Abandonado por aliados, Eduardo Cunha cai e vira homem-bomba
Por 450 a 10 votos, o pivô do impeachment de Dilma Rousseff
perde o seu mandato Peemedebista fica inelegível por oito anos e deverá ser
julgado por Sergio Moro
AFONSO BENITES Brasília 13 SET 2016 - 06:12 CEST
Cunha diante de uma faixa no plenário da Câmara. ALEXSANDRO
LOYOLA LID.PSDB
Eduardo Cunha (PMDB-RJ)
por muito tempo se vangloriava de ter sua própria bancada, que o alçou à
presidência da Câmara em 2015. Era um baixo clero com mais de cem
aliados de diversos partidos juntamente com seus correligionários e colegas que
fez ao longo de quatro mandatos consecutivos e alegadas estratégias conjuntas
para arrecadar fundos de campanha. Por isso, a cena que se via no plenário da
Câmara dos Deputados que o cassou nesta segunda-feira era, até alguns meses
atrás, inimaginável: Cunha quase unanimemente abandonado. Com exceção de Carlos
Marun (PMDB-MS) e de Edson Moreira (PR-MG) - dois parlamentares em
primeiro mandato que se tornaram quase guarda-costas dele -, pouquíssimos se
aproximavam do ex-presidente da Casa. Apenas esses dois discursaram em sua
defesa.
Esse isolamento resultou no placar de 450 votos a favor de
sua cassação, apenas 10 contrários e 9 abstenções. O número foi bem superior
aos 257 necessários para que ele fosse cassado. Foi o sétimo parlamentar a
perder o mandato desde 2001, quando o Conselho de Ética foi criado. Com a
cassação, Cunha se tornou fica-suja e fica inelegível até 2027. Sem o cargo
eletivo e, consecutivamente, sem a prerrogativa de foro privilegiado, os cinco
processos que tramitam contra o peemedebista no Supremo Tribunal Federal (STF)
deverão ser enviados ao juiz de primeira instância Sergio Moro, o responsável
pela Operação
Lava Jato em Curitiba. Era tudo o que ele não queria.
De todo-poderoso a abandonado, agora ele deve se tornar um
homem-bomba, com potencial de abalar toda a classe política brasileira. O temor
de parte de seus aliados é que, para se livrar de punições duras, como a
prisão, o peemedebista faça um acordo de delação premiada com o Ministério
Público Federal e entregue alguns de seus colegas em eventuais irregularidades.
Ele nega que fará qualquer acordo ("Quem faz delação é criminoso e eu não
sou criminoso", repetiu após a cassação),mas diz que contará toda a
história do impeachment
de Dilma Rousseff em um livro no qual pretende relatar conversas com
todos os políticos com quem conviveu neste período. Inclusive o atual
presidente Michel Temer (PMDB) e um de seus principais auxiliares, Moreira
Franco. Nada foi gravado. "Tenho uma boa memória", disse o ex-deputado
ao fim da sessão. Desempregado, Cunha afirma que sua primeira ocupação agora
será buscar uma editora que queira publicar esse livro, com o qual ele afirma
que pretende "ganhar muito dinheiro". Depois vai pensar no que fazer.
Investigado pelo crime de lavagem de dinheiro e por
corrupção, a quebra de decoro parlamentar do ex-todo-poderoso deputado se deu
numa sessão armada na CPI
da Petrobras para que ele brilhasse. O tiro saiu pela culatra. Foi lá
que ele mentiu ao dizer que não tinha contas bancárias no exterior. As
investigações do Ministério Público Federal mostraram que ao menos quatro trusts eram
controladas por ele.
A sessão da noite de contou com a presença de 470 dos 513
deputados. Foi marcada por uma aguerrida defesa cheias de ameaças e por
acusações do peemedebista contra o Governo de Rousseff, que ele ajudou a
derrubar. Chamou Dilma de mentirosa. Disse que o PT coordenou a pilhagem da
Petrobras. Ressaltou que seu processo é político e que cassá-lo é a principal
bandeira de seus adversários. “O PT quer um troféu para justificar seu discurso
de golpe”.
Pela segunda vez, Cunha ressaltou que quase 160 deputados
têm processos tramitando no STF, assim como ele. Dessa vez, não disse o “eu sou
vocês amanhã”, como o fez em sua defesa na Comissão
de Constituição e Justiça, em julho. Coube ao seu advogado, Marcelo Nobre,
mandar um recado aos parlamentares. “O que vemos nesta casa hoje é uma
guilhotina posta, em cima da mesa. Uma guilhotina com nome e sobrenome.
Chama-se precedente de linchamento.”
Ascensão, apogeu e queda
Inteligente, frio e calculista, a ascensão de Cunha foi algo
inesperado em um partido onde a maioria de seus líderes é de coronéis da
política, o PMDB, acostumado mais a acomodação e negociação do que confronto.
Em pouco mais de uma década, deixou de ser um influente arrecadador de campanha
a líder da legenda no Rio de Janeiro e em todo o país. Alçado a presidente da
CCJ, depois a líder do PMDB na Câmara, seu apogeu ocorreu em fevereiro de 2015
quando venceu a presidência da Câmara derrotando o candidato do Governo da
ocasião, Arlindo Chinaglia (PT-SP).
Quando passou a ser investigado
pela Polícia Federal mudou o tom contra a gestão Rousseff. Rompeu com
o PT e passou a atacar o Ministério Público. Seu discurso agressivo é algo do
qual ele se arrepende, conforme contou na segunda-feira ao jornal Folha de
S. Paulo. O clima de tensão política piorou quando oimpeachment
da presidenta passou a se tornar uma realidade. Ao menos 53 pedidos de
destituição da presidenta chegaram às suas mãos. Engavetou 40. Aceitou um. E
foi essa admissão – aceita por vingança conforme petistas e por evidências de
crimes de responsabilidade, segundo o peemedebista – que acabou com a queda da
presidenta.
Aliado do presidente Temer, foi
abandonado por ele na reta final de seu julgamento. Um sinal disso foi a
ausência durante os debates do líder do Governo na Câmara, André Moura
(PSC-SE), e até então aliado de primeira hora do agora ex-deputado.
Em sua última entrevista coletiva no salão verde da Câmara,
Cunha já deu seus primeiros disparos. Chamou antigos aliados que votaram pela
sua cassação de hipócritas, reclamou do Governo Temer e afirmou que Rodrigo
Maia (DEM-RJ), seu sucessor na presidência da Câmara, conduziu o processo de
cassação de maneira equivocada, por isso recorrerá ao Judiciário para tentar
retomar o seu mandato. "Todo mundo sabe que na verdade, há uma articulação
porque no Governo hoje tem uma eminência parda. Quem comanda o governo é o
Moreira Franco, que é sogro do presidente da Casa. Então o sogro do presidente
da Casa fez uma articulação que fez com que fosse feita uma aliança com o PT e,
conseqüentemente, a minha cassação estava na cara". Um dos mais
impopulares políticos do Brasil na atualidade parece não querer vender barato
sua queda.
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