FHC Diz
Agora Que Temer Chegou Ao “Fundo Do Poço” E Admite Que Dilma Foi “Golpeada”
Por Redação
Click Política Última Atualização 3 jun, 2018
Responsável
por indicar Pedro Parente para executar o desmonte da Petrobras, o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirma que o governo de Michel Temer
acabou.
“Dificilmente o governo atual, dada a sua origem e o encrespamento político
havido, conseguirá pouco mais do que colocar esparadrapos nas feridas.
Nada de
significativo será alcançado sem que uma liderança embasada no voto e crente na
democracia seja capaz de dar resposta aos atuais desafios econômicos e morais”,
diz FHC em artigo neste domingo, 3, no jornal O Estado de S. Paulo.
Traduzindo,
o tucano reconhece que Temer é ilegítimo e resultado de um golpe.
Ou como diz
ele, de um “impeachment baseado em arranhões de normas constitucionais”.
Leia, abaixo o artigo na íntegra:
Decifra-me ou te devoro
A semana que acabou ontem foi plena de tensão, demonstrando a quem não
percebera antes a profundidade das dissensões que vêm de há muito tempo
A semana que
acabou ontem foi plena de tensão, demonstrando a quem não percebera antes a
profundidade das dissensões que vêm de há muito tempo.
As incongruências da
política econômica dos governos de Lula e Dilma, em sua fase final, já haviam
levado a economia à paralisação e o sistema político a deixar de processar
decisões.
Daí o impeachment do último governo, ainda que baseado em arranhões
de normas constitucionais.
Todo
impeachment é traumático.
Fui ministro de um governo que resultou de um
impeachment, o do presidente Itamar Franco.
Este, com sabedoria, percebeu logo
que precisaria de um Ministério representativo do conjunto das forças
políticas.
Como o PT, que apoiara o impeachment do presidente Collor, se
recusava a assumir responsabilidades de governo (com olho eleitoral), Itamar
conseguiu a aceitação de uma pasta por Luiza Erundina, então no PT.
Mesmo eu,
eleito presidente por maioria absoluta no primeiro turno sem precisar buscar o
apoio do PT, tive como um de meus ministros um ex-secretário-geral do PT.
De lá para
cá os tempos mudaram.
A possibilidade de algum tipo de convivência democrática,
facilitada pela estabilização econômica graças ao Plano Real, que tornou a
população menos antigoverno quando viu em marcha uma política econômica que
beneficiaria a todos, foi substituída por um estilo de política baseado no
“nós”, os supostamente bons, e “eles”, os maus.
Isso somado ao descalabro das
contas públicas herdado pelo governo atual, mais o desemprego facilitado pela
desordem financeira governamental, levou a uma exacerbação das demandas e à
desmoralização dos partidos.
A Lava Jato, ao desnudar as bases apodrecidas do
financiamento partidário pelo uso da máquina estatal em conivência com empresas
para extrair dinheiro público em obras sobrefaturadas (além do enriquecimento
pessoal), desconectou a sociedade das instituições políticas e desnudou a
degenerescência em que o País vivia.
A dita
“greve” dos caminhoneiros veio servir uma vez mais para ignição de algo que
estava já com gasolina derramada: produziu um contágio com a sociedade, que,
sem saber bem das causas e da razoabilidade ou não do protesto, aderiu,
caladamente, à paralisação ocorrida.
Só quando seus efeitos no abastecimento de
combustíveis e de bens essenciais ao consumo e mesmo à vida, no caso dos
hospitais, se tornaram patentes houve a aceitação, também tácita, da
necessidade de uma ação mais enérgica para retomar a normalidade.
Mas que
ninguém se engane: é uma normalidade aparente. As causas da insatisfação
continuam, tanto as econômicas como as políticas, que levam na melhor das
hipóteses à abstenção eleitoral e ao repúdio de “tudo o que aí está”.
Portanto,
o governo e as elites políticas, de esquerda, do centro ou da direita, que se
cuidem, a crise é profunda. Assim como o governo Itamar buscou sinais de coesão
política e deu resposta aos desafios econômicos do período, urge agora algo
semelhante.
Dificilmente
o governo atual, dada a sua origem e o encrespamento político havido,
conseguirá pouco mais do que colocar esparadrapos nas feridas.
Nada de
significativo será alcançado sem que uma liderança embasada no voto e crente na
democracia seja capaz de dar resposta aos atuais desafios econômicos e morais.
Não há milagres, o sistema democrático-representativo não se baseia na “união
política”, senão que na divergência dirimida pelas urnas.
Só sairemos da
enrascada se a nova liderança for capaz de apelar para o que possa unir a
Nação:
finanças públicas saudáveis e políticas adequadas, taxas razoáveis de
crescimento que gerem emprego, confiança e decência na vida pública.
É por isso
que há algum tempo venho pregando a união entre os setores progressistas (que
entendam o mundo e a sociedade contemporâneos), que tenham uma inclinação
popular (que saibam que, além do emprego, é preciso reduzir as desigualdades),
que se deem conta de que o mundo não mais funciona top/down, mas que
“os de
baixo” são parte do conjunto que forma a Nação, e que, em vez de se proporem a
“salvar a pátria”, devem conduzi-la no rumo que atenda, democraticamente, com
liberdade, aos interesses do povo e do País.
Não se trata
de formar uma aliança eleitoral apenas, muito menos de fortalecer o dito
“centrão”, um conjunto de siglas que mais querem o poder para se assenhorearem
de vantagens do que se unir por um programa para o País.
Nas democracias é
natural que os partidos divirjam quando as eleições majoritárias se dão em dois
turnos, quando os “blocos sociais e políticos” podem ter mais de uma expressão
partidária. Mas é preciso criar um clima que permita convergência.
E, uma vez
no caminho e no exercício do poder, quem represente esse “bloco” precisará ter
a sensibilidade necessária para unir os que dele se aproximam e afastar o risco
maior: o do populismo, principalmente quando já vem abertamente revestido de um
formato autoritário.
Na quadra
atual, entre o desemprego e a violência cada vez mais assustadora do crime
organizado, a perda de confiança nas instituições é um incentivo ao
autoritarismo.
O bloco proposto deve se opor abertamente a isso.
Não basta
defender a democracia e as instituições, é preciso torná-las facilitadoras da
obtenção das demandas do povo, saber governar, não ser leniente com a corrupção
e entender que sem as novas tecnologias não há como atender às demandas
populares crescentes.
E, principalmente, criar um clima de confiança que
permita investimento e difundir a noção de que num mundo globalizado de pouco
vale dar as costas a ele.
Tudo isso
requer liderança e “fulanização”.
Quem, sem ser caudilho, será capaz de
iluminar um caminho comum para os brasileiros?
“Decifra-me ou te devoro”, como
nos mitos antigos.
*SOCIÓLOGO,
FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA
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