Cheran: a cidade mexicana onde as mulheres expulsaram
policiais, políticos e traficantes
Linda PresslyDe Cherán, BBC News
13 outubro 2016
A população da cidade de Cheran
No México, o crime organizado está por toda a parte, até nos
menores vilarejos - com exceção de uma cidadezinha no estado de Michoacán.
Governada por mulheres locais, a população de Cherán defendeu sua floresta de
madeireiros armados - e aproveitou para já expulsar também policiais e
políticos ao mesmo tempo.
As mulheres se reuniram em segredo para bolar o plano. Elas
estavam fartas dos assassinatos e sequestros que haviam se tornado rotina e
tinham raiva dos homens mascarados que circulavam pela cidade extorquindo
pequenos comerciantes. Além disso, durante mais de três anos elas assistiram,
indignadas, aos caminhões passando um a um carregados de madeira recém cortada
de suas florestas.
Antigamente, os cartéis mexicanos lidavam exclusivamente com
drogas, mas eles diversificaram seu modelo de negócios e hoje tentam dominar
outros setores lucrativos - incluindo a indústria madeireira, a base da
economia de Cherán.
Em 2011, os madeireiros estavam chegando perto da nascente
de água de Cherán. "Estávamos preocupadas", recorda Margarita Elvira
Romero, uma das conspiradoras. "Se você corta as árvores, há menos água.
Nossos maridos têm gado, onde eles beberiam água sem a nascente?"
Um guarda da floresta e o mapa de Cherán (em vermelho) em
Michoacán, México
Um grupo de mulheres foi à floresta tentar dialogar com os
homens armados. Elas foram verbalmente agredidas e perseguidas. A partir daí o
plano evoluiu. Elas sabiam que era muito perigoso confrontar os madeireiros na
floresta perto do manancial, então decidiram que interromperiam a passagem dos
caminhões na cidade com a ajuda dos vizinhos.
No começo do dia 15 de abril de 2011, o "levantamiento
de Cherán", ou o levante, começou. Na estrada que leva à floresta, diante
da casa de Margarita, as mulheres pararam as picapes e levaram alguns dos
madeireiros como reféns.
Ao nascer do dia, quando soaram os sinos da cidade de El
Cavario e rojões explodiram no nascer do dia alertando a comunidade de perigo,
a população de Cherán correu para ajudá-las. Foi tenso - alguns mais
esquentados tiveram de ser contidos e convencidos pelas mulheres de não enforcar
os reféns em uma árvore antiga na frente da casa de Romero.
"Todos corriam pelas ruas com suas facas nas
mãos", diz Melissa Fabian, que na época tinha 13 anos. "As mulheres
estavam correndo para cima e para baixo com o rosto coberto. Você podia ouvir
as pessoas gritando e os sinos tocando sem parar".
A polícia municipal chegou com o prefeito e homens armados
vieram libertar seus amigos reféns. Houve um confronto entre moradores,
madeireiros e polícia. O conflito terminou após um jovem atirar um rojão em
dois madeireiros, que ficaram feridos. E Cherán - uma pequena cidade de apenas
20 mil habitantes - iniciou sua jornada rumo à autonomia.
"Lembrar daquele dia me dá vontade de chorar", diz
Margarita. "Foi como um filme de terror, mas foi a melhor coisa que
poderíamos ter feito".
Margarita Elvira Romero, uma das conspiradoras
do levante
A polícia e os políticos locais foram rapidamente expulsos
da cidade porque a população desconfiava de que eles estariam conspirando com a
rede criminosa. Os partidos políticos foram - e ainda são - banidos sob a
acusação de dividir a população. E cada um dos quatro bairros de Cherán
elegeram representantes para compor um comitê municipal.
Em vários sentidos, Cherán - uma cidade de população
indígena da tribo Purepecha - retomaram suas raízes, a maneira antiga de fazer
as coisas sem depender de forasteiros. Ao mesmo tempo, pontos armados de
patrulha foram instalados nas principais estradas que levam à cidade.
Hoje, cinco anos mais tarde, os pontos de patrulha ainda
existem e são defendidos por membros da Ronda Comunitária, uma milícia ou força
policial local composta por homens e mulheres de Cherán. Todos os veículos que
passam pela localidade são parados e seus ocupantes questionados sobre sua
origem e destino.
A milícia de Cherán treina para um desfile
"Aprendemos muito", diz Heriberto Campos, um dos
fundadores e coordenadores da Ronda Comunitária e cujo apelido é
"Diablo" ("diabo" em espanhol). "Naquele tempo, não
sabíamos de nada sobre uso de armas. Mas agora sabemos como lutar, e se os
criminosos voltarem, estaremos preparados".
O treino da Ronda Comunitária para desfile
Cherán tem sua própria Justiça para crimes menores. Muitos
deles são relacionados a álcool. Em uma manhã de domingo, 18 jovens voltam à
sobriedade atrás das grades na sede da Ronda depois de serem detidos por beber
nas ruas e dirigir alcoolizados.
As penas incluem multas e trabalho comunitário, por exemplo
serviço de gari. Várias infrações são levadas ao procurador-geral, mas no ano
passado não houve sequer um caso de assassinato, sequestro ou desaparecimento.
Jovens na cadeia
Se você mora em algum lugar pouco familiarizado com crimes
violentos, você pode achar isso pouco surpreendente. Porém, Michoacán é um dos
Estados mais sangrentos do México, onde cabeças literalmente rolam em pistas de
boate e granadas são jogadas em praças lotadas.
Em julho, houve mais de 180 homicídios no Estado, a maior
taxa em uma década. E em comunidades próximas a Cherán, a menos de 10
quilômetros de distância, são comuns histórias de assassinatos, extorsões e
sequestros.
"Em Cherán eu me sinto segura porque posso andar nas
ruas à noite e não tenho medo de que algo vá acontecer comigo", diz Melissa,
18 anos, studante de biomedicina em uma universidade próxima a Cherán.
Melissa Fabian, estudante de 18 anos e moradora de Cheran
Não são apenas as ruas de Cherán que são seguras. A floresta
de pinheiros - um mar verde que desce das montanhas até a cidade - foi
destruída pelos madeireiros. Atualmente, o perímetro da cidade é patrulhado
diariamente pelos membros da Ronda.
Os terrenos em Cherán são comunitários - as famílias os
administram mas não têm a propriedade. Sem criminosos, as regras são impostas
com rigor - qualquer um que quiser derrubar uma árvore precisa de permissão das
autoridades.
Homem e cavalo carregam madeira retirada da floresta
Lentamente, a floresta está sendo regenerada. A estimativa é
que mais da metade dos 17 mil hectares de floresta foi devastada pelo crime
organizado. Cerca de 3 mil hectares foram replantados nos cinco anos que se
seguiram ao levante. As mudas foram cultivadas no viveiro florestal da própria
cidade.
Cherán não é completamente independente - ainda recebe
recursos estaduais e federais. Mas sua autonomia como uma comunidade de índios
Purepecha é reconhecida e garantida pelo governo mexicano. O banimento dos
partidos politicos foi aceito pela Justiça, que confirmou seu direito de não
participar de eleições locais, estatais ou federais.
No Estado de Michoacán, Cherán se tornou um oásis de
esperança - sua paz e sua segurança são forte contraste ao medo que ainda
domina as comunidades vizinhas. Então por que prosperou em uma região tão
cruel, ainda que linda? Margarita, Melissa e Heriberto têm a mesma resposta, de
apenas uma palavra: solidaridad ("solidariedade", em português).
Banda da Ronda Comunitária treina para desfile em Cheran
Muitas habitantes de Cherán nasceram na própria cidade. Os
códigos morais ditam que os locais devem casar com locais - há poucas pessoas
de fora. Famílias são grandes e próximas. Todos conhecem todos. E essa é a base
da união da cidade.
Com a violência no México voltando a aumentar, há ansiedade
em Cherán em relação ao futuro, uma preocupação com o retorno dos cartéis.
Outras cidades tentaram copiar o modelo de Cherán, sem o mesmo sucesso.
Melissa está otimista e preparada para ir às ruas defender o
que foi conquistado. "Enquanto houver ao menos uma pessoa que quiser
manter isso, estaremos ao lado dela. Estamos todos orgulhosas porque impedimos
algo e fizemos uma coisa que nenhuma outra comunidade ousou fazer".
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