Para Moro, Congresso precisa mostrar de que lado está
Juiz defende a necessidade de outras instituições, além do
judiciário, se envolverem no combate ao que ele chama de corrupção sistêmica
O juiz federal Sérgio Moro fez uma ampla defesa da Operação
Lava Jato na noite desta quarta-feira, 21, em palestra no Rio Grande do Sul.
Limitando-se a falar dos casos já julgados, e sem citar nomes, ele destacou os
resultados obtidos até aqui, mas defendeu a necessidade de que outras
instituições, além do judiciário, se envolvam no combate ao que ele chama de
corrupção sistêmica.
"Tenho dito que o funcionamento da justiça criminal
frente à corrupção sistêmica é uma condição necessária para sua superação, mas
não é uma condição suficiente. O combate e a prevenção da corrupção exigem
muito mais. Até porque nem todos os crimes vão ser descobertos. E nem todos os
crimes descobertos vão ser provados, pelo menos não no nível necessário para se
autorizar uma condenação", disse a uma plateia de mais de mil pessoas na
cidade de Novo Hamburgo, na região metropolitana de Porto Alegre.
Segundo ele, o Legislativo "tem a obrigação" de
aprovar reformas, seja no campo da justiça criminal, seja em outros campos.
"Por exemplo, aumentando a transparência dos contratos públicos. Da mesma
forma, o governo tem uma responsabilidade primordial na superação desses
esquemas de corrupção sistêmica", avaliou.
Voltando a falar do Legislativo, Moro lembrou o projeto de
10 medidas de combate à corrupção apresentado pelo Ministério Público Federal,
e que atualmente é discutido por uma comissão especial na Câmara dos Deputados.
"O projeto, claro, pode sofrer alterações, pode não ser
aprovado em toda sua integralidade. Mas é importante, neste momento, que
houvesse uma aprovação pelo menos das medidas mais importantes previstas
naquele projeto. Não apenas pelo valor intrínseco das propostas, mas
principalmente para o Congresso sinalizar de que lado se encontra, propiciando
talvez um ciclo virtuoso que nos auxilie a superar este quadro de corrupção
sistêmica", afirmou.
Pouco antes, ele tinha citado a Operação Mãos Limpas, que
combateu a corrupção na Itália na década de 1990. "Lá se teve um caso
gigantesco, com números superlativos, no qual também se descobriu um esquema de
corrupção sistêmica. E esta operação teve um impacto tremendo, mas dois ou três
anos após esta operação o impacto e o interesse da opinião pública começaram
gradativamente a arrefecer", disse.
O resultado, segundo Moro, é que a parcela do sistema
político italiano que compactuava com a corrupção "contra-atacou" e
minimizou, em parte, o efeito da operação, aprovando, por exemplo, leis que
anistiavam parcialmente penas aplicadas na Mãos Limpas, ou que tornavam mais
difícil o trabalho dos investigadores.
"Há uma controvérsia sobre a herança da operação na
Itália. O erro, quando se faz esta avaliação do caso italiano, é pensar que a
culpa foi da operação ou os investigadores", disse. "Mas, diferente
do que ocorreu na Itália, nossa história ainda está em aberto."
Na palestra, Moro ainda disse que a corrupção sistêmica traz
uma série de prejuízos ao Brasil, inclusive econômicos, já que "afugenta
investimentos", além de representar uma degeneração da própria democracia.
"Uma das causas desta degeneração consiste no fato de a Justiça criminal
brasileira não ter uma tradição forte de punição de crimes relacionados à
corrupção sistêmica. Claro que tem que deve ser garantido o devido processo
legal, existem direitos fundamentais a serem respeitados, mas a Justiça
criminal não pode ser um faz de conta", afirmou, defendendo as prisões
cautelares na Lava Jato.
"Muitas vezes se critica a operação Lava Jato no
sentido de que haveria um número excessivo e expressivo de prisões
cautelares", revelou. "É forçoso reconhecer que, diante de um quadro
de corrupção sistêmica, existe um quadro de relativa anormalidade que demanda
remédios mais fortes."
Zica
Segundo ele, o fato de a sociedade civil demonstrar apoio à
Lava Jato dá motivos para que se tenha "esperança no futuro", e isso
se refletiu nas manifestações populares de 2015 e 2016. "Inegavelmente uma
bandeira comum dos manifestantes era o repúdio à corrupção sistêmica. Num
quadro como este o apoio da população, da sociedade civil, é essencial para que
possamos superá-la", disse.
Moro também afirmou que não há nenhum país que seja
"destinado" à corrupção sistêmica. "(A corrupção) não é como
malária, ou zica; é um padrão de comportamento humano", falou,
acrescentando que a sociedade brasileira já superou desafios
"enormes" no passado, como a ditadura militar e a hiperinflação.
"Não há nada que com virtude cívica não possa ser superado dentro de um
regime democrático."
Conforme o juiz federal, a Lava Jato deixou de ser um caso
criminal ordinário, como parecia que seria no início, e se tornou algo que
envolve a "própria qualidade da nossa democracia".
Moro foi recebido como astro em Novo Hamburgo. Em sua
entrada, por volta das 21 horas, foi ovacionado pela plateia no Teatro Feevale.
Depois, ao longo da palestra, sua fala foi interrompida em mais de uma ocasião
por aplausos do público. No final, o juiz respondeu a algumas perguntas da
plateia. No total, falou por cerca de duas horas. Questionado sobre a denúncia
envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que não faria
comentários, por se tratar de um caso que está pendente.
Na última terça-feira, 20, Moro acolheu denúncia da
Procuradoria da República no Paraná e tornou o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva réu em ação penal da Operação Lava Jato por corrupção passiva e
lavagem de dinheiro. O petista foi acusado formalmente de receber R$ 3,7
milhões em benefício próprio da empreiteira OAS entre 2006 e 2012. É a primeira
vez que Lula vira réu em processo na 13.ª Vara Federal de Curitiba sob a acusação
de se beneficiar do esquema de corrupção e desvios de recursos da Petrobrás.
Com informações do Estadão Conteúdo.
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