SUED E
PROSPERIDADE
30/10/2020
Como Os
Milicianos Tomaram A República
Celeste Silveira 30 de outubro de
2020
Bruno Paes
Manso já estava na reta final de “A Guerra: A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime
no Brasil” (Todavia, 2018), livro que escreveu com Camila Nunes Dias, quando a
vereadora carioca Marielle Franco foi morta, em março de 2018.
O livro,
construído partir de entrevistas com autoridades penitenciárias e policiais,
além de lideranças do PCC e de associações comunitárias, pretendia ser um
alerta para os pressupostos da política de segurança pública que, na previsão
dos autores, daria as cartas em Brasília com a estreia do ex-governador Geraldo
Alckmin no Palácio do Planalto.
O livro se
tornaria uma referência incontornável nos estudos sobre o crime organizado no
Brasil. Mostrou como a política de encarceramento em massa de São Paulo, aliada
aos arranjos que preservavam a capacidade de gerência da cúpula da organização
criminosa, embasavam a prolongada trégua nos índices paulistas de homicídio.
Um mês depois de seu lançamento, porém, Bruno Paes Manso sentiu-se atropelado pela história.
Vítima de um atentado em Juiz de Fora, o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, acabaria catapultado à Presidência da República. Com a eleição de Bolsonaro, o autor concluíra que precisava começar a pensar em outro livro.
Desta vez, para contar como a cultura da violência miliciana, travestida em
apelo da lei e da ordem, havia se transformado na expectativa majoritária de
redenção do eleitorado nacional.
O resultado,
“A República das Milícias: dos Esquadrões da Morte à Era Bolsonaro” (Todavia,
2020), repete a fórmula de “A Guerra”, com entrevistas em profundidade com
chefes da milícia e do tráfico, autoridades policiais, lideranças comunitárias,
estudiosos de segurança pública e uma sensibilidade aguçada para distinguir a
evolução que moldara as comunidades do Rio em contraposição àquelas da
periferia de São Paulo, que percorre há mais de duas décadas como jornalista e pesquisador
do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Até então, sua incursão de mais fôlego no Rio havia sido durante a cobertura que fizera, para “O Estado de S. Paulo”, da intervenção policial no Morro do Alemão durante o governo Sérgio Cabral, em 2007.
Nas pesquisas para o livro foi descobrindo um
clientelismo que, ao contrário daquele que observara em São Paulo, não havia
enfrentado a concorrência do sindicalismo industrial ou das comunidades
eclesiais de base da Igreja Católica. É ao entrar em Rio das Pedras, na zona
Oeste do Rio, que o autor encontra a chave para entender o fenômeno exportado
para o resto do Brasil com a eleição de 2018.
Fora da caixinha dos estereótipos, encontra uma comunidade em tudo diferente da Copacabana decadente em que costumava se hospedar.
uma comunidade
barulhenta, jovem, com letreiros chamativos a anunciar de médicos a lojas de
lingerie e restaurantes de sushi. A pujança mostrava o dinheiro posto em
circulação pelas milícias, que, em parceria com a polícia, se tornara donas de
parte dos negócios despojando receita do poder público e das grandes empresas
de gás, luz, transporte e internet sem precisar desperdiçar com armamentos como
nas favelas comandadas pelo tráfico.
A comunidade
é parte da jurisdição do 18º Batalhão da Polícia Militar do Rio, o mesmo em que
o sargento Fabrício Queiroz e o capitão Adriano da Nóbrega se conheceram. O
livro reconstitui a ficha criminal que construíram juntos sob a proteção da
família Bolsonaro e do Tribunal de Justiça do Rio.
Bruno Paes
Manso descreve uma Rio das Pedras marcada pelo coronelismo dos imigrantes
nordestinos, apesar de o primeiro chefe local se chamar Octacílio Bianchi e o
maior beneficiário político da propagação de seu modelo de empreendedorismo ser
um paulista de Eldorado que levou seus modos bandeirantes para a Presidência da
República.
Foi 1964 que deu às comunidades milicianas seu DNA. Com o golpe, a violência e a tortura policial se aproximaram dos porões da ditadura e, juntos, enterraram a utopia de nação que o Rio encarnava, com a sofisticação da bossa nova e a genialidade do samba de morro.
O livro escolhe o capitão do Exército Aílton Guimarães Jorge,
cadete da Academia Militar das Agulhas Negras em 1962, como símbolo da aliança
entre bicheiros e policiais endossada pelo regime.
Guimarães era protegido de oficiais envolvidos com o terrorismo de Estado que marcaria a derrocada do regime. Com o planejamento de explosões em Agulhas Negras e numa adutora da capital fluminense, o capitão Jair Bolsonaro se filiaria a esta linhagem.
Com a abertura, a entrada do insubordinado capitão na política se
daria pela legitimação dos crimes da polícia. “Em vez de lutar pela defesa da
pátria, a polícia passou a matar além do limite em nome do ‘cidadão de bem’”,
diz Bruno.
As milícias,
porém, não se beneficiaram apenas da proteção e das condecorações dos
Bolsonaro, mas da vista grossa que lhe fizeram todos os governantes do Rio, de
Leonel Brizola a Moreira Franco, passando pelo ex-prefeito Cesar Maia, que fez
de Rio das Pedras um curral de votos para a eleição do seu filho, Rodrigo, hoje
presidente da Câmara dos Deputados.
Com as Unidades de Polícia Pacificadora, instaladas pelo ex-governador Sérgio Cabral, o tráfico foi expulso da zona sul, para limpar o cenário da Copa e da Olimpíada. Nesse período, também se espraiaram as associações entre traficantes e milicianos.
Esta sociedade prosperou com o propósito de combater o Comando
Vermelho, organização nascida no presídio de Ilha Grande do convívio entre
presos comuns e políticos na década de 1970.
A explosão da violência causada por esses conflitos e a busca do governo Michel Temer por uma marca positiva levou à intervenção militar no Rio, marcada, logo no seu primeiro trimestre, pelo assassinato de Marielle Franco. Bruno Paes Manso levanta as hipóteses para o crime sem cravar em nenhuma delas – provocação aos militares para mostrar quem manda no Rio, reação às denúncias da vereadora contra a violência policial e retaliação ao então deputado estadual, hoje na Câmara dos Deputados, Marcelo Freixo.
O deputado teve uma atuação desabrida na
Assembleia Legislativa, da CPI das Milícias aos esquemas, comandados pelos
caciques locais do MDB, de distribuição de propinas de empresários de
transportes.
A única aposta do autor é no poder do jogo de dissimulações envolvidas, que passa até mesmo por telefonemas forjados entre suspeitos que se sabiam grampeados para incriminar inimigos.
Foi a reação de um deles, Orlando Curicica, miliciano preso por homicídio e associação criminosa, que levou à prisão de Élcio Queiroz e Ronnie Lessa.
A partir dos relatórios a que teve acesso, Bruno Paes Manso
descreve as manobras contra a elucidação do crime que ruma para mil dias sem a
prisão de seus mandantes.
A chegada ao
Palácio da Guanabara de Wilson Witzel, outro paulista emigrado para o Rio pelo
sonho de uma carreira nas Forças Armadas, reincorpora à polícia civil e
militar, com status de secretarias, personagens afastados desde os governos
Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão.
A queda de Witzel, que, de aliado, virara desafeto da família Bolsonaro, e a posse do vice, Claudio Castro, promove alguns desses personagens. Alan Turnowski, por exemplo, passa de braço direito a secretário de Polícia Civil, com o apoio da família do presidente da República.
Em outro depoimento de Curicica ao qual o
repórter Allan de Abreu, da revista “Piauí”, teve acesso, Turnowski e o atual
secretário da Polícia Militar, Rogério Figueredo, são detalhadamente acusados
de ligação com as tiranias paramilitares que ocupam a cidade. Ambos negaram as
imputações à revista.
O pacote de rearranjos acordados entre o novo governador do Rio e os Bolsonaro ainda passa pela substituição do procurador-geral do Ministério Público do Rio, José Eduardo Gussem, cujo mandato acaba em dezembro. É Gussem quem tem, em grande parte, garantido a autonomia da investigação do esquema de rachadinhas no antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio.
A
negociação que está em jogo na substituição de Gussem por um nome de interesse
da família presidencial passa pelo atendimento das demandas do governador em
relação à Superintendência da Receita Federal e à Polícia Federal.
A presença de Castro no governo do Estado é a blindagem com a qual a família Bolsonaro conta como anteparo à ascensão do ex-prefeito Eduardo Paes (Democratas) ou da delegada Marta Rocha (PDT), que substituiu Turnowski na chefia da Polícia Civil, em 2011. Paes e Marta aparecem nas pesquisas como os mais cotados para o lugar do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), aliado do presidente.
É cedo
para dizer se a ascensão de um ou outro à Prefeitura levará o DEM ou o PDT,
dois anos depois, ao Palácio da Guanabara. Os grupos políticos de ambos pagaram
pedágio às milícias quando estiveram no poder, mas não exerceram o poder em
nome delas.
Como mostrou
o Mapa dos Grupos Armados do Rio, 57% da área da cidade está hoje sob domínio
das milícias. Esse avanço se deu ao longo de um governo federal que flexibilizou
o porte e afrouxou o controle de comercialização e sob administrações locais
que lhes franquearam espaços.
A República das Milícias, retratada por Bruno Paes Manso, chegou ao poder com Bolsonaro, mas o extrapola. Está entranhada no dia a dia das comunidades, dos serviços de transporte público às licenças de construção, cujos despachantes, nas Câmaras de Vereadores e nas prefeituras, serão definidos pelas urnas em 15 de novembro.
Depois de ler o livro, fica difícil acreditar que seja possível mudar o país em
2022 sem desalojar os justiceiros de seu berço político.
*Maria
Cristina/Valor Econômico
CONTINUA
Globo
Participa Do Balão De Ensaio Sobre A Privatização Do SUS
Celeste Silveira 30 de outubro de
2020
Quem
acompanhou a programação do Globonews nesta quinta-feira (29), observou que
hora nenhuma os comentaristas se posicionaram contra o decreto de Bolsonaro de
privatização do SUS, porque é disso que se trata, por mais colorida que seja a
forma com que essa proposta se apresente.
As
observações sobre o decreto foram colocadas de forma dúbia pela Globo, dizendo
que não é hora de debater isso, mas que não é uma má ideia e que as OSs já
fazem isso e que muitas delas apresentam excelente resultado.
Por outro
lado, em menos de 24 horas, Bolsonaro suspende o decreto, Paulo Guedes diz que
nunca pensou em privatizar o SUS, mas Bolsonaro deixa a porta entreaberta
dizendo que, num futuro próximo, pretende colocar o assunto novamente em pauta,
o que foi pouco ou nada falado pelos comentaristas da Globonews.
Isso mostra
que, se não foi combinada, essa adesão e estratégia de Bolsonaro com a Globo, a
afinidade entre as duas propostas é ideologicamente idêntica.
Não é privatizar, é ir privatizando com a justificativa de parceria público privada.
A coisa começaria pelos postos (UBS) para, depois, caminhar para o centro do
comando do Sistema Único de Saúde (SUS), um maná que qualquer um neoliberal
sonha em pilhar, porque neoliberal vive de pilhagem em nome de um suposto livre
mercado que não consegue se sustentar nas próprias pernas, dependendo sempre de
implodir um sistema criado pela sociedade e se apropriar dele justamente pela
própria limitação que o tal livre mercado impõe ao sistema capitalista.
*Carlos
Henrique Machado Freitas
Fonte: https://antropofagista.com.br/
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