NOVO LIVRO
“Eles querem matar a gente em vida”, diz Sakamoto sobre ódio
na internet
Debate realizado em Brasília colocou em pauta a onda de
intolerância que tomou conta das redes sociais
Cristiane Sampaio
Brasília (DF), 01 de Julho de 2016 às 11:07
Além do jornalista Leonardo Sakamato, debate contou com o
deputado federal Jean Willys / Mídia Ninja
Quais os limites éticos da polarização político-ideológica
do atual contexto brasileiro? Qual a importância do diálogo em tempos de
intensa proliferação de ódio nas redes sociais? Como a difamação via internet
afeta a vida prática de quem é vítima do problema? Essas e outras reflexões são
o substrato do novo livro do jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto,
que esteve em Brasília nessa quinta-feira (30) para o lançamento da obra.
“O que aprendi sendo xingado na internet” (Ed. Leya, 2016) é
resultado da própria experiência do autor, uma das figuras públicas brasileiras
que hoje são vítimas da intolerância e da difamação gratuita no mundo virtual.
As agressões sofridas nos últimos tempos deram a tônica pra que ele organizasse
as reflexões no livro, que, mais do que lançar luz sobre o tema, constitui uma
espécie de guia com orientações sobre como trocar a beligerância pela
tolerância no espaço virtual.
Ao discorrer sobre a questão, Sakamoto reflete sobre
diversos pontos que atravessam a temática do discurso de ódio nas redes,
incluindo a necessidade de não classificar a internet a partir de uma ótica
maniqueísta. “Ela não é boa nem má. É uma plataforma de construção da
realidade. O que ocorre é que algumas plataformas podem levar a uma
desumanização se você não tomar cuidado, porque elas têm ferramentas que muitas
vezes impedem a geração de empatia entre as pessoas”, disse.
No tatame das disputas político-ideológicas, tem sido
frequente a confusão entre discurso de ódio e liberdade de expressão. “Tanto
nos Estados Unidos como aqui se vendeu a ideia de que a liberdade de expressão
é um direito absoluto, e isso não é verdade. Ela tem limites, que é justamente
quando ataca outros direitos, como as liberdades individuais, por exemplo. Aqui
no Brasil ainda tem o fato de isso se confundir com liberdade de imprensa, que
também se confunde com liberdade de empresa, mas nenhuma dessas liberdades
existe absolutamente. Todas elas são limitadas pelo dano que podem causar a
outros direitos”, analisou o jornalista.
Perenidade da difamação
Outro ponto salientado durante o debate foi a capilaridade
das informações falsas na internet e a consequente dificuldade de reparar o
dano causado às vítimas, fazendo com que as difamações sejam dolorosas.
“A mentira tem sempre muitos compartilhamentos. No meu caso,
já tive que repassar algumas mensagens de ameaça para a Polícia Federal, por
uma questão de segurança pessoal. As pessoas que fazem isso querem matar a nossa
credibilidade exatamente porque a gente vai conquistando leitores, aí elas
querem matar a gente em vida. Para isso, precisam nos converter em pessoas más,
através de boatos e mentiras, que têm cauda longa. E depois, mesmo usando os
mesmos canais, é impossível reparar o dano, inclusive porque as pessoas que
reproduziram o erro não querem fazer a verdade circular, então, o dano dura
muito tempo”, disse Sakamoto.
Pegando carona no mesmo raciocínio, o deputado federal Jean
Willys (PSOL-RJ), que participou do debate, destacou os efeitos reais da
difamação na vida de quem precisa lidar cotidianamente com o problema.
“A Câmara Municipal de Feira de Santana [na Bahia]
simplesmente aprovou uma moção de repúdio a mim por um projeto que nunca
apresentei. Segundo eles, eu quero modificar a Bíblia para tirar as partes que
seriam homofóbicas. Qualquer pessoa que faça sinapses vai ler essa notícia e
vai rir, porque é uma estupidez. Parece até coisa do [site] Sensacionalista,
mas a verdade é que essa calúnia está circulando há dois anos na internet.
Então, não estamos falando de meros xingamentos que servem ao riso. Estamos
falando da vida prática das pessoas que são vítimas do ódio e da mentira nas
redes sociais”, desabafou.
Ele também ressaltou que há diferença entre o desconhecimento
dos internautas sobre a veracidade das informações e a postura de personagens
que agem de má-fé nas redes. “Há o aspecto da ignorância, mas há também a
burrice motivada. (…) É o ódio orquestrado e pensado politicamente para isso,
aí os ignorantes muitas vezes agem motivados pelo que é produzido por essas
quadrilhas formadas na internet. Há muitas delas escondidas em sites apócrifos,
alguns hospedados até fora do país, o que dificulta inclusive a localização
pela polícia”, disse o deputado.
Educação, mídia e ódio
No contexto da intolerância, Sakamoto sublinhou também a
falta de educação para a mídia como um elemento que ajuda a explicar a
ignorância, oportunizando ainda mais a proliferação da difamação e do ódio no
mundo virtual.
“As pessoas não sabem ler, saem da escola sem aprender a
diferenciar conteúdos, então, muitas vezes uma simples mensagem de Whatsapp ganha
a mesma validade do que uma matéria bem apurada que mostra que determinada
lenda urbana não existe. Por isso seria importante que houvesse uma formação
voltada para a mídia, para que elas soubessem diferenciar o joio do trigo e
tivessem a sabedoria de não compartilhar ou curtir algo que possa dar vazão a
um conteúdo mentiroso”, disse, exemplificando situações que viveu.
Ele acredita que, para qualificar o debate na internet, é
necessária a adoção de uma postura que começa fora do espaço virtual. “Se você
está numa mesa de bar, por exemplo, e alguém solta uma piada homofóbica e
ninguém ri, há duas opções: ou a pessoa que fez isso simplesmente fica com
raiva ou ela se dá conta de que vai precisar mudar de comportamento para poder
conviver em grupo e em sociedade. Eu me nego a acreditar que o ser humano é
machista e homofóbico. O que falta é uma consciência sobre isso. No longo
prazo, as pessoas podem mudar de opinião”, reflete.
Esperança
Ao apontar para o futuro, Sakamoto diz acreditar na
construção de um espaço virtual mais saudável e tolerante a partir da
disposição dos que hoje se propõem a caminhar nesse sentido. “Não adianta a
gente ser otimista só no pensamento. Tem que ser otimista na ação também. (…)
Eu sempre peço para as pessoas terem paciência porque acho que a mudança social
é como uma família tentando atravessar uma avenida movimentada de mãos dadas: a
avó vai atravessar lentamente, enquanto a criança e o adulto vão cada um em outro
ritmo, e a sociedade só vai mudar quando a família inteira chegar do outro
lado. A gente precisa ter essa consciência”, finalizou.
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