SENADORA FRANCESA SE DIZ CHOCADA COM GOLPE NO BRASIL
"A interrupção de um governo soberano é um atentado à
democracia e ela nos interpela. A presidente Dilma Rousseff foi destituída
injustamente. O modo utilizado chocou-me profundamente. Daí, eu reafirmo que se
trata de um golpe institucional", declarou Laurence Cohen à jornalista
Marilza de Melo Foucher; para a senadora francesa, "com o passar do
tempo, vimos que todas as acusações feitas contra Dilma não têm embasamento
jurídico, trata-se de um complô, uma combinação entre os corruptos"; ela
também chama o governo interino de "ilegítimo" e diz que ele
"não representa a diversidade do povo brasileiro"
4 DE JULHO DE 2016 ÀS 17:57
Por Marilza de Melo Foucher, especial para o
247. Entrevista com a senadora francesa Laurence Cohen:
Gostaria de formular duas questões:
Embora sua ação solidária com outros países da América
Latina já seja amplamente conhecida, no caso específico do Brasil, de onde vem
seu engajamento político?
Nesta iniciativa do colóquio no senado francês, a solidariedade com relação à
presidente Dilma Rousseff, vítima de um golpe institucional, foi prestada por
V. Excia. enquanto mulher ou enquanto parlamentar? Ou as duas?
Meu engajamento político com a América Latina vem desde a
época das ditaduras do Cone Sul. Minha primeira luta começou contra
Pinochet no Chile, em seguida eu me envolvi nas frentes de luta pela
democratização de outros países da América Latina. Depois, em 2011, fui eleita
senadora e passei a ser presidente do grupo da amizade França-Brasil. Esta
função leva-me a ter maior aproximação com o Brasil, para onde tive
oportunidade de viajar duas vezes, quando testemunhei o compromisso da jovem
democracia brasileira na reconstrução de um país mais justo. Este país que
viveu mais de duas décadas sob uma ditadura enfrentou também as políticas
neoliberais de ajustamentos estruturais. Com a chegada dos governos
progressistas de Lula e Dilma, houve um esforço considerável de luta contra as
desigualdades sociais, eles realizaram um grande trabalho de inclusão social.
Alias, houve uma grande mudança em todos os países da América Latina que
tiveram governos progressistas depois das ditaduras. A interrupção de um
governo soberano é um atentado à democracia e ela nos interpela. A presidente
Dilma Rousseff foi destituída injustamente. O modo utilizado chocou-me
profundamente. Daí, eu reafirmo como já disse na abertura do colóquio, que se
trata de um golpe institucional.
O modo como o parlamento brasileiro tratou Dilma Rousseff me
revoltou enquanto mulher. Eu não posso, enquanto mulher e enquanto senadora,
tolerar a violência verbal de qualquer parlamentar, principalmente do deputado
de extrema direita que dedicou seu voto ao torturador da presidente Rousseff. O
fato de ela ser uma mulher torna a violência verbal bem maior. Logicamente tudo
isto me tocou profundamente.
Podemos até não concordar com toda política governamental da
presidente Dilma, mas essa mulher deve ser respeitada, porque ela é uma mulher
combatente e tem uma história de resistência à ditadura. O que se passou no
Brasil atinge toda a região da América Latina e o mundo, daí porque não podemos
tolerar que uma jovem democracia seja desrespeitada. Temos que considerar o
sufrágio universal dos 54 milhões de votos dos brasileiros dados a Dilma Rousseff,
a escolha das urnas deve ser respeitada. Com o passar do tempo, vimos que todas
as acusações feitas contra Dilma não têm embasamento jurídico, trata-se de um
complô, uma combinação entre os corruptos. Sabe-se agora que não existe nada
que prove que Dilma Rousseff é uma mulher corrupta, ela nunca intercedeu nos
assuntos judiciários. Daí eu denuncio este golpe aqui no Senado da França e
assumo este compromisso em nome do respeito de todas as democracias no mundo.
Os que acusaram Dilma de corrupção e sujaram seu nome são os
maiores corruptos. Este governo é ilegítimo. Este governo do senhor Temer não
representa a diversidade do povo brasileiro. Os integrantes são homens brancos,
endinheirados, idosos e misóginos. O governo golpista de Temer desde que assumiu
busca destruir as conquistas sociais. A primeira medida deste governo ilegítimo
foi extinguir ministérios simbólicos do governo de Dilma como o Ministério das
Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, o Ministério da Cultura,
assim como fazer cortes públicos nos projetos em andamento. Ele teve
ultimamente que recuar dado a indignação provocada no Brasil e no exterior.
Porém, estas medidas desmascaram o personagem. Ele nomeou seus amigos corruptos
como ministros, quatro deles já se demitiram acusados na Operação Lava-jato.
Não podemos ficar calados diante desses fatos e por isto não reconhecemos este
governo oriundo de um golpe.
Além disso, o governo interino de Temer tem demonstrado que
veio ao poder para representar uma casta de privilegiados e representar a
corrente da ideologia neoliberal. Temer decidiu agir rápido para reduzir os
investimentos públicos, privatizar os setores públicos como é o caso da
educação, saúde e serviços de comunicação pública e aviação. Acabar com as
grandes empresas nacionais, o exemplo maior é a Petrobras, onde seus fundos
estavam destinados a cobrir as deficiências dos serviços públicos (ver o pré-sal).
Sem contar com a grande empresa aviação brasileira. Este governo busca ceder, o
mais rápido possível, os interesses nacionais às empresas americanas. Levando
em conta meu compromisso político, eu diria que se trata de um combate de
classes, ele atua somente para os privilegiados. Seu modo de agir pode provocar
rupturas na sociedade brasileira acirrando os conflitos.
Os brasileiros que usufruíram de tanta solidariedade dos
franceses durante a ditadura não entendem por que a esquerda demorou tanto a
reagir na defesa da jovem democracia no Brasil. Senadora, explique então o
longo silêncio da maioria dos políticos e do governo francês?
Eu acho que o silêncio, sobretudo do governo francês, é que
atualmente defende acima de tudo seus interesses econômicos com o Brasil
em lugar de defender a democracia. O modo operativo do golpe difere da
dos militares, não houve a presença das forças armadas... Foi um golpe
construído com esperteza... Preservou-se uma falsa fachada de normalidade. O
governo francês nesse caso dá continuidade às relações já que os acordos
econômicos são preservados. O que eu defendo finalmente é que meu combate é
idêntico aqui, no Brasil como na Europa e no mundo. A esquerda não pode virar
as costas para os compromissos políticos e sociais, seus governos devem cumprir
com suas promessas. Infelizmente o nosso governo privilegia acima de tudo os
interesses econômicos em detrimento do engajamento político de defesa de
direitos e da democracia. A mesma lógica ele faz no campo da política externa
favorecendo apenas os interesses econômicos da França. Enquanto mulher e
parlamentar eu espero continuar com minha coerência política e continuar
lutando na defesa dos direitos e dos princípios da democracia.
A senhora pensa em continuar esta mobilização para sensibilizar
o governo francês e todos os parlamentares a apoiar a volta da presidente Dilma
para que o Brasil volte à sua normalidade institucional?
Eu penso que este colóquio é uma primeira etapa. Eu já
consegui o apoio do grupo ecologista e do PS, acredito ser possível uma
mobilização ainda maior.
A senhora pensa em enviar uma mensagem ao Senado brasileiro?
Sim, esta será a segunda etapa. A nossa solidariedade com a
presidente Dilma e com a normalidade da democracia brasileira é total.
De todo modo, vossa iniciativa foi um sucesso, enquanto
brasileira lhe agradeço. Parabéns e FORA TEMER.
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