeira dama Marisa Letícia que, em conversa
telefônica privada com seu filho, manifestava repúdio aos paneleiros.
Após
o falecimento da primeira dama, aumentaram as críticas ao juiz em razão da
desnecessidade dessa exposição gratuita da intimidade.
Para Moro,
contudo, “há, é certo, alguns diálogos que parecem banais e eminentemente
privados, mas exame cuidadoso revela sua pertinência e relevância com fatos em
investigação”.
(ii) Sobre o grampo no escritório de Advocacia Teixeira
Martins, a defesa apontou como exemplo prático de lawfare o
sistemático grampo nos telefones dos advogados. No caso, uma matéria da revista eletrônica Conjur, em março de
2016, apontava que todo os 25 advogados do Teixeira Martins – banca que
advogava para o ex-presidente – foram grampeados no telefone central do
escritório.
Vale dizer que Roberto Teixeira, sócio do escritório, teve seu
telefone pessoal interceptado.
Em sua defesa, Moro afirmou que não sabia que o telefone
grampeado era da defesa do ex-presidente e que queria grampear apenas uma
empresa de palestras que operaria no mesmo número e que, na sua opinião, tinha
ligação com o crime investigado.
Ocorre que logo após a determinação do grampo, a Telefônica
oficiou o juízo de Curitiba por duas vezes para alertar sobre gravidade da
medida, afinal escritórios de advocacia são protegidos por lei, mas foi
ignorada.
Para os advogados de Lula, o grampo no escritório e no telefone
pessoal do sócio foram parte de um monitoramento das estratégias que seriam
utilizadas e configuraram em um grave atentado ao direito de defesa.
Na sentença Moro afirmou que precisava investigar a empresa
de palestras e que não se atentou aos ofícios da Telefônica, que não foram
analisados com atenção ante as “centenas de processos complexos” julgados
na Vara.
Em resposta, a própria Conjur o lembrou de que ele tem uma
equipe para julgar os casos e que, por determinação do TRF-4, ele não recebe
nenhum outro processo que não seja ligado à operação
Sobre o telefone pessoal, Moro justificou o grampo no
celular do Advogado do Presidente Roberto Teixeira por ele ser, na visão do
magistrado, suspeito pelo crime de lavagem de dinheiro.
A última informação
apurada pelo Justificando, no mês de junho, era no sentido de que grampo
ainda está ativo por decisão judicial e, desde então não há notícia de sua
revogação.
(iii) Sobre a condução coercitiva sem que houvesse uma
intimação para depor, como evidente prática de lawfare, uma vez que
formou-se um grande espetáculo em torno da oitiva de Lula, Moro negou que se
tratava de uma perseguição contra o ex-presidente. Na época, o caso teve grande
repercussão e críticas ao arbítrio do magistrado.
Em sua defesa, ao argumentar na sentença o juiz afirmou que
a questão de levar coercitivamente quem sequer foi intimado é “polêmica” no
direito.
Ocorre que não se trata de uma polêmica, pois sequer há algum
jurista que defenda a legalidade teórica de prática como essa, a não ser o
próprio Juiz Federal e a força tarefa do MPF.
Em todo caso, ele justificou que, no contexto específico da
Lava Jato, fazia sentido essa determinação, a fim de que agentes policiais não
fossem expostos a algum risco.
De outro lado, Moro argumentou que o tempo teria
lhe dado razão, pois houve uma concentração de militantes no Aeroporto de
Congonhas, para onde o ex-presidente foi levado por um grande aparato policial
para ser ouvido.
Quanto às argumentações, vale lembrar que Lula já foi ouvido
por dezenas de vezes a convite do Poder Judiciário e nenhum episódio foi tão
conturbado quanto a oitiva coercitiva e o interrogatório em Curitiba.
(iv) Sobre o famigerado power point, que gerou a denúncia
que conseguiu a presente condenação, o magistrado argumentou que tal episódio
não representa o “lawfare“, pois, na sua visão, ainda que a linguagem de Deltan
Dallagnol e seu Power Point fossem criticáveis, tal fato não
teria efeito prático para a ação penal, onde o que importaria seriam, em tese,
as peças processuais produzidas.
O debate gira em torno do dia em que Deltan convocou toda a
grande imprensa para, em rede nacional, fazer uma apresentação de slides de
power point com uma série de adjetivações a Lula.
“Ainda que eventualmente
se possa entender que a entrevista não foi, na forma, apropriada, parece
distante de caracterizar uma “guerra jurídica” contra o ex-Presidente”, afirmou
o magistrado.
Embora Moro tenha argumentado que a conduta do Procurador
não influiu na ação penal, vale dizer que Deltan Dallagnol foi o Procurador
responsável por acusar Lula até o fim do processo e já anunciou que vai recorrer da decisão para aumentar a pena.
v) Sobre a animosidade do Juízo frente aos advogados Moro
aproveitou sua sentença para reclamar do comportamento da defesa.
Na sua visão,
foi uma comportamento rude: “este julgador sempre tratou os defensores com
urbanidade, ainda que não tivesse reciprocidade” – queixou-se.
Entretanto,
as audiências mostraram o contrário, uma vez que raros foram os momentos nos
quais a participação da defesa foi bem vinda, como ficaram nítidos em episódios
marcantes, como quando ele debochou do ex-presidente nacional da OAB José Roberto
Batochio para que ele fizesse concurso para juiz.
Mas o mais rumoroso caso gira em torno da intervenção do
advogado e assistente de acusação da Petrobrás René Ariel Dotti quando ele cassou,
aos berros, a palavra da defesa que debatia com Moro sobre uma pergunta feita a
Lula.
Para o magistrado, a censura foi ótima, como pode ser lido na referência
feita ao “renomado e veterano advogado criminal René Ariel Dotti“.
No
meio jurídico, no entanto, o cenário foi outro: diversos criminalistas de
renome fizeram um desagravo para os advogados Cristiano Zanin Martins, Valeska
Teixeira Martins e Fernando Fernandes, bem como foi
publicado artigo do criminalista de renome mundial Juarez Cirino dos Santosem tom crítico às condutas de Moro
e René.
Ao final desse trecho da sentença, Moro vangloriou-se de ter
sido sereno, pois, na sua opinião, ele poderia se quisesse tomado “providências
mais enérgicas”: “poderia o Juízo ter tomado providências mais enérgicas
em relação a esse comportamento processual inadequado, mas optou, para evitar
questões paralelas desnecessárias, prosseguir com o feito” – afirmou
contra as alegações de lawfare.
Teses – 1. Competência da Ação
A supercompetência da Lava Jato é um tema técnico
que lida com questões processuais penais de conexão e suscita críticas desde os
primórdios da Operação e que ainda vai render muito debate.
Resumindo o debate:
diversos juristas contestam o tamanho da abrangência da competência de Moro,
que julga processos de todo o país e os mais variados contextos de acusação de
corrupção.
O STF, ao julgar essa questão, afirmou que Moro somente pode julgar
corrupção que tenha relação com a Petrobrás.
Por isso, quando a força tarefa quer
atrair um processo para Curitiba, eles reforçam a tese da super competência
para lidar com o “maior esquema de corrupção da história”.
Na visão da acusação
e do juízo, ainda que a corrupção não tenha relação direta com a Petrobrás,
presume-se muitas vezes essa conexão dado o suposto vasto tamanho da Operação e
o fato de que o dinheiro, bem sobre o qual ela estaria montada, é fungível e de
difícil rastreamento.
A questão foi evidentemente atacada pelos advogados do
ex-presidente, uma vez que a relação na visão acusatória é entre Lula e Léo
Pinheiro, da OAS, não havendo Petrobrás para justificar a ida do caso a
Curitiba. No caso, o imóvel do Triplex é anterior à Lava Jato.
Marisa
firmou um carnê no sindicato dos bancários para pagamento de cota de um apartamento
junto à Bancoop – cooperativa da categoria.
A Bancoop não teve fôlego para pagar e, em 2009, o imóvel
foi passado à OAS. Nesse momento os moradores poderiam resgatar o valor que
pagaram nas mensalidades ou continuar pagando mensalidade para aquisição do
apartamento.
Marisa e tantos outros não se pronunciaram e ficaram com o crédito
do valor pago até então – por volta de R$ 200 mil (em 2015, ela ingressou no
Judiciário para reaver o o dinheiro pago via Bancoop).
Anos se passam até que três promotores em São Paulo –
que ficariam mais tarde conhecidos pelo pedido de prisão com base em Marx e
Hegel – acusaram Lula e Marisa de ocultarem o imóvel que teriam recebido junto
à Bancoop como produto de lavagem de dinheiro (a acusação, contudo, não
apresenta registro do apartamento em nome de Lula ou de Marisa).
De outro lado, ávidos para entrarem no caso, os Procuradores
da força tarefa repudiaram a ação dos promotores paulistas.
Para atrair a
competência a Curitiba e tirar o processo da competência de São Paulo, o MPF
teve que ligar o Triplex à Petrobrás e para isso utilizou a narrativa do “maior
esquema de corrupção no mundo” – tese praticamente “copia e cola” em todos os
casos que eles, procuradores da Lava Jato, puxam para acusar. Essa tese e essa
prática contam com a anuência e entusiasmo do Juiz Federal.
Logo, pela nova história da acusação e do juiz, o Edifício
foi transferido pelo Bancoop à OAS e esta teria dado um imóvel mais caro e
feito reformas para o ex-presidente como forma de corrupção.
De início, há
a contradição entre histórias conflitantes.
“Ou você diz que a Bancoop deu a Lula o tríplex antes de
2009, ou você diz que a OAS deu a Lula o tríplex depois disso. Inferir as duas
coisas ao mesmo tempo não faz o menor sentido”, questiona o Advogado Márcio
Paixão.
Outro ponto levantado na questão da competência é que a tese
de “maior esquema de corrupção no mundo” ainda não foi julgada no Supremo
Tribunal Federal e a ratificação de que Lula estaria envolvido nisso, ainda que
em tese, depende ainda dessa análise, para ser afirmada em sentença penal.
A
defesa pediu para que o processo do Triplex fosse adiado até que fosse julgado
esse inquérito no Supremo que apura esse suposto esquema, mas o pedido foi
indeferido.
2. Delações Premiadas, ou quase
Outro ponto que Moro discutiu por diversas páginas em sua
sentença diz respeito às delações premiadas.
O Justificando já
apresentou uma série de críticas que esse instituto recentemente importado para
o Brasil traz ao processo penal, tais como a voluntariedade do delator em falar
o que o acusador/juiz querem ouvir, como também a prática reiterada de “prende
para delatar” e “solta porque delatou”, dentre outras questões que
são recorrentemente tratadas. Moro cuidou de defender seu ponto
de vista pela legalidade e valor das delações, algo fundamental neste caso para
condenar Lula, uma vez que a acusação e a sentença estão amparadas quase que
exclusivamente nas palavras de Léo Pinheiro, dono da OAS, e de outros delatores.
Protagonista da principal prova testemunhal, Léo
Pinheiro negociou delação por duas vezes.
A primeira delação, na qual ele inocentava Lula, foi cancelada pelo Procurador
da República Rodrigo Janot, pois, segundo a narrativa oficial do MPF, a
Revista Veja vazou o conteúdo da delação que apontava para o
ministro do STF Dias Toffoli (até então, vazamento de delações não era
considerado uma nulidade, sendo admitido em inúmeras circunstâncias
anteriores).
Em seguida, após ter a primeira delação cancelada, Léo
Pinheiro é preso por decisão de Sérgio Moro e depõe no caso do
Triplex, quando então ele troca de advogado, muda a versão, acusa Lula – que
ele havia primeiramente inocentado – e se torna a grande peça para acusação.
Para evitar esses questionamentos, argumentos de Moro em favor da delação
premiada permeiam toda a sentença.
Um detalhe importante é que a delação premiada de Léo
Pinheiro sequer foi homologada, mas teve o maior destaque para condenação,
ocupando dezenas de páginas na sentença.
Ao final, mesmo sem acordo homologado
com o Ministério Público, Moro o reconhece como delator, transformando seu depoimento
como réu no primeiro acordo de delação premiada informal da história.
3. Propriedade do Apartamento – 5 parágrafos para a tese de
defesa
“Essa é a questão crucial neste processo”, afirma o próprio
Sérgio Moro na sentença.
A questão é justamente de quem é o apartamento no
Guarujá – pois afinal, se Lula está sendo acusado de ter recebido um imóvel em
troca de corrupção, o lógico seria que, pelo menos, o imóvel fosse dele ou que
a OAS podia dele dispor para entregá-lo a alguém.
Ocorre que no imóvel não tem nem uma coisa, nem outra.
O
registro do apartamento está em nome da OAS e o imóvel está hipotecado para um
fundo da Caixa Econômica Federal, banco público que emprestou dinheiro para a
construtora, mas exigiu uma série de garantias, dentre eles o Condomínio
Solaris e tantos outros.
Soma-se a isso o próprio processo de recuperação judicial da
Construtora.
Em casos como esse existe uma lista de credores que decide em
assembleia o destino dos imóveis da empresa em recuperação judicial.
Em outras
palavras: (i) o imóvel não está no nome de Lula, (ii) a OAS não pode dispor
dele para outra finalidade que não seja a venda e, mesmo se pudesse, ainda
assim (iii) a operação de venda ou entrega teria que ser aprovada em assembleia
de credores.
Em cinco parágrafos, Moro, contudo, desconsiderou toda a
documentação, pois “isso não é suficiente para a solução do caso”.
Em contrapartida, ele dedica incontáveis páginas na sentença
para valoração de papéis que não indicam compra, propriedade, posse, ou
qualquer coisa que seja.
Um dos exemplos levantados foi o documento de “proposta
de adesão sujeita à aprovação”, não assinada por Lula, no valor de R$ 200 mil,
como se fosse uma intenção de adquirir o imóvel.
Nesse documento, há uma rasura
escrita “TRiPLEX”.
Essa seria a prova documental. Como apontam inúmeros
criminalistas, não é possível ignorar toda a documentação de garantia e
propriedade do imóvel para canalizar a condenação com base em um documento que
não tem qualquer valor de propriedade, muito menos está assinado e, não
bastasse, é uma rasura.
Além disso, Moro argumentou que Marisa não reviu o dinheiro
investido no carnê do Bancoop, quando tiveram opção de resgatar dinheiro ou
continuar contribuindo, e que tal apartamento nunca esteve à venda, pois estava
reservado ao casal.
A narrativa que torna Marisa e Lula proprietários do
Triplex também se vale de uma matéria do
jornal O Globo que afirmou que em 2010 o Triplex pertencia a
Lula. A matéria, contudo, além de se equivocar quanto à propriedade quando diz
que Lula é proprietário sem que haja o registro do imóvel, comete um erro
crasso ao dizer que Lula declarou o imóvel em nome de Marisa, quando na verdade
ele declarou o valor recolhido na cota junto ao Bancoop.
Entretanto, apesar de
erros identificáveis com facilidade, Moro cita essa matéria para fundamentar a
condenação em nove passagens, tratando como se prova documental fosse.
O magistrado descreveu a série de reformas que a OAS fez no
imóvel e uma conversa entre Léo Pinheiro e Paulo Gordilho, Diretor de
Engenharia e Técnica da OAS Empreendimentos, onde eles tratavam do chefe [que
seria Lula], da madame [que seria Marisa] e Fábio, filho do casal.
Na conversa,
Paulo disse a Léo que o imóvel estava pronto para eles visitarem e Léo Pinheiro
foi avisado sobre reformas feitas para agradarem o ex-presidente, para que ele,
então, ficasse com o apartamento.
O que ficou claro pelos depoimentos é que Léo
Pinheiro de fato pretendia que Lula ficasse com o imóvel e até tentou adaptá-lo
para servi-lo melhor, mas não ficou comprovado a compra, o usufruto ou a entrega
do bem.
Nas audiências, Lula afirmou que chegou a visitar o imóvel
uma única vez, mas decidiu não comprá-lo, apesar da intenção da construtora.
Marisa visitou outra vez o apartamento e também nunca mais voltou.
A questão jurídica, como aponta o criminalista Fernando
Hideo Lacerda, não permite que o juiz conclua que Lula tem esse imóvel. O
especialista explica que Moro sustentou que Lula e Marisa eram “Proprietários
de Fato”, isto é, que eles receberam um imóvel por corrupção de forma oculta.
Ocorre que a propriedade é determinada no Código Civil pelo registro do imóvel
e, fora isso, o ordenamento também prevê a posse, que também não cabe, já que
ele foi ao imóvel apenas uma vez e nunca mais voltou.
4. Tese de corrupção
O tipo penal da corrupção dispõe a conduta como “solicitar
ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da
função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar
promessa de tal vantagem”.
Como explica o criminalista Fernando Hideo, é
necessária a aceitação da promessa ou efetivo recebimento da vantagem
indevida e a contrapartida do funcionário público. Moro sustenta
que o ex-presidente foi condenado “pelo recebimento de vantagem indevida
do Grupo OAS em decorrência do contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a
Petrobrás”.
Entretanto, explica o criminalista: “o pressuposto
mínimo para essa condenação seria a comprovação (a) do recebimento da vantagem
(a tal “propriedade de fato” do apartamento); e (b) da contrapartida sobre
o contrato do Consórcio CONEST / RNEST com a Petrobrás”.
Moro não argumenta sobre nada disso. Aliás, para escapar
desse beco sem saída, o magistrado afirmou que “basta para a configuração
que os pagamentos sejam realizadas em razão do cargo ainda que em troca de atos
de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades
apareçam” – escreveu na sentença, como lembrado por Lacerda.
Em seguida, na sentença, o magistrado reconhece que não
comprova o ato de corrupção: “Na jurisprudência brasileira, a questão é
ainda objeto de debates, mas os julgados mais recentes inclinam-se no sentido
de que a configuração do crime de corrupção não depende da prática do ato de
ofício e que não há necessidade de uma determinação precisa dele”.
O Criminalista Márcio Paixão também aponta uma série de
questões que Moro não responde e que impedem a condenação pelo crime de
corrupção: “muito embora se esforce bastante, Moro não conseguiu esclarecer, em
nenhum momento:
(i) a data em que Lula teria recebido o tríplex, dito algo
como “é meu, muito obrigado”;
(ii) o local em que Lula estava quando recebeu o tríplex;
(iii) as circunstâncias em que Lula recebeu o tríplex.
As primeiras duas informações são hiper relevantes – a
primeira vai estabelecer o marco inicial da prescrição, a segunda vai
estabelecer qual juiz é competente para julgar o caso (competência
territorial).
O que há na sentença é algo como ‘Lula recebeu esse tríplex em
algum momento, em algum local, em circunstâncias desconhecidas'”.
Vale lembrar que o Direito Penal é regido por princípios
jurídicos, dentre os quais o da taxatividade, que impede que o magistrado
aplique a lei para condenar ampliando a interpretação do texto do tipo penal.
Em outras palavras, não há base jurídica para condenação por corrupção sem um
ato comprovado que tenha beneficiado a OAS, como também não é possível condenar
sem que exista a vantagem indevida.
5. Tese de Lavagem de dinheiro
De acordo a acusação e o juiz, a lavagem de dinheiro
consiste na “ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento
164-A, triplex, e do beneficiário das reformas realizadas”.
Ou seja, Lula
teria recebido o apartamento como decorrência de corrupção, o fato de não estar
no nome dele seria ocultação do apartamento e consequente lavagem.
Como explica
Lacerda, é “juridicamente ridículo” sustentar isso, já que a lavagem pressupõe
transformar um dinheiro sujo em limpo para reintrodução do bem no mercado.
Pela ótica da acusação, não houve incorporação do patrimônio
aos bens de Lula.
Logo, sequer em tese há a lavagem ou limpeza do bem.
Para
Lacerda, a ocultação defendida pela retórica acusatória faz parte da conduta de
corrupção e que não faria sentido lógico em se conceber a lavagem para algo que
permanece oculto.
“Lavagem é dar aparência de licitude a um capital ilícito
com objetivo de reintroduzir um dinheiro sujo no mercado.
Isso é “esquentar o
dinheiro”. Exemplo clássico: o cara monta um posto de gasolina ou pizzaria e
nem se preocupa com lucro, só joga dinheiro sujo ali e esquenta a grana como se
fosse lucro do negócio” – explica o criminalista.
6. Penas
(i) Léo Pinheiro
“Questões novas demandam soluções novas”.
Dessa forma Sérgio
Moro conseguiu o feito de unir todas as penas de Léo Pinheiro, que foi
condenado em outra ação penal, totalizadas em mais de 30 anos, para determinar
que ele cumpra apenas dois anos e seis meses de reclusão no regime
fechado.
Léo Pinheiro recebeu o tratamento privilegiado concedido a delatores,
embora ele não tenha homologado seu acordo de delação no processo do Triplex.
“O problema maior em reconhecer a colaboração é a falta de
acordo de colaboração com o MPF.
A celebração de um acordo de colaboração
envolve um aspecto discricionário que compete ao MPF, pois não serve à
persecução realizar acordos com todos os envolvidos no crime, o que seria
sinônimo de impunidade”, afirmou Sérgio Moro na sentença.
Para ele, no
entanto, esse problema poderia ser resolvido com uma solução inédita de
estabelecer que Léo Pinheiro no máximo dois anos e meio, considerando a
condenação por outro processo que não estava em julgamento.
(ii) Lula
Considerando a culpabilidade extrema, Moro elevou as
penas base para nos crimes de lavagem e de corrupção para chegar a 9 anos e 6
meses de prisão em regime inicial fechado, além do pagamento de multa Um
detalhe curioso é a determinação do sequestro do Triplex da OAS, que lista o
imóvel na lista de credores na recuperação judicial, bem como da Caixa, que tem
as garantias sobre o imóvel.
Ou seja, além do apartamento não ser de
propriedade de Lula, tanto o banco público, como também os credores da
recuperação judicial da OAS tiveram diminuição patrimonial e não poderão mais
contar com o imóvel, em que pesem dívidas e acordos celebrados em torno do bem.
Moro, ao final, mostra sua benevolência ao dizer
que “até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do
ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, mas que a “prudência recomenda
que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as
consequências próprias da condenação”.
Fonte: https://www.brasil247.com/
Queridos amigos e leitores do blog, se vocês não ver
postagem do meu blog SUED E POSPERIDADE nos grupos do facebook é porque o mesmo
bloqueou as minhas postagens, que eu vejo como punição por eu divulgar notícias
de Lula e do PT. Vocês podem acessar o blog pelo Google, G+1, twitter e
Pinterest, ou no próprio blog, podem compartilhar as notícias para a página de
vocês.
AGRADEÇO A TODOS
Nenhum comentário:
Postar um comentário