Globo tirou Moro pra dançar, e os dois miram em blogueiro
pra pegar Lula
24 de março de 2017
O JN dera o recado, dois dias antes: não abuse,
querido! Moro se ajoelhou, na contra-dança da hipocrisia: meu alvo é só o
blogueiro; não tocarei no sagrado sigilo da fonte. E a Globo então
voltou à carga. Agora, sim, à vontade para atacar Eduardo Guimarães. E chegar
em Lula.
Por Rodrigo Vianna
Vamos recuperar os fatos.
Terça-feira (21 de março), o juiz Moro manda a PF bater à
porta do blogueiro Eduardo Guimarães. Acontece a famigerada “condução
coercitiva”: sem jamais ter sido intimado antes nesse processo, sem jamais ter
se recusado a depor, Eduardo é arrastado de casa num camburão.
Presta
depoimento sem a presença de advogado. E é intimidado pela PF que, a mando do
juiz Moro, quer saber:qual foi a fonte que passou a ele, Eduardo, a informação
de que Lula seria vítima da etapa de número 24 da Lava-Jato? Eduardo avisou Lula
ou assessores dele?
No mesmo dia 21 de março de 2017, milhares de pessoas se
mobilizam e denunciam a ação autoritária do juiz de camisas negras. O
sigilo da fonte é garantia constitucional! Mas Moro alega que Eduardo não é
jornalista, e por isso não teria direito a tal proteção.
Parêntesis: em 26 de fevereiro de 2016, Eduardo publicara em
seu conhecido blog um texto em que revelava ter recebido informações de dentro
da Lava-Jato, dando conta de que Lula e família seriam alvo de operação. Dia 4
de março, Lula sofre condução coercitiva, confirmando a informação publicada
por Eduardo.
O blogueiro cumprira papel de jornalista, adiantando a informação
em alguns dias. E isso mesmo sem ganhar a vida como jornalista. Mas Moro
resolve fustigá-lo, abalando dois pilares da democracia: o sigilo da fonte e a
livre expressão.
Ricardo Noblat, Reinaldo Azevedo, André Forastieri, Kennedy
Alencar, Bob Fernandes e outros jornalistas conhecidos (alguns deles sem
nenhuma afinidade ideológica com Eduardo) se manifestam contra a ação abusiva
do juiz de camisas negras. Da mesma forma o fazem a organização Repórteres sem
Fronteiras, o enviado da OEA para Liberdade de Expressão e o prestigiado site
internacional The Intercept.
Publicam-se críticas duras a Moro, o juiz inquisidor. Mais
que isso: o Brasil e o mundo percebem que Moro usara sua função pública para se
vingar de um blogueiro que é crítico ferrenho da Lava-Jato e que mantem com
Moro duros contenciosos – no CNJ e na Justiça Federal.
Mas o fato mais importante: na terça à noite (dia 21 de
março), a Globo noticia a prisão arbitrária de forma surpreendente. Ao
invés de escrachar Eduardo (como fizera com outros presos da Lava-Jato), a
emissora publica uma longa “nota pelada” (nome técnico para notícia de TV lida
pelos locutores, sem imagem) em que dá tempos semelhantes às justificativas de
Moro e às criticas contra a ação dele.
O recado da Globo foi claro: “você, juiz de primeira
instância, ultrapassou os limites ao prender alguém para que revele suas
fontes”.
Moro piscou. Dois dias depois, quinta-feira (23 de março) o
juiz publicou uma decisão pusilânime: tentou se justificar, ressaltando que
Eduardo entregou as fontes para os interrogadores da PF, sem ter sofrido
grandes pressões, o que denotaria que ele “não é um verdadeiro jornalista”.
Mesmo assim, o juiz se mostrou arrependido e mandou que dos computadores e dos
celulares apreendidos de Eduardo não se extraiam provas que ajudem a quebrar o
sagrado sigilo da fonte.
Touché!
A decisão não significou que Moro reconheceu o erro. Mas que
ele se ajoelhava para a Globo.
O JN dera o recado dois dias antes: não abuse, querido!
Moro devolveu, na contra-dança da hipocrisia: meu alvo é só
o blogueiro (e através dele espero chegar em Lula), mas não tocarei
no sagrado sigilo da fonte (até porque, cá entre nós, já imaginou se a
Policia mostrar as conversas de Merval, digamos, com Serra, ou os acertos da
família Marinho com um Gilmar Mendes?).
Moro se ajoelhou. E então a Globo, nesta quinta (dia 23),
voltou à carga. Agora, sim, à vontade para atacar Eduardo Guimarães.
A reportagem do JN nesta quinta foi amplamente favorável à
Lava-jato, dando a entender que o blogueiro é parte de uma trama maquiavélica
contra a Justiça.
De forma abjeta, o JN cita até um “relacionamento amoroso”
entre a auditora fiscal (que seria a responsável primeira pelo vazamento) e um
jornalista de Curitiba – que por sua vez teria repassado toda a papelada a
Eduardo em São Paulo.
Qual a relevância de falar do “relacionamento amoroso”, a
não ser um constrangimento? O policial ou procurador que passou essa informação
adiante sabe bem o efeito que ela pode ter entre os acusados.
Está claro que Moro não recuou coisa nenhuma diante da
reação dos jornalistas. Ele só se ajoelhou à Globo, a quem presta reverência.
E o mais grave: ele reconhece que errou ao avaliar que
Eduardo não teria direito a sigilo da fonte. Mas faz isso depois de ter
quebrado o sigilo telefônico de Eduardo, justamente para localizar as fontes (a
auditora e o jornalista de Curitiba).
Moro age, portanto, com cinismo. E a Globo acata essa dança
hipócrita. Mais do que acatar, a Globo é quem comanda a dança.
Mas o juiz pode ter arrumado confusão.
Eduardo devolveu hoje, narrando de forma minuciosa a maneira
intimidatória como foi preso e interrogado – sem que se
permitisse a ele o acompanhamento de um advogado. E mais: ao prender Eduardo,
Moro na verdade já sabia quem teriam sido as fontes – porque quebrara o sigilo
telefônico do blogueiro.
Ou seja: Moro hipocritamente reconhece que Eduardo tem direito
a sigilo da fonte, e por isso manda que se expurguem dos autos provas que
ameacem tal sigilo. Mas esse reconhecimento vem depois que o juiz já cometeu a
ilegalidade: quebrou o sigilo telefônico de Eduardo atrás da fonte.
Moro fez isso com um blogueiro. Amanhã pode fazer com
qualquer um.
A figura de Moro, como juiz medieval, começa a correr o
mundo. Com suas camisas negras, ele age não como magistrado, mas como parte da
acusação.
O objetivo, já que fracassaram as investigações ridículas do
pedalinho e do tríplex, é acusar Lula de obstrução da justiça e destruição de
provas (com ajuda de Eduardo).
Chega a ser ridículo. O ex-presidente precisaria do alerta
de um blogueiro para destruir provas (se esse fosse o caso)? Mais que isso:
Eduardo noticiou a possibilidade de quebra de sigilo fiscal de Lula e família.
Que prova poderia ser destruída, se tal sigilo diz respeito a informações
armazenadas em arquivos públicos da Receita sobretudo?
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