Para televisão russa, Terceira Guerra Mundial já começou
AFP 13.10.16 - 16h58
1 de 2 O presidente russo, Vladimir Putin, em discurso
em Moscou,
no dia 12 de outubro de 2016 - SPUTNIK/AFP
O cenário de uma Terceira Guerra Mundial é remoto, mas quem
ligar a televisão na Rússia vai se surpreender ao saber que, na verdade, ela já
começou.
Na principal emissora pública do país, o apresentador do
programa estrela do domingo à noite anunciou que as baterias antiaéreas russas
na Síria vão “derrubar” aviões americanos.
O canal de notícias 24 horas Rossia 24 exibiu uma reportagem
sobre a preparação de abrigos antinucleares em Moscou.
Em São Petersburgo, o canal digital Fontanka diz saber que o
governador quer racionar o pão diante de uma futura guerra, embora as
autoridades garantam que a única coisa que estão tentando fazer é estabilizar o
preço da farinha.
Na rádio, debate-se sobre exercícios de “Defesa Civil”, os
quais, segundo o Ministério de Situações de Emergência, mobilizam 40 milhões de
russos durante uma semana. O objetivo: evacuações de edifícios e simulações de
incêndio.
Se o visitante preferir passear pelas ruas de Moscou a ver
televisão, é muito provável que esbarre em um dos imensos grafites
“patrióticos” dos artistas pró-Putin da organização “Set”, que tomam os
prédios. Em um deles, vê-se, por exemplo, um urso – símbolo da Rússia –
distribuir coletes à prova de balas a pombas das paz.
Esse enaltecimento da iminência de uma “Terceira Guerra
Mundial” ganhou cada vez mais espaço com a ruptura, em 3 de outubro, das
negociações entre Washington e Moscou sobre a guerra síria, após o fracasso de
um cessar-fogo negociado em setembro entre as duas potências em Genebra.
Uma ruptura com consequências.
As bombas russas e sírias transformaram Aleppo em um
“inferno na Terra”, segundo a ONU, avivando as críticas dos países ocidentais.
No terreno, o Exército russo mobilizou em sua base naval do
porto sírio de Tartus baterias antiaéreas S-300, artefatos capazes de destruir
caça-bombardeiros. Uma demonstração de força que não é dirigida aos
extremistas, nem aos rebeldes sírios, mas à Marinha e aos aviões americanos.
Confrontação
Em Moscou, onde os jornalistas russos e ocidentais dormem e
acordam com os comunicados do Ministério da Defesa, os veículos de comunicação
plasmam e amplificam o clima de confrontação.
O porta-voz do Exército russo, general Igor Konachenkov,
lança advertências à Casa Branca, ao Pentágono e ao Departamento de Estado dos
EUA.
“Lembro aos estrategistas americanos que os mísseis
antiaéreos S-300 e S-400 que garantem a cobertura aérea das bases russas de
Hmeimim e de Tartus têm um raio de ação que pode surpreender qualquer aeronave
não identificada”, advertiu o general Konachenkov, em 6 de outubro, em uma ameaça
velada aos Estados Unidos.
Na emissora pública Rossia 1, o apresentador Dimitri
Kisilev, que também é chefe da agência de notícias Ria Novosti, resume a
declaração do general Igor Konashenkov para “pessoas comuns, como eu e você”:
“derrubaremos” os aviões americanos.
Em seguida, ele revela o “plano B” dos Estados Unidos na
Síria.
“O plano B é, em linhas gerais, que os Estados Unidos
recorram diretamente à força contra as forças sírias do presidente Bashar
al-Assad e contra a aviação russa”, relata.
“Deve-se temer provocações? Foi assim que os Estados Unidos
entraram em guerra no Vietnã”, conclui Kisilev, advertindo os ocidentais de que
os mísseis estacionados em Kaliningrado, território russo próximo à Polônia,
podem carregar ogivas nucleares.
“A Rússia atual está mais do que preparada, sobretudo
psicologicamente, para a nova espiral de confrontação com o Ocidente”, resume o
cientista político Gueorgui Bovt, em uma tribuna no veículo digital Gazeta.ru.
Bovt avalia os cenários possíveis, levando-se em conta as
dificuldades econômicas da Rússia. No primeiro deles, otimista, as duas
potências “chegam a um acordo sobre novas condições de coexistência, como uma
espécie de Ialta-2”, referindo-se à distribuição das zonas de influência entre
os Estados Unidos e a então União Soviética, após a Segunda Guerra Mundial. O
outro é catastrófico. A Rússia reagirá, partindo da máxima “se não se pode
evitar o confronto, deve-se ser o primeiro a bater”.
Em recente entrevista à Ria Novosti, o último presidente
soviético, Mikhail Gorbachov, alertou que o mundo flerta “perigosamente com a
zona vermelha”.
Há 30 anos, Gorbachov e o então presidente dos EUA, Ronald
Reagan, promoviam o princípio do fim da Guerra Fria.
Na quarta-feira (12), surgiu o primeiro sinal de distensão,
depois de dias de acusações verbais. Moscou anunciou uma reunião internacional
sobre a Síria para este sábado (15) em Lausanne. Visto como uma última chance
de diálogo, o encontro colocará frente a frente, mais uma vez, o secretário de
Estado americano, John Kerry, e o ministro russo das Relações Exteriores,
Serguei Lavrov.
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