ONG de
futura ministra é acusada de tirar criança de mãe
Folhapress 9
horas atrás 15/12/2018
© Valter Campanato/Ag. Brasil ONG de futura ministra é
acusada de tirar criança de mãe
A ONG Atini,
fundada por Damares Alves, futura ministra de Mulher, Família e Direitos
Humanos, é alvo de indigenistas e Ministério Público, que falam em tráfico e
sequestro de crianças e incitação ao ódio contra indígenas.
A Atini é
acusada de, sob um falso selo humanitário, explorar um assunto de grande
comoção pública -o infanticídio de crianças indígenas- para legitimar sua
agenda.
A Polícia
Federal pediu, em 2016, informações à Funai (Fundação Nacional do Índio) sobre
supostos "tráfico e exploração sexual" de indígenas -despacho da
fundação cita a Atini e outras duas ONGs.
A Funai, a
partir de 2019, ficará sob guarda da pasta chefiada por Damares, que prometeu
pôr em sua presidência alguém que "ame desesperadamente os índios". O
processo sobre as organizações ainda tramita no órgão.
A Atini -
Voz Pela Vida, entidade sediada em Brasília e que teve a futura ministra entre
os fundadores, em 2006, diz que, com seu trabalho, já salvou ao menos 50
crianças em situação de risco, algumas delas enterradas vivas.
Segundo a
advogada da entidade, Maíra de Paula Barreto Miranda, o problema da matança de
crianças é real e não deve ser justificado pelo relativismo cultural nem
desmerecido por ativistas.
Damares se
afastou da Atini em 2015.
Hoje funcionária no gabinete do senador Magno Malta
(PR-ES), ela prestava assessoria jurídica à bancada evangélica no Congresso.
Há
atualmente três ações judiciais contra a Atini. Uma delas corre em segredo de
Justiça numa vara federal em Volta Redonda (RJ).
No
documento, ao qual a reportagem teve acesso, a peça central é uma indígena de
16 anos da etnia sateré-mawé que foi levada para uma chácara da Atini em 2010,
pelo tio materno (que a registrou como filha) e sua esposa.
Ali engravidou de
um rapaz de outra tribo.
Segundo os
procuradores, o casal que depois adotaria seu bebê diz que a adolescente
"portava transtornos mentais e possuía histórico de maus-tratos pelos
pais, o que teria motivado a ONG a retirá-la do convívio com os índios".
Afirma ainda que a a jovem teria "atentado contra a vida da filha por duas
vezes".
O Ministério
Público pede o retorno da criança para a mãe, que já retornou à sua tribo, no
Amazonas.
A criança está hoje sob tutela provisória do irmão de uma das donas
da Atini, Márcia Suzuki.
Para os
procuradores, a história "foi retorcida e distorcida até fazer parecer uma
adoção comum de uma criança vulnerável de mãe incapaz por um casal de classe
média de Volta Redonda".
Seria, no entanto, "mais um exemplo da
atuação sistemática desses grupos missionários contra os povos indígenas e seus
modos de vida, com o fim de fazer valer unilateralmente a concepção daqueles
sobre a destes".
Adotar
menores alegadamente em situação de risco é algo comum entre pessoas ligadas à
Atini.
Damares Alves é mãe de uma criança indígena.
A filha
adotiva de Márcia Suzuki se chama Hakani, mesmo nome de um filme que enfureceu
indigenistas e motivou outras duas ações do Ministério Público, em Brasília e
Rondônia.
É um docudrama (misto de ficção e documentário) sobre uma menina
suruwahá que teria sido resgatada por missionários após ter sido enterrada viva
pelo irmão mais velho, numa cova rasa.
O site da
Atini resume sua saga assim:
"Nos primeiros dois anos, ela não se
desenvolveu como as outras crianças, não aprendeu a andar, a falar.
Seu povo
começou a pressionar seus pais para matá-la".
Eles, incapazes de
sacrificá-la, teriam preferido se suicidar.
Uma liminar
proibiu a veiculação de "Hakani" após pedido do Ministério Público.
A
produção é classificada como "mais um elemento da campanha difamatória em
face dos índios brasileiros, bem como uma justificativa para a atuação
religiosa e missionária das organizações em aldeias".
Já a ação em
Rondônia se deve ao fato de a produção ter escalado como atores crianças do
povo karitiana, que nem sequer tem o infanticídio como hábito cultural.
Segundo a
tradição desse povo, o corpo não pode entrar em contato direto com a terra.
Portanto, a criança enterrada viva para a encenação teria perdido sua alma.
Desde então, os karitianas acreditam que a comunidade está em desgraça, segundo
o MPF.
Miranda,
advogada da Atini, diz que até crianças que nascem com defeitos congênitos,
como um dedinho grudado, são assassinadas em algumas etnias.
Segundo ela,
mortes de gêmeos ou por suspeita de mãe adúltera ou estuprada também acontecem.
Em audiência
pública de 2017, Damares já chegou a estimar esse número em mil mortes por ano,
sem dar a fonte da informação.
Em dois anos, foram registradas 96 mortes de
indígenas de até seis dias de idade em Roraima e Amazonas, numa área com tribos
que mantém a prática, segundo o Mapa da Violência 2015.
"Quando
falo que a mãe indígena ama o filho, não quer mais que o seu filho seja morto
porque tem uma deficiência, acusam-me de incitar o ódio e o racismo.
Imaginem
até onde isso vai", disse a futura ministra naquela audiência.
Vem daí o
lobby da Atini pela Lei Muwaji, aprovada na Câmara em 2015 e que depende de
aval do Senado.
A proposta visa combater práticas tradicionais nocivas em
comunidades indígenas, como infanticídio, estupro individual ou coletivo e
escravidão.
O nome vem
de uma mãe suruwahá que, segundo a Atini, procurou missionários evangélicos
para impedir a sentença tribal de morte por envenenamento para a filha nascida
com paralisia cerebral.
Indigenistas
e procuradores concordam num ponto:
a matança de crianças em aldeias é hoje
raro.
"Exagerar os relatos de práticas nocivas é uma técnica usada há
muito tempo para minar os direitos dos povos indígenas e justificar o roubo de
suas terras", diz à reportagem Fiona Watson, diretora da ONG Survival
International.
Para Felipe
Milanez, professor de Humanidades na Universidade Federal da Bahia, criar
tamanha celeuma seria "como dizer hoje que 'o cristão queima mulher'"
porque, no passado, a Igreja Católica promoveu a Inquisição.
A advogada
da Atini rebate: o que a ONG combate é "condicionar a titularidade dos
direitos humanos ao local de nascimento da pessoa", ou seja, o menor não
pode ser morto só porque sua cultura permite.
Sobre o filme "Hakani",
afirma que proibi-lo é censura.
A reportagem
tentou falar com a futura ministra Damares Alves, mas não foi atendida.
Com
informações da Folhapress.
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