BBC mostra que Cunha barrou todos projetos de Dilma e a
impediu de governar para derruba-la, desde que virou Presidente da Câmara
July 1, 2017 Atualizado em 06/08/2017
A partir de 2013, o governo Dilma Rousseff sofreu uma série
de reveses que levaram a presidente, antes com a popularidade nas alturas, a
obter uma vitória apertada na disputa pela reeleição e, em seguida, à pior
crise no Planalto desde o governo Fernando Collor.
Embora sejam vários os fatores que colocaram a petista na
complicada posição atual – prestes a possivelmente ser afastada para sofrer um
processo de impeachment –, teve imenso peso a oposição ferrenha feita pelo
deputado Eduardo Cunha, parlamentar do maior aliado do governo até então, o
PMDB.
Principal artífice do atual processo de impeachment, antes
mesmo de assumir a presidência da Câmara, em fevereiro de 2015, Cunha já era
visto como um aliado, digamos, não tão aliado assim.
O histórico, amplamente
divulgado pela imprensa, não mente: o deputado foi o pivô das piores
insurgências da base aliada no momento em que Dilma teoricamente ainda tinha
maioria no Congresso.
Alçado ao comando da Casa, Cunha se tornou um dos políticos
mais poderosos do país em seu terceiro mandato como deputado federal. E, diante
de seu notório conhecimento do regulamento interno da Câmara, imprimiu um ritmo
poucas vezes visto de votação, ao mesmo tempo em que fez uso de todo o seu
poder de escolher o que colocar na pauta, e o que deixar “na gaveta”.
Em entrevista à BBC nesta quarta, antes de o ministro Teori
Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, decidir pelo afastamento do parlamentar
não só da presidência da Câmara como do mandato de parlamentar, Dilma o acusou
de usar esse poder para impedir “o país de aprovar as reformas necessárias para
sair da crise”.
Além disso, criticou ainda o que chamou de “espécie de
complacência” da sociedade brasileira com o peemedebista: “O responsável pela
aceitação e colocação do processo de impedimento que me atinge é uma pessoa
denunciada pública e notoriamente, com contas no exterior, com acusações de
lavagem de dinheiro das mais variadas.
E ele tem acusações há mais tempo que o
meu processo de impeachment”, disse a presidente.
Em seguida, acrescentou que o processo de impeachment foi
“detonado” por Cunha após o PT decidir, em dezembro passado, votar contra ele
no Conselho de Ética da Câmara, que analisa um pedido de cassação contra o
parlamentar.
Direito de imagemAG. BRASIL
Image caption Cunha acolheu pedido
de impeachment contra Dilma
Essa crise, porém, não nasceu em 2015.
Seu início, ao menos
público, remonta, não coincidentemente, a 2013, ano em que tudo começou a dar
errado para Dilma.
Relembre os principais momentos:
Insurgência e concessões
Líder do PMDB na Câmara, Cunha foi o principal opositor, em
2013, à medida provisória que redefiniu as regras para o setor portuário.
Acusado de atender a interesses empresariais, ele queria mudanças no texto,
como permitir a renovação de concessões em portos públicos assinadas após 1993.
O tema consumiu longas e tensas sessões no Congresso. Para
aprovar a MP, o governo teve, em parte, de ceder às reivindicações da rebelião
na base aliada liderada pelo deputado.
O caso, porém, não parou aí: Dilma vetou alguns dos pontos
incluídos na Câmara, provocando a fúria de Cunha.
Ele saiu do episódio
criticando duramente a articulação do governo na casa.
Direito de imagemLUIS MACEDO L AG. CAMARA
Image caption Parlamentar
começou a ter destaque nacional ao enfrentar o governo na votação da MP dos
Portos
Motim na base
Após a barulhenta experiência ocorrida na MP dos Portos,
Cunha organizou em pleno 2014, ano de disputa presidencial, um bloco com
parlamentares de partidos aliados e da oposição que passou a atuar contra
propostas defendidas pelo Planalto.
Para aprovar algumas delas, o governo teve de fazer
concessões tanto nos textos em si como ao liberar verbas para emendas dos
congressistas no Orçamento.
Não foram poucos os bate-bocas, pela imprensa, entre Cunha e
petistas. O deputado chegou a defender publicamente que o PMDB rompesse com o
partido da presidente.
A corrida pela Câmara
Devido ao protagonismo alcançado nos anos anteriores, era
claro entre os deputados o favoritismo de Cunha para assumir a presidência da
Câmara em 2015 – também contou o fato de ele ser visto como um defensor de
iniciativas pró-parlamentares.
Direito de imagemRODOLFO STUCKERT L AG.
CAMARA Image captionDeputado
venceu queda de braço com o PT e provou sua força ao se eleger presidente da
Câmara
Sentindo as dores de cabeça que vinham por aí, o governo
partiu para uma arriscada tentativa de evitar sua vitória.
Surgiram relatos de
que ministros usaram a negociação de cargos para pressionar deputados aliados a
votarem no petista Arlindo Chinaglia (PT-SP) para mesma cadeira.
Além de piorar ainda mais a relação entre governo e Cunha, a
estratégia não deu certo: o peemedebista foi escolhido com folga.
Com o poder nas mãos
Não foram poucas as derrotas sofridas pelo governo na Câmara
sob o comando de Cunha.
O peemedebista levou ao plenário, por exemplo, a PEC da
Bengala, na gaveta desde 2005, que permite à cúpula do Judiciário se aposentar
aos 75 anos, e não aos 70.
Aprovado, o texto retirou de Dilma a certeza de que
indicaria ao menos mais cinco ministros do STF durante seu segundo mandato.
Direito de imagemAG. BRASIL
Image caption Rompimento com
Dilma, para muitos, foi apenas protocolar:
Cunha já atuava como opositor
E vieram mais derrotas.
Contra o governo, Cunha conseguiu a
aprovação, por exemplo, de uma proposta de redução da maioridade penal, por
exemplo.
Enquanto as investigações da Operação Lava Jato o implicavam
cada vez mais, ele rompeu oficialmente com o governo, em julho.
No início do
mês, autoridades da Suíça afirmaram ter bloqueado US$ 5 milhões em contas do
deputado e seus familiares no país, alimentando mais pedidos por sua saída.
Sua estratégia foi partir para o ataque: o parlamentar
afirmou ser alvo de perseguição do governo por meio do procurador-geral da
República, Rodrigo Janot.
Ele sempre negou ser titular das contas no exterior, algo
que chegou a dizer inclusive à CPI da Petrobras. Para partidos como PSOL e a
Rede, Cunha mentiu à comissão e Cunha deve perder o mandato por isso – o que
ele também refuta ao sustentar ser apenas ser o beneficiário de um trust
(entidade criada para administrar bens de terceiros).
O processo segue até hoje em lenta tramitação no Conselho de
Ética da Câmara.
Ele e seus muitos aliados na Casa, e no próprio colegiado, têm
lançado mão de uma série de medidas protelatórias, inclusive com tentativas de
anular a tramitação.
Direito de imagemGETTY
Image caption Cunha é um dos principais
acusados no escândalo de corrupção na Petrobras
Dono de suspense – e do martelo
Nos meses seguintes, enquanto as investigações da Lava Jato
avançavam ainda mais contra Cunha e se aproximavam do Palácio do Planalto, o
deputado adotou um clima de suspense em torno de aceitar ou não um pedido de
impeachment contra Dilma Rousseff.
Segundo o noticiário político, nos bastidores ele cortejava
o governo e a oposição com o objetivo de tentar preservar seu mandato.
Publicamente, fazia várias críticas à gestão federal e acumulava encontros com
representantes de movimentos favoráveis ao afastamento da petista.
Tudo isso durou até dezembro, quando os protestos que pediam
a saída de Dilma haviam arrefecido e o tema tinha, de certa forma, perdido
destaque.
Foi então que, em meio à expectativa sobre o Conselho de
Ética da Câmara aceitar ou não abrir um processo contra ele, Cunha convocou
jornalistas para anunciar que havia aceito o pedido de impeachment apresentados
pelos advogados Janaina Paschoal, Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr.
O deputado sempre negou ter agido por vingança, mas aliados
da presidente, e mesmo ela própria, afirmam que ele tomou a medida porque o PT
havia decidido votar contra ele no colegiado – o que de fato acabou ocorrendo.
Essa é, aliás, uma das linhas de defesa de Dilma: a de que
houve “desvio de finalidade” por parte de Cunha ao usar seu cargo para se
“vingar” do governo.
A cara do impeachment na Câmara
Desde o início, Cunha deixou claro o lado em que estava no
processo de impeachment.
O processo foi paralisado pelo STF, após pedidos de
parlamentares governistas, ele tomar uma série de medidas que desfavoreceriam
Dilma, como a eleição de uma chapa avulsa, sem o aval dos líderes de cada
partido, para a Comissão Especial que analisaria o pedido de afastamento na
Casa.
Quando a corte deliberou sobre as questões contestadas,
Cunha entrou com recursos que fizeram com que a tramitação ficasse paralisada
até março.
O que se viu em seguida foi um processo célere.
O deputado,
com certa antecipação, marcou a sessão em que os deputados decidiriam por
autorizar o processo contra a presidente para um domingo, aumentando sua
visibilidade.
Em seu voto na sessão, na qual Dilma foi derrotada por 367 a
137 votos (eram necessários 342 para o impeachment avançar), o peemedebista
disparou: “Que Deus tenha misericórdia desta Nação, voto sim”.
Saída (pelo menos até o momento) da presidência da Câmara
Apenas os aliados mais próximos de Cunha defendiam sua
permanência na presidência da Câmara.
Entre governo e oposição, e vários
setores da sociedade, o sentimento era de que ele não tinha mais condições de
comandar a Casa.
Seguidas pesquisas Datafolha mostraram que cerca de 80% dos
brasileiros defendiam sua cassação.
O deputado, porém, sempre refutou a ideia de renunciar à
cadeira.
O STF, por exemplo, deveria analisar se ele, réu da Lava Jato, poderia
assumir a Presidência da República na ausência de Michel Temer, que deve
substituir interinamente Dilma já na semana que vem.
Caso Temer assuma, o presidente da Câmara se torna o segundo
na linha sucessória do país.
A decisão de Teori será levada a plenário no STF. Ela se
baseia em um pedido da Procuradoria-Geral da República, para quem o deputado
usa o cargo para atrapalhar investigações contra si.
Tratando-se de Eduardo Cunha, difícil prever qual será o fim
da história.
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