Relatórios
da CIA citam tensão entre militares e a Igreja durante a ditadura no Brasil
Por Gerson
Camarotti
08/06/2018
20h25 Atualizado há 3 horas
Imagem do Google
Telegramas
do Departamento de Estado Americano e relatórios da CIA (Agência de
Inteligência dos EUA) revelam que o governo dos Estados Unidos acompanhou
durante quase duas décadas a tensa relação entre a ditadura militar brasileira
e a cúpula da Igreja Católica no país.
Os
documentos a que GloboNews teve
acesso, classificados como confidencial ou secretos, foram liberados nos
últimos anos.
Em vários
desses textos, a Igreja Católica é apontada como a mais influente organização
não-governamental do Brasil e como a principal adversária do regime militar.
Segundo um desses relatos de 1981, o governo estava apreensivo sobre o
potencial para influenciar a política eleitoral e radicalizar os pobres.
Telegramas
do início dos anos 70 já alertavam para o confronto entre as duas instituições
e ressaltavam a deterioração das relações.
Os
relatórios também destacam a atuação especial de alguns influentes prelados
como o arcebispo Dom Helder Câmara e os cardeais Dom Paulo Evaristo Arns e Dom
Aloisio Lorscheider, que denunciavam torturas e violações aos direitos humanos
do regime militar.
Num
relatório secreto de 1971, se destacava a preocupação com as denúncias feitas
por Dom Helder ao governo brasileiro em viagem pela Europa e ressaltava que sua
indicação ao prêmio Nobel da Paz foi um golpe para o governo Médici.
Essa
informação é confirmada num relatório secreto do Itamaraty, do início dos anos
70, e que foi revelado pela Comissão Nacional da Verdade.
O governo militar
agiu por diversos anos para impedir que Dom Helder ganhasse o Prêmio Nobel.
Com a
eleição do presidente Jimmy Carter, nos Estados Unidos, em 1977, a Igreja no
Brasil passa a ganhar nova força no enfrentamento ao regime durante o governo
Geisel.
Relatórios
citam inclusive uma troca de correspondência entre o então arcebispo de São
Paulo, cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e o presidente Carter.
Um outro
memorando do departamento de estado mostra a carta do cardeal enviada ao
presidente Carter que fazia um alerta sobre a repressão com uma lista de nomes
de pessoas que haviam desaparecido.
Para o
professor de relações institucionais da Fundação Getúlio Vargas, Matias
Spektor, esses documentos evidenciam justamente a preocupação do regime militar
com as repercussões internacionais das denúncias da Igreja.
“Aquilo que
a Igreja faz tem nessa nova documentação muita evidência de como a política
externa do regime militar inclui o acompanhamento do que esses padres, esses
bispos estão fazendo quando saem do país, quando estão viajando.
o medo é que
as críticas feitas pela igreja comecem a machucar a imagem internacional do
regime, que efetivamente acontece”, disse o professor Matias Spektor.
Igreja como
inimiga
O que esses
documentos mostram de mais surpreendente é que a tensão entre a ditadura
militar e a Igreja não ficou restrita aos anos 70.
Já na fase final do regime,
no governo Figueiredo, com o processo de abertura já em andamento, segundo um
relatório, a relação piora e chega ao seu ponto mais baixo desde os anos
setenta.
Esse informe
diz que essas relações começaram a se deteriorar, entre outros motivos, pelo
envolvimento da Arquidiocese de São Paulo – a mais progressista do Brasil – em
uma greve de seis semanas pelo maior sindicato de metalúrgicos.
Outro relato
tem a avaliação de que a liderança do regime militar passa a tratar a Igreja
como inimiga e que o governo brasileiro de então estava assustado com o
comportamento dos bispos e cardeais.
"Brasília
está particularmente preocupada com o envolvimento da Igreja na política
partidária e se ressente de sou seu suposto papel de "árbitro moral",
diz o documento.
Até mesmo a
ala considerada mais moderada da Igreja, passa a reagir.
Um outro memorando diz
que apesar da divisão dentro da Igreja, houve unidade do episcopado no
enfrentamento ao regime quando o governo militar passou a ameaçar a Igreja e
cita um episódio envolvendo o então o arcebispo do Rio de Janeiro, cardeal dom
Eugênio Sales.
Um líder
moderado que comanda a arquidiocese do Rio de Janeiro.
O cardeal, que no
passado se orgulhava de suas boas relações com os militares, não só cancelou o
recebimento de uma medalha das forças armadas, como fez questão de acompanhar o
padre no aeroporto.
Outro
momento de destaque registrado nos relatórios é com a visita do papa João Paulo
II ao Brasil, em 1980.
A passagem dele ao Brasil foi interpretada como um
reforço na luta pelos direitos humanos.
"Suas
declarações públicas foram interpretadas como apoio e incentivo a pressionar o
governo em questões como a reforma agrária, a redistribuição de renda e os
direitos dos trabalhadores", diz o documento.
Um gesto
simbólico do papa, – um abraço em Dom Helder ao desembarcar no Recife – foi
destacado até com foto no documento da CIA, que viu no gesto uma forma de
avalizar ações do arcebispo que fazia a denúncia mais contundente às violações
dos direitos humanos na ditadura.
“A efusiva
saudação de João Paulo II ao arcebispo Helder Camara de Recife e Olinda – o
mais bem conhecido progressista do Brasil – e a calorosa recepção do cardeal
Arns foram notados pelo clero mais conservador”, diz o documento.
Um memorando
que relata a conversa do então presidente João Batista Figueiredo com Henry
Kissinger, já na condição de ex-secretário de estado dos Estados Unidos,
destaca que o presidente fez uma referência especial à Igreja Católica, que em
sua opinião,
“é muito forte e tem muita influência porque os padres têm contato
direto e próximo com pessoas de baixo nível de escolaridade, particularmente no
interior do país”.
Para o
secretário geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner, esses documentos servem como
reflexão para que essa história não se repita.
“O que nós
conseguimos com a Constituição de 1988. Isso para o futuro é vital.
As novas
gerações não conhecem a história. Hoje se fala inclusive na volta dos
militares.
Não é o que os militares estão querendo.
Os militares têm se
manifestado de maneira muito digna, muito precisa em relação à Constituição.
Mas esse desejo de achar que é uma força que pode reconquistar a tranquilidade
de um país.
Só a democracia pode”, afirma Dom Leonardo Steiner.
Fonte: http://globo.com/
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