Comunidade
jurídica reconhece direito de Lula registrar candidatura e critica ministro do
TSE
Publicado
por Diario
do Centro do Mundo 20 de junho
de 2018
POR VINÍCIUS
SEGALLA E PEDRO SIBAHI
A cidade de
Curitiba sediou na semana passada o VI Congresso Brasileiro de Direito
Eleitoral.
Estavam ali os especialistas da área.
O congresso serve para
discutir a evolução da legislação e do fazer processual eleitoral no Brasil, à
luz da Ciência do Direito.
Analisam as mudanças na legislação que incidiram na
eleição anterior, estudam seus impactos e projetam mudanças futuras, em busca
do aperfeiçoamento do arcabouço normativo que faz valer a democracia.
Congressos
assim não se apegam a casos específicos. Aproximam-se mais de eventos
acadêmicos e científicos do que de atos políticos ou eleitorais.
Neste ano,
porém, foi diferente. Por quê?
Porque não é
possível ignorar o fato de que o líder de todas as pesquisas eleitorais se
encontra preso.
Preso no decorrer de um processo com algumas características
inquestionavelmente inéditas.
Por exemplo: o mandado de prisão que o juiz
Sergio Moro expediu mais rápido após a condenação do réu em segunda instância,
dentre todas as centenas de prisões da Operação Lava Jato, foi o de Lula.
Por exemplo:
o processo de Lula, dentre todos da Lava Jato, foi o que mais rápido tramitou
entre a sentença em primeira instância e o julgamento em segunda instância.
Por causa
dessas tramitações factualmente diferenciadas, mais rápidas do que todas as
outras de processos judiciais do mesmo âmbito, chegou-se ao cenário eleitoral
atual, em que o líder em todas as pesquisas se encontra preso.
Como os
cientistas jurídicos poderiam discutir Direito Eleitoral sem levar tamanho fato
em conta?
“Existe um
elefante nessa sala, que se chama Lula”, resumiu, em bom português, Ricardo
Penteado.
O experiente jurista, advogado eleitoralista e consultor jurídico não
é o que se possa chamar de um intelectual alinhado ao PT.
Na realidade, ganhou
fama, dinheiro e reconhecimento litigando nos tribunais eleitorais em favor dos
políticos do PSDB e da própria sigla.
Já defendeu candidaturas de políticos
como José Serra, Gilberto Kassab e Geraldo Alckmin, este último por três
eleições.
Sobre Lula e
sua candidatura, já logo no primeiro dia do Congresso (13), o que o advogado
dos tucanos teve a dizer foi: “Temos uma importantíssima candidatura, tendo em
vista a análise histórica.
Um candidato que já foi eleito duas vezes e com alta
aprovação em seus mandatos.
Por força de uma condenação não transitada em
julgado, encontra-se encarcerado por uma antecipação da execução da pena.”
O segundo
dia do Congresso em Curitiba teve entre seus temas a Registrabilidade, ou seja,
quais condições um candidato deve reunir para ter direito de registrar uma
candidatura eleitoral.
Neste dia, o elefante que Ricardo Penteado apontou
primeiro restou evidente para todos.
Ao tratar da
possibilidade de se registrar a candidatura de alguém condenado em segunda
instância, todos os participantes da mesa de debate citaram o nome do
ex-presidente, por vezes de maneira não intencional e até mesmo atabalhoada,
como a tropeçar no assunto. Era impossível ignorar.
O risco de todo o sistema
eleitoral perder credibilidade a depender das decisões da Justiça nos próximos
meses pesava no ar.
Esforçando-se
ao máximo para fugir do caso específico, os juristas buscaram abordar de
maneira genérica a questão da registrabilidade.
Assim se expressou Geórgia
Nunes, especialista em Direito Eleitoral e procuradora-geral de Teresina (PI).
“Nós não
entendemos como pode haver uma mudança na situação fática em relação a eleição
de 2016, porque a legislação não mudou.
Em obstante se esteja discutindo a
registrabilidade de alguém que esteja supostamente inelegível, não vemos como é
possível este impedimento ao direito político de se registrar candidato e de
defender a candidatura no âmbito do processo de registro.”
Quer dizer:
nas últimas eleições, em 2016, não se impediu nenhum candidato de registrar sua
candidatura, fazer campanha e disputar as eleições.
Aqueles que tinham
condenação em segunda instância, e dessa forma estariam inelegíveis pela Lei da
Ficha Limpa, puderam se registrar normalmente e concorrer às eleições.
Ao fim
do pleito, se tinham conseguido reverter a condenação em segunda instância em
seus processos que seguiam correndo na Justiça, puderam ser diplomados
normalmente.
De fato,
desde que a Lei da Ficha Limpa passou a valer, em 2010, só no Estado do Rio de
Janeiro, 1.500 candidatos aos mais diversos cargos, entre deputados, prefeitos
e vereadores, registraram suas candidaturas e disputaram as eleições.
Já no
último pleito, em 2016, em todo o Brasil, 145 candidatos que estavam na mesma
situação processual de Lula puderam concorrer e efetivamente foram eleitos
prefeitos.
Parece não
haver sequer margem para discussão sobre a registrabilidade de qualquer cidadão
que se encontre nas mesmas exatas condições dos milhares de candidatos que se
registraram nas eleições brasileiras anteriores à deste ano.
Por que,
então, isso virou uma questão?
Por que se discutiu o óbvio em um congresso que
deveria servir para fazer avançar as fronteiras da ciência jurídica?
Porque o
entendimento sobre a registrabilidade de candidatos com condenações em segunda
instância em processos pendentes é praticamente unânime, mas não é unânime.
No Congresso
de Curitiba, apenas uma voz dissonante entre os juristas acerca da questão da
registrabilidade de candidatos com condenação em segunda instância.
Seu nome:
Admar Gonzaga, ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
É exatamente
aquele que poderá influenciar diretamente na decisão crucial para a
credibilidade da democracia brasileira quem levantou a única voz dissonante às
de todos os cientistas do Direito presentes no Congresso.
Ele não fez questão
nenhuma de usar construções genéricas, hipotéticas. Já foi logo dizendo a que
veio, que ficasse bastante claro e antecipado seu eventual julgamento:
“Quando se
almeja cargo de presidente da República, não podemos brincar com o país, não
podemos fazer com que milhões de brasileiros se dirijam à urna para votar nulo.
Não contem comigo para isso.
Na hora que ele (Lula) traz uma certidão e uma
prova da sua inelegibilidade, e eu sou um juiz, eu posso rejeitar o registro de
ofício.
A certidão (positivada, que comprova a condenação criminal) tem fé
indiscutível.
Eu vou perguntar a ele (candidato) alguma coisa? Ele confessou
para mim, juiz, que é inelegível.
Me desculpem, a decisão vai ser de ofício.”
Não houve
jurista entre os debatedores que não se indignasse.
Disse a procuradora Géorgia
Nunes: “Imaginar um indeferimento por protocolo é chocante, é rasgar o Direito
Constitucional de postular candidatura.”
Disse o
subprocurador-geral da República, Nicolao Dino: “Tenho dificuldade de imaginar
que alguém seja irregistrável [eleitoralmente].
Isso seria negar ao cidadão o
direito de postular algo fixado na Constituição.”
“Por que
Lula não poderia apostar na sua absolvição (no caso do apartamento triplex da
OAS) antes do final do processo eleitoral? Até o final do processo, pode ser
que ele seja absolvido.
Não dar chance a alguém que está preso por causa da
execução antecipada da sentença de postular sua candidatura me parece
absolutamente inconstitucional”, completou o advogado do PSDB, Ricardo
Penteado.
Assim
caminha o Brasil às vésperas das eleições de 2018.
Contra o consenso de
juristas independentes, há aqueles que, investidos de toga, insistem em fazer
valer a própria lei.
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