Erros em hospitais podem matar mais gente no Brasil do que
câncer
Segundo estimativa, falhas durante internações podem ter
matado até 434 mil pessoas no Brasil no ano passado. Prejuízo com erros pode
chegar a R$ 15 bilhões
Por Talita Abrantes
26 out 2016, 06h00 Atualizado em 01/11/2016
Mulher recebendo tratamento em hospital (Thinkstock/)
São Paulo – Até 434 mil pessoas podem ter morrido em 2015
por erros de atendimento enquanto estavam hospitalizadas nos sistemas público e
privado de saúde no Brasil. É o que estima um estudo inédito da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Instituto de Estudos de
Saúde Suplementar (IESS) que será divulgado nesta quarta-feira durante evento
em São Paulo.
Para chegar a esses dados, a equipe de pesquisadores
extrapolou resultados obtidos em uma pesquisa de grupo para o número de
internações em todos o país.
A constatação: se todos os hospitais do
Brasil tivessem um elevado grau de qualidade e acreditação internacional, o
número de óbitos por problemas hospitalares seria de 104 mil em um ano. Em
condições mais realistas, o número seria de 434 mil mortes.
Isso significa que a cada três minutos, dois brasileiros
podem ter morrido em 2015 por problemas durante a internação,
como erros na aplicação de medicamentos ou infecção hospitalar.
De acordo com o estudo, no primeiro cenário, essas mortes
seriam a quinta causa de óbitos no Brasil. Na perspectiva mais realista, a
primeira ou segunda – à frente das doenças do aparelho circulatório (que
mataram 339.672 pessoas em 2013) ou câncer (que respondeu por 196.954
óbitos em 2013).
Nos Estados Unidos, falhas no atendimento a pacientes
internados são a terceira causa de morte – atrás das doenças cardiovasculares e
câncer. Das 421 milhões de internações que ocorrem no mundo, pelo menos, 42,7
milhões apresentam um evento adverso (falhas de processo durante a
hospitalização que poderiam ser evitadas).
“A culpa por esses eventos adversos raramente é de uma só
pessoa. A origem, geralmente, está na organização do trabalho”, afirma Renato
Couto, professor da Faculdade de Medicina da UFMG e um dos autores do estudo.
Estima-se que 60% dessas falhas poderiam ser prevenidas.
Transparência
O problema por aqui é a falta de transparência que pauta o
processo. No Brasil, os hospitais não são obrigados a divulgar indicadores de
qualidade, como tempo de internação ou número de mortes decorrentes de
infecções hospitalares, por exemplo.
“Em qualquer sistema de saúde desenvolvido, essa divulgação
é pública. Assim como qualquer empresa de capital aberto tem que mostrar sua
demonstração financeira, é preciso ter transparência sobre os indicadores de
segurança e qualidade”, afirma Luiz Augusto Carneiro, superintendente-executivo
do IESS.
Eficácia
Além da falta de transparência, hospitais pouco eficientes –
e com elevados índices de eventos adversos – podem ser beneficiados pelo
método de pagamentos que vigora no Brasil. Hoje, segundo o estudo, o modelo de
compra de serviços hospitalares na saúde suplementar remunera o procedimento
realizado e não o resultado gerado. Fato que pode favorecer estabelecimentos
que mantém pacientes por mais tempo internados, por exemplo.
Suponha que uma pessoa é internada para tratar uma
pneumonia, mas acaba contraindo uma infecção hospitalar e, portanto, precisa
mais passar mais tempo hospitalizado. Em vez de ser punido por não ter
prevenido o quadro de infecção, o hospital ganha mais exatamente pelo tempo a
mais que o paciente teve que ficar por lá. “A falta de o e esse
modelo de remuneração é uma qualidade explosiva que transforma a saúde em uma caixa
preta”, diz Carneiro, do IESS.
Um modelo de pagamento comum em outros sistemas é o
pagamento por diagnóstico e por performance. Por meio dessas modalidades, cada
diagnóstico e risco têm um preço definido pelas operadoras e “se o paciente
tiver alguma piora até o desfecho, o prestador do serviço recebe menos”, diz o
especialista.
Para evitar manobras para melhorar os indicadores, como dar
alta para pacientes que deveriam continuar hospitalizados, esse sistema pode
penalizar os hospitais em casos de novas internações em até 30 dias devido a
complicações – já que isso pode denotar que o problema não teria sido resolvido
em um primeiro momento. Na rede pública, segundo Carneiro, tal método
poderia ser utilizado para alocar mais recursos em hospitais com maior
produtividade ou com especializações mais complexas, como é feito no sistema
português.
O estudo estima que, por ano, o sistema de saúde
complementar perca entre 5,19 bilhões e 15,57 bilhões de reais com esses
problemas decorrentes de erros de processo em hospitais. “O caro em medicina é
o que a gente não consegue entregar”, afirma Couto.
FONTE: http://exame.abril.com.br/
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