Entenda O
Relatório Que Acusa Os EUA De Cooperação Ilegal Na Lava Jato
Celeste Silveira 15 de julho de 2020
Imagem do Google
Documento
apresentado pela oposição ao parlamento europeu diz que articulação ocorreu
fora de vias permitidas por lei
Um relatório
entregue ao parlamento europeu em 18 de junho acusa os Estados Unidos de
participação ilegal na condução da Operação Lava Jato no Brasil.
O documento
afirma haver comunicação entre procuradores e juízes brasileiros e americanos
por vias não autorizadas, instrução de métodos pouco ortodoxos nas
investigações dos processos e aplicação indevida de recursos da administração
pública ao governo americano.
O texto é de
autoria do deputado federal e líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara,
Paulo Pimenta (PT-RS).
Pimenta foi a Bruxelas, na Bélgica, para apresentar as
acusações aos parlamentares da União Europeia e mobilizar a vinda de uma
comissão do bloco ao Brasil em setembro, formada por políticos de Portugal,
Espanha, Alemanha, Grécia, entre outros.
Junto ao texto, há arquivos anexos com
reportagens e documentos oficiais que atestam a articulação entre agentes de
inteligência americanos e brasileiros.
O relatório,
ao qual CartaCapital teve acesso, inicia com a afirmativa de que os Estados
Unidos investem na prática de “lawfare”, ou seja, a intervenção em
investigações seletivas de empresas de outros países.
O objetivo seria
enfraquecer empresas, como a Petrobras, a Odebrecht e a Embraer, eliminar
concorrentes e comprar ativos estratégicos com mais facilidade.
Além disso, o
documento sugere a intenção de derrubar autoridades não alinhadas aos
interesses americanos, ampliar a influência dos Estados Unidos nesses países e
abrir espaço para atuação de empresas americanas, principalmente as de petróleo.
Cooperação
fora de vias legais
O relatório
resgata que a cooperação judicial entre Brasil e EUA teriam iniciado ao longo
do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), entre 1995 e
2002.
O objetivo seria combater o narcotráfico, a corrupção, a evasão de
divisas e a lavagem de dinheiro.
Para fundamentar essa cooperação, criou-se o
Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal, com regras para esta ação
conjunta.
O documento,
então, julga que o acordo tem sofrido violações.
Segundo as normas legais, cada
parte deve designar uma autoridade central para enviar e receber solicitações –
no caso do Brasil, a autoridade seria o Ministério da Justiça.
Ou seja, o
Ministério seria o órgão público encarregado de aprovar, conduzir e
supervisionar estas atividades.
Porém, a cooperação entre Brasil e Estados
Unidos teria ignorado o procedimento oficial de articulação e ocorrido na
informalidade, com base em “relacionamento íntimo”.
Segundo o
texto, na prática, juízes e procuradores brasileiros, principalmente os da Lava
Jato, não prestaram contas das atividades a setores do governo, como o
Itamaraty.
Ao momento em que a articulação com agentes da inteligência
americana se dá fora das vias oficiais, a cooperação, segundo o documento, já
procede de maneira ilegal. “Desse modo, nossos procuradores e juízes
estabeleceram, em desafio claro à Constituição, política externa específica e
independente para com os EUA”, diz o documento.
O relatório
cita um trecho de uma manifestação pública do vice-procurador geral adjunto do
Departamento de Justiça dos Estados Unidos, Kenneth Blanco, junto ao
subsecretário geral de Justiça americano, Trevor Mc Fadden, proferida em 19 de
julho de 2017.
O trecho grifado mostra como as próprias autoridades americanas
defendiam a articulação com o Brasil fora das vias legais e baseada na
“confiança”, alegando necessidade de otimizar o tempo.
“Tal
confiança, como alguns aqui dizem ‘confiança’, permite que promotores e agentes
tenham uma comunicação direta quanto às provas.
Dado o relacionamento íntimo
entre o Departamento de Justiça e os promotores brasileiros, não dependemos
apenas de procedimentos oficiais como tratados de assistência jurídica mútua,
que geralmente levam tempo e recursos consideráveis para serem escritos,
traduzidos, transmitidos oficialmente e respondidos”, disse o procurador
Blanco.
Processos
sem devida supervisão
Outra
acusação é de que processos abertos nos Estados Unidos contra empresas
brasileiras não foram levados ao conhecimento de autoridades e do Congresso
Nacional.
A princípio, o processo nos EUA contra as companhias brasileiras
decorreriam do fato de que essas firmas abriram seu capital nas bolsas
americanas, submetendo-as à legislação de mercado de capitais do país.
Porém, o
documento alega que as punições foram geradas a partir de delitos cometidos no
Brasil, por pessoas e empresas brasileiras, e tendo, como agravante, o Tesouro
como o principal acionista da empresa mais demandada pelos processos, a
Petrobras.
Além disso, as multas dos norte-americanos às empresas brasileiras
foram as maiores da história, cerca de 7 bilhões de reais.
A denúncia
acusa ainda que operações financeiras de empresas brasileiras, como a
Petrobras, relacionadas a processos abertos nos Estados Unidos, não foram
autorizadas pelo Senado Federal.
Segundo este argumento, o Senado seria
encarregado de conceder esta permissão.
O documento registra que a Petrobras
propôs pagar 2,95 bilhões de dólares, quase 10 bilhões de reais, para que
investidores americanos desistam da ação.
“A título de
quê? Quais os critérios para fazer essa distribuição de valores, que nunca foi
prática no Brasil? O Ministério da Justiça, ‘autoridade central’ do Brasil,
aprovou? O Ministério do Planejamento brasileiro previu esse gasto esdrúxulo no
orçamento? O Itamaraty concordou? Todas essas perguntas pertinentes continuam
sem resposta”, indaga o relatório.
Instruções
diretas a procuradores
O relatório
acrescenta que escritórios de agentes americanos atuam livremente no Brasil e
influenciam procuradorias brasileiras.
A afirmação tem base em documentos do
Wikileaks.
Vazamentos do site mencionam o Projeto Pontes, uma conferência
regional de cooperação, realizada em 2009, com participação de membros da
Polícia Federal, Judiciário, Ministério Público e autoridades dos Estados Unidos.
Tratava-se
de um treinamento, oferecido por norte-americanos, a juízes, promotores e
policiais brasileiros, com instruções de prática de investigação.
Profissionais
do Brasil tinham a oportunidade, por exemplo, de aprofundar conhecimento em
extrair confissões em interrogatórios, coletar provas e atuar em situação de
tribunal.
A preferência dos americanos em sediar o treinamento nas cidades de
Curitiba e São Paulo é mostrada em trecho de manifestação de agentes
americanos, citada no texto.
Para o relatório, estas instruções influenciaram
na condução da Operação Lava Jato pela força-tarefa.
Métodos
considerados agressivos e de alto risco, originados em atuações nos Estados
Unidos, teriam sido reproduzidos na Lava Jato.
O documento cita, por exemplo, o
procurador Andrew Weissmann, chefe da Seção de Fraudes do Departamento de
Justiça dos Estados Unidos.
O agente teria ganhado fama após comandar
investigações da empresa de energia ENRON, utilizando prisões como método de
tortura, vazamentos seletivos e outras violações aos direitos humanos, segundo
denúncias apontadas pelo relatório.
Ainda no
discurso em julho de 2017, Kenneth Blanco elogiou a sentença condenatória
contra Lula.
Segundo o relatório, o procurador Kenneth Blanco fez referência
específica ao caso, considerando que o ato deixaria o Brasil na vanguarda do
combate à corrupção.
“Na verdade,
na semana passada, os promotores no Brasil conseguiram a condenação do
ex-presidente Lula da Silva, que foi acusado de receber subornos da empresa de
engenharia OAS em troca de sua ajuda na obtenção de contratos com a petrolífera
estatal da Petrobras.
São casos como esse que colocaram o Brasil na vanguarda
dos países que estão trabalhando para combater a corrupção, tanto no país como
fora”, disse o agente americano.
Procuradores
a serviço dos EUA
Em
entrevista a CartaCapital, o deputado Paulo Pimenta, autor do texto, reforça
que a cooperação judicial entre Estados Unidos e Brasil se deu fora do suporte
legal e que os procuradores brasileiros agiram a serviço dos americanos em
processos contra empresas do nosso país.
“Ocorreu à
revelia do Ministério da Justiça. Procuradores e agentes do governo americano
não escondem a maneira como participaram.
Inclusive, em determinado momento,
reconhecem que a prisão de Lula foi possível graças à ação conjunta entre Lava
Jato e procuradores americanos”, diz o parlamentar.
“Em ação dos EUA contra a
Petrobras, os procuradores brasileiros atuaram como assistentes de acusação dos
americanos, contra os interesses do Brasil e da Petrobras”.
Após a
visita ao parlamento europeu, o deputado afirma que o próximo passo é ir aos
Estados Unidos para abrir uma investigação, junto com o parlamento americano,
sobre o envolvimento irregular de funcionários do governo dos EUA em processos
brasileiros.
*Com
informações da Carta Capital
*Foto
destaque: Arte: Bruno Fonseca/Agência Pública
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