Quem
prevaricou foi Moro, não Favreto: juristas explicam por quê
Publicado
por Diario
do Centro do Mundo 13 de julho de 2018
PUBLICADO
ORIGINALMENTE NO PORTAL
VERMELHO
A tese de
“prevaricação” foi lançada pela grande mídia como argumento para desqualificar
a decisão de Favreto.
Segundo a procuradora, o desembargador foi “movido por
sentimentos pessoais” quando mandou soltar o ex-presidente Lula, no domingo
(8).
Ela diz que a atuação do desembargador consistiu num episódio atípico e
inesperado que produziu efeitos nocivos sobre a credibilidade da justiça e
sobre a higidez do princípio da impessoalidade, que a sustenta.
No entanto,
na peça de 21 páginas produzida e apresentada por Dodge ela omite totalmente a
atuação do juiz Sergio Moro, da 13º Vara Federal de Curitiba, que sem
competência para agir, pois era o juiz de primeiro grau e de férias em
Portugal, atuou para impedir a execução da decisão, afrontando a hierarquia do
Supremo e fabricando o impasse.
Moro, que
não tinha qualquer jurisdição no caso porque o processo já estava em segunda
instância, decidiu que não devia ser cumprida a decisão do desembargador
Favreto e mais: orientou a Polícia Federal a não cumprir.
Para o
ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, José Norberto Campelo, admitir
que um juiz de primeiro grau imponha sua vontade pessoal em detrimento de uma
decisão judicial proferida por órgão superior “é algo muito grave que jamais
poderá ser admitido”.
“Órgão
inferior na estrutura do Judiciário não tem nenhum poder de revisão ou crítica
das decisões proferidas por órgão superior, cabendo-lhe apenas o cumprimento, a
não ser que haja absoluta impossibilidade material, o que deve ser informado ao
prolator da decisão, motivadamente”, afirmou Norberto.
Ele aponta
ainda que o impasse gerou “de modo esdrúxulo” duas decisões no mesmo habeas
corpus, sendo uma por Favreto, desembargador plantonista e único competente
para atuar durante o plantão, e outra pelo desembargador-relator Gebran Neto,
neste caso a quem seria dirigido o pleito logo no primeiro dia útil após o
plantão.
“Ocorre que
a jurisdição pertencia ao plantonista até o término do seu plantão e, portanto,
mesmo sendo o prevento para apreciar o pedido no expediente normal, decidindo o
feito ainda durante o plantão, usurpou da competência do magistrado
plantonista”, explica o advogado, apontando que para manter Lula preso, o
desembargador atropelou o processo e a competência.
“Tenho para
mim que sua decisão [do desembargador Gebran] é ato inexistente, porque
proferido em momento em que não dispunha de competência para fazê-lo.
Essa
decisão se constitui em ilegalidade grave e patente e não poderia jamais ser
praticada, mesmo que o objetivo fosse a ‘correção’ de um ‘erro’ cometido pelo
desembargador plantonista”, frisou.
Segundo ele,
a sequência de atropelos feitos para barrar a decisão do desembargador Favreto,
inédita no Brasil, “criou sérias dificuldades para o tribunal, que não a queria
cumprir”.
Na decisão de Favreto, ele fundamenta que, no habeas corpus levado a
ele, foi apresentado um fato novo:
Lula havia se declarado oficialmente
pré-candidato à Presidência da República.
Como seus direitos políticos não
estavam suspensos e a prisão o impedia de exercer sua pré-candidatura, Favreto
mandou soltá-lo.
“Favreto não
pode ter um pensamento jurídico diferente do juiz da Lava Jato?”,
questionou a
deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), em discurso na tribuna da Câmara
nesta quarta-feira (11).
“O juiz Favreto continuará tendo o nosso apoio porque
ele não agiu politicamente, mas a partir de sua visão constitucional e jurídica
e tem o direito de tê-la.
Não há um pensamento único na justiça, mas o
pensamento da lei e da Constituição”, argumentou.
Para Dodge,
o desembargador não tinha competência para praticar os atos que desrespeitaram
a ordem jurídica, pois “pautou-se em premissas notoriamente artificiais e
inverídicas”.
Sem
fundamento para acusar Favreto
Desde o
domingo, diversos juristas, advogados e professores de Direito têm abordado o
assunto e a grande maioria aponta que a decisão de Favreto é subjetiva, ou
seja, depende da convicção de cada um e como o desembargador estava exercendo a
sua competência como juiz da causa, o máximo que se pode apontar é um erro.
Por
outro lado, não há dúvida de que a conduta de Sergio Moro e do desembargador
relator João Gebran Neto violou a competência do magistrado com interesse de
manter Lula preso.
O professor
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Afranio Silva Jardim,
considerado no mundo acadêmico como um dos mais importantes processualistas
penais brasileiros, disse em entrevista ao Portal Vermelho que a
acusação de prevaricação não se sustenta.
“Isso
dificilmente pode ser aplicado ao ato jurisdicional na medida em que a decisão
do desembargador Favreto pode ser questionada como todas as decisões jurídicas.
A decisão não é ilegal e ele tinha competência, não tenho dúvida.
Quem não
tinha competência para praticar nenhum ato processual era Sergio Moro e Gebran.
Decidir se ele julgou certo ou errado é uma questão de mérito”, afirmou Afranio,
destacando que o fato de um juiz errar no mérito não quer dizer que esteja
prevaricando.
O jurista
lembrou que a reforma de decisões é ato comum do sistema judiciário.
“Inúmeras
sentenças e decisões de juízes são reformadas pelos tribunais e nem por isso
quer dizer que o juiz que teve a sua sentença reformada tenha prevaricado”,
advertiu.
“Agora, acho razoável dizer que Gebran e Sergio Moro prevaricaram
porque foram formalmente ilegais, na medida em que os atos que praticaram
estavam totalmente fora da sua competência porque um estava de férias e outro
estava de folga em casa.
Favreto tinha competência de mérito”, completou.
Sobre a
acusação da mídia e encampada por Dodge de que os deputados Paulo Pimenta (RS),
Paulo Teixeira (SP) e Wadih Damous (RJ), este último ex-presidente da OAB-RJ,
autores do pedido de habeas corpus, orquestraram com Favreto a ação para
libertar Lula, Afranio também considera que é um argumento sem fundamento.
Até um
estagiário de direito sabe que é normal advogados esperarem o plantão de um
determinado juiz que que lhe parece mais favorável para pedir as medidas de
urgência ou cautelares.
“É muito comum e uma estratégia da advocacia que não é
ilegal nem antiética. Todo advogado faz.
Estando o Moro de plantão, a direita
iria postular e a esquerda não”, ironizou Afranio.
A tese da
Rede Globo é apenas baseada na trajetória de vida do desembargador que ocupou
cargos em gestões petistas na Prefeitura de Porto Alegre e nos governos dos
ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff.
“É notório as estreitas ligações
afetivas, profissionais e políticas do desembargador com o réu.
Assim, ele
determinou a soltura sem ter jurisdição no caso, apenas com a finalidade de
satisfazer interesses pessoais”, concluiu Dodge.
Segundo
Afranio, há diversos juízes, desembargadores e até ministros com relações
estreitas com lideranças de partidos políticos e até mesmo com filiações antes
de ocuparem o cargo.
“O ministro Alexandre de Morais, até pouco tempo, era do
PSDB, foi secretário de Segurança de São Paulo, ministro da Justiça no governo
de Michel Temer.
Está vinculado politicamente”, citou o professor para
demonstrar que apesar dessa relação, o ministro com estreitas relações com o
tucanato não tem suas decisões colocadas sob suspeita.
“O Paulo
Brossard, que foi um bom ministro do Supremo, era um político filiado a
partido.
Assim como o ministro Nelson Jobim, que foi do MDB e ocupou a Presidência
do Supremo.
É normal pois, evidentemente, quem indica os ministros e
desembargadores são pessoas da esfera política. Faz parte do jogo de poder e é
da democracia.
Donald Trump, por exemplo, escolheu um ministro conservador para
a Suprema Corte norte-americana.
Ele iria escolher alguém ligado aos
democratas?
Jamais”, argumentou o professor, que lembrou que o pai de Thompson
Flores, atual presidente do TRF-4, foi ministro do Supremo e escolhido por suas
opções políticas.
Quando
pedimos para Afranio comparar as condutas de Moro e Favreto, o jurista aponta
que são notórias as violações e abusos cometidos pelo juiz de primeiro grau de
Curitiba.
“Se há alguma aparente tipicidade nas hipóteses na atuação vamos
encontrar em relação à atuação já notória do juiz Sergio Moro, dando
publicidade a gravações que estavam sob sigilo, gravações privadas que não
tinham interesse processual, gravações feitas depois do tempo permitido e em
escritórios de advocacia”, lembrou.
Afranio
demonstrou que não tem expectativa de que o atual sistema judiciário venha
corrigir os que ele classifica como “notórios absurdos”.
“Estamos numa linha de
desespero, porque a própria comunidade acadêmica tem se posicionado, mas nada é
eficaz.
Com esse Judiciário e Ministério Público Federal que temos – que
não ouvem e não querem ouvir – parece que as vias institucionais estão
cada vez mais se fechando e isso é perigoso para a democracia”, avalia.
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