SUED E
PROPERIDADE
14/09/2020
Escândalo: A
Pedido De Dallagnol, ONG “Transparência Internacional” Combinava Defesa Pública
Com A Força-Tarefa
A aliança da
Lava Jato com a Transparência Internacional.
ONG
internacional teve acesso à minuta do contrato que tratava da fundação que
administraria a verba da Petrobras antes dele ser assinado; diretor sugeriu que
MPF estivesse fora do conselho, mas Dallagnol o ignorou.
Mensagens de
Telegram trocadas entre o procurador Deltan Dallagnol e o diretor-executivo do
capítulo brasileiro da Transparência Internacional, Bruno Brandão, entregues ao
Intercept Brasil e analisadas pela Agência Pública sugerem uma proximidade
pouco transparente da organização com a Operação Lava Jato.
Com
credibilidade mundial no combate à corrupção, a Transparência Internacional,
também conhecida pela sigla TI, atuou nos últimos anos para defender
publicamente a Lava Jato e seus protagonistas dentro e fora do Brasil, por meio
de entrevistas, contatos com a imprensa e publicação de notas de apoio. As
mensagens revelam que a ONG agiu diversas vezes a pedido do procurador Deltan
Dallagnol, que deixou no começo de setembro a força-tarefa.
Os chats
mostram que o então chefe da força-tarefa da Lava Jato tinha uma relação
próxima com Bruno Brandão, diretor da Transparência Internacional. Dallagnol
recorria a ele quando a imagem da operação estava em perigo ou quando queria
promovê-la.
Revelam também que a ONG teve acesso e palpitou na minuta do contrato assinado entre a força-tarefa e a Petrobras para a criação de uma fundação.
A Transparência Internacional recomendou ao procurador da República Deltan Dallagnol que o Ministério Público Federal (MPF) não tivesse assento no conselho da bilionária Fundação Lava Jato, a ser formada com dinheiro das multas recolhidas pela Petrobras.
Mas Dallagnol deu de ombros para a sugestão e viu sua fundação
desmoronar ao ser questionada pela comandante do MPF, a então procuradora-geral
da República Raquel Dodge, e por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Procurada pela reportagem, a organização afirmou, por meio de nota (leia a íntegra aqui), que essa parceria, assim como a colaboração com a força-tarefa da Lava Jato, faz parte da natureza do seu trabalho e missão.
A organização afirmou também
que para cumprir sua missão “dialoga e coopera sistematicamente com agentes
públicos, sociedade civil, jornalistas investigativos, entre outros” e que “é
natural que, na consecução de sua missão institucional, tenha estabelecido
parceria institucional com o MPF e colaboração com as Forças-Tarefa da Lava
Jato, Greenfield, Amazônia e outras”.
O MPF
reforçou que os contatos entre o procurador e Bruno Brandão “sempre se deram de
modo republicano” e foram “focados em defender a causa anticorrupção, o estado
de direito e a democracia”. Leia a íntegra da resposta aqui.
Foto: Antonio Cruz – Agência Brasil – Arte: Larissa Fernandes – Agência Pública
Bruno
Brandão é diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil
“Colocando
isso na boca do investidor estrangeiro, daria muita credibilidade”
Após os primeiros anos, a Lava Jato passou a receber crescentes críticas sobre o seu impacto na economia brasileira. Em junho de 2017, o então procurador-chefe da Lava Jato pediu a Brandão que o ajudasse a pensar em estratégias para a operação conseguir apoio internacional.
“Fiquei pensando se não poderia haver
uma declaração internacional de apoio”, escreveu em chat privado no Telegram,
no dia 2 de junho de 2017, às 14h17. “Falando que é importante que para o
desenvolvimento econômico do país é preciso que a investigação prossiga, dentro
da lei”, acrescentou.
Como solução, o diretor-executivo da TI chegou a propor a Dallagnol que a ONG, por meio de um estudo, desse o crédito da recuperação da economia do país à Lava Jato: “Acho que temos várias opções e que devemos começar a agir rapidamente. Podemos começar a ver isso na quinta-feira mesmo.
Estamos pensando em começar uma pesquisa sobre a percepção dos maiores investidores institucionais estrangeiros no Brasil sobre o que eles pensam da Lava-Jato, se é bom pra economia ou não – e duvidaria que um investidor olhando o médio e longo prazo diria que não.
Se o Brasil está começando a se recuperar podemos começar a
creditar isso na conta do trabalho de vcs tb, colocando isso na boca do
investidor estrangeiro daria muita credibilidade – e desmontaria um dos
argumentos que os críticos mais repetem”, sugeriu Brandão a Dallagnol em 2 de
junho de 2017.
Questionada,
a Transparência Internacional se posicionou afirmando que refuta veementemente
o argumento de que a luta contra a corrupção é danosa à economia, mas informou
que o estudo não foi feito e “se viesse a ser realizado, seguiria o mesmo
processo transparente e independente de formulação e validação metodológica que
seguem todos os estudos da TI”.
Em 14 de fevereiro de 2018, no entanto, Bruno Brandão publicou uma coluna no Valor Econômico com o título: “Legado de combate à corrupção será positivo para a economia”.
“Publiquei hoje um artigo no Valor usando os resultados do TRAC pra
rebater o discurso oportunista de que Lava Jato e o combate à corrupção estão
prejudicando a economia”, escreveu o diretor da TI a Dallagnol.
No artigo,
Brandão cita o estudo publicado no início daquele mês, “Transparência em
Relatórios Corporativos: as 100 Maiores Empresas e os 10 Maiores Bancos
Brasileiros”, que seria, de acordo com ele, “o primeiro feito pela organização
voltado exclusivamente ao setor privado brasileiro”.
No texto,
Brandão escreve que os resultados do estudo “confirmam que a luta contra a
corrupção já não tem como único vetor as investigações e os processos
judiciais”. “Ela também se reforça pela resposta no mercado ao que já se
consolida como uma nova realidade nacional”, destaca.
A troca de
mensagens no Telegram sugere que a ONG teria sido usada também para defender
interesses pessoais de Deltan Dallagnol, contrariando o código de ética e
conduta da entidade, que diz que a organização prima pela transparência na
defesa do interesse público: “somos sempre transparentes em nossas interações
com tomadores de decisão e sobre a causa que defendemos de acordo com nossa
missão e valores”, diz o texto.
Dallagnol acionou Brandão quando o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) instaurou, em 2018, um processo administrativo contra o então procurador Carlos Fernando dos Santos Lima – hoje aposentado – por quebra de decoro, em razão de críticas ao ex-presidente Michel Temer (MDB) e ao STF na imprensa e nas redes sociais.
Dallagnol demonstrou preocupação de que o caso abrisse brecha para um processo
contra manifestações públicas que ele mesmo já tinha feito em redes sociais ou
pela imprensa.
Enquanto
criticava privadamente a postura de Carlos Fernando, Brandão acolheu o pedido
de Dallagnol.
Os diálogos
são reproduzidos no formato original em que foram entregues ao Intercept,
incluindo erros de ortografia. “CF” é Carlos Fernando.
Naquele dia,
o procurador não recebeu nenhuma resposta. No dia 10 de maio, voltou a cobrar
um posicionamento da Transparência Internacional. “Bruno, será que a TI
conseguiria soltar algo (equilibrado, como sempre) sobre liberdade de expressão
até a próxima segunda?”, questionou. Dessa vez, Brandão respondeu
positivamente. “Conseguimos. Vou tentar escrever algo amanhã.”
Depois de diversas outras mensagens do procurador solicitando a nota, enfim, no dia 22 de maio de 2018, ela foi publicada na página do Facebook da Transparência Internacional.
Na nota, a TI “expressa sua preocupação com a ameaça ao direito
de liberdade de expressão de procuradores e promotores de Justiça” e “exorta
também o órgão a esclarecer – não no caso individual, mas em interpretação
geral – o que configura a quebra de decoro da qual Lima é acusado”,
precipitando-se a um cenário em que Dallagnol poderia ser alvo de investigação.
No diálogo
com Brandão, Dallagnol deixa claro que precisava do posicionamento da entidade
para fazer pressão política.
Uma semana
depois, o chefe da força-tarefa da Lava Jato enviou nova mensagem para Brandão,
dessa vez para agradecer a contribuição. “PAD” significa “processo
administrativo”.
“Bruno, hoje foi julgado o caso do Carlos Fernando e, por 7 votos a 7, o Conselho não referendou a instauração do PAD contra Carlos Fernando, com base na preliminar de falta de representação do suposto ofendido (Temer).
Em relação aos outros dois fatos, decidiram encaminhar para a corregedoria de origem (o MPF), para que tenha o trâmite regular que acontece com todas as representações (e que não havia sido adotado nesse caso).
Sua voz foi importantíssima para levantar a
importante discussão sobre esse caso, essencial para a liberdade de expressão,
e consequente independência, dos membros do MP em casos envolvendo poderosos.
Mais uma vez, gostaria de reconhecer sua importante e corajosa contribuição.
Grande abraço, Deltan”, escreveu no dia 29 de maio de 2018, às 21h37.
De acordo
com a Transparência Internacional, o posicionamento da nota foi impessoal e
está em convergência com a missão institucional da organização e com o
histórico de defesa da liberdade de expressão de agentes de aplicação da lei.
Já o MPF defendeu que o fato “trata-se de interesse público e não questão de
interesse particular”.
A TI afirmou
ainda que “em todos os países em que houve tentativa real de autoridades locais
de levar investigações adiante, houve poderosa reação através de campanhas de
deslegitimação dos processos e criminalização de seus agentes” e que “em todos
os casos, a TI atuou e continua atuando contra a impunidade e, principalmente,
contra as intimidações e retaliações sobre os agentes públicos”.
Na terça-feira, 8 de setembro, Dallagnol foi punido justamente por conta de seus tweets.
O CNMP acatou uma queixa de Renan Calheiros (MDB-AL) a respeito de postagens nas quais o procurador afirmava que a eleição de Calheiros à presidência do Senado travaria projetos anticorrupção do Congresso.
O CNMP
avaliou que Dallagnol extrapolou os limites da liberdade de expressão e agiu
para interferir em outro poder. A pena imposta determina que ele não pode ser
promovido por um ano.
Preocupação
com a percepção pública sobre apoio à Lava Jato
Desde junho de 2017, Brandão e Dallagnol começaram a conversar sobre a criação de um fundo para distribuir aportes a projetos de combate à corrupção.
A ideia partiu do
diretor da TI. “Deltan, talvez uma boa ideia seria vcs criarem uma espécie de
fundo para distribuir mini-grants para iniciativas de controle social e de
prevenção da corrupção. A TI pode ajudar a operacionalizar isto. Seria uma
mensagem muito positiva da FT-LJ também…”, escreveu Brandão à Dallagnol em 8 de
junho daquele ano.
“Difícil
gerenciar pra nós. Só se for algo com a TI, mas teria que ser montado a partir
daí pq nem pelo MPF posso assinar rs. Nós poderíamos participar das decisões de
destinação… se quiser propor o desenho disso, gostei mto da ideia”, respondeu
Deltan.
A proposta
surgiu depois de Dallagnol ter oferecido à ONG uma doação de US$ 75 mil que a
força-tarefa poderia ganhar em um prêmio. “Ponto é: podemos doar pra TI?”,
perguntou o procurador a Brandão.
“Sobre a
doação, mais uma vez obrigado pelo grande apoio, vou conversar com os colegas
em Berlim e avaliar os riscos. Seria sem dúvida uma grande ajuda, mas o risco
que vemos é comprometer – pelo menos na percepção pública – nosso apoio à Força
Tarefa (que com certeza teremos que apoiar cada vez mais)”, respondeu o diretor
da organização, enviando em seguida uma mensagem com a seguinte correção:
“*comprometer, na percepção pública, a isenção do nosso apoio a vocês”.
A doação não foi adiante, segundo a própria TI explicou – todas as doações são publicadas no site da organização.
Mas o diálogo sobre a criação de um fundo seguiu adiante e
tomou forma com a possibilidade da multa bilionária da Petrobras.
TI foi
consultora informal da fundação da Lava Jato
A
Transparência Internacional foi parceira de primeira hora na criação da
fundação prevista em um acordo firmado entre o MPF e a Petrobras, depois
considerado ilegal pelo STF, que entendeu que o MPF estava “exacerbando suas
funções”.
O protagonismo dos procuradores na criação e gestão de uma organização de direito privado, que ficaria com uma parcela da multa da Petrobras, gerou desconfiança da sociedade e duras críticas de juristas e autoridades contra a força-tarefa da Lava Jato.
O acordo previa, por exemplo, que a fundação teria sede em Curitiba e que o MPF e o MP do Paraná teriam a prerrogativa de ocupar um assento cada um no órgão de deliberação superior da fundação.
Ao mesmo tempo,
conforme revelado pela Folha de S.Paulo e The Intercept Brasil, Dallagnol
estava negociando a criação de uma empresa para vender palestras anticorrupção
em parceria com outro procurador.
Em relatório
de fim de ano denominado “Retrospectiva Brasil 2019”, em que a Transparência
Internacional faz um resumo dos avanços e retrocessos da agenda anticorrupção
no período, a entidade chamou de “ato hostil” o pedido de anulação do acordo
feito pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge ao STF, que
suspendeu a medida em março de 2019. A verba acabou sendo destinada para o
combate à Covid-19.
A ONG, no entanto, não informou à sociedade que havia participado extraoficialmente da elaboração do texto da minuta desse mesmo acordo.
Ele previa a destinação de R$
2,5 bilhões para uma fundação privada que investiria em projetos, iniciativas e
entidades com atuação na prevenção e combate à corrupção – mesmo perfil da
Transparência Internacional.
A destinação desse dinheiro estava sendo discutida entre os procuradores brasileiros e as autoridades americanas desde 2015, conforme revelado pela Pública em março, e é fruto de um acordo entre a Petrobras e o governo americano.
Já em outubro
daquele ano, Deltan Dallagnol defendia usar a verba para entidades que combatem
a corrupção – e citava, inclusive, a Transparência Internacional. “Precisamos
de alguém que se disponha a estudar e bolar um destino desses valores que
agradaria a todos, como um fundo, entidades contra a corrupção, o sistema de
saúde público, fundo de direitos difusos, fundo penitenciário, órgãos públicos
que combatem corrupção, a transparência internacional Brasil ou contas abertas
etc”, afirmou no Telegram aos colegas que participavam do Chat FT MPF Curitiba
2, em 8 de outubro.
Em dezembro
de 2018, mais de um mês antes de o acordo que criava a fundação se tornar
público – o que aconteceu em 23 de janeiro de 2019 –, pelo Telegram Dallagnol
encaminhou o arquivo com uma versão preliminar da minuta para Bruno Brandão e
para Michael Mohallem, professor da Fundação Getulio Vargas Direito Rio,
pedindo sugestões.
“Caros,
temos uma versão preliminar do acordo com a Petrobras. Vcs podem olhar e dar
sugestões, com base na sua experiência? […]”, escreveu o procurador no chat
10M+ a Vingança, no dia 7 de dezembro de 2018. Esse grupo do Telegram, formado
por Dallagnol, Brandão e Mohallem, foi criado com objetivo principal de debater
as novas medidas de combate à corrupção.
Sete dias
depois da mensagem do procurador, o diretor da TI enviou um arquivo com suas
sugestões para o acordo.
Entre eles,
Brandão alertou Dallagnol sobre possíveis críticas, que se concretizaram após a
publicação do acordo, de que “o MP está criando sua própria fundação pra ficar
com o dinheiro da multa”. Deltan ignorou as sugestões do diretor da TI.
Mesmo assim, depois de a minuta ter vindo a público e causado diversas críticas, Brandão foi à imprensa defender o texto final. “A crítica [de exacerbação do papel do Judiciário] seria razoável se o Ministério Público determinasse, de maneira discricionária, o destino dos recursos. Mas não é isso que está acontecendo.
Eles não estão se apropriando dos recursos; estão devolvendo para a sociedade”,
defendeu Brandão, em entrevista à Folha de S.Paulo, em 3 de março de 2019.
Em 29 de
novembro de 2018, o procurador Paulo Roberto Galvão se reuniu com Brandão e o
professor Michael Mohallem “para ver o modelo de destinação” dos recursos da
Petrobras.
No resumo do encontro que fez aos colegas no Chat Acordo Petro x DOJ x SEC, ele escreveu, sobre a proposta: “Por enquanto pedem para não ser compartilhada com Petrobras.
TI tem receio de ficar fora da possibilidade de receber recursos Possibilidade
de questionamento do modelo – na J&F há gente querendo dizer que o dinheiro
deveria ser usado integralmente para ressarcimento ao erário – mas não afeta o
nosso caso”.
A Transparência Internacional participou da elaboração de um plano de trabalho para gerir recursos da multa de R$ 2,3 bilhões imposta à J&F pela força-tarefa da Greenfield, do MPF.
O acordo de leniência previa a destinação do dinheiro
para projetos sociais. A colaboração formalizou-se com a assinatura de um
memorando de entendimento, em 12 de dezembro de 2017, entre a TI, J&F e o
MPF.
De acordo
com a TI, foi com base nessa experiência que a força-tarefa da Lava Jato em
Curitiba solicitou à organização, em dezembro de 2018, recomendações técnicas
para diretrizes de governança e destinação de investimento social, para
inserção em acordo com a Petrobras.
“A TI Brasil apresentou as sugestões, baseadas nas referências do trabalho realizado no âmbito do Memorando de Entendimento, conforme solicitado pelos procuradores da Força Tarefa Lava Jato em Curitiba.
Entre as recomendações apresentadas pela TI
Brasil, estava o alerta para que o Ministério Público não fosse instituidor ou
participasse da governança da entidade a ser criada”, destacou a entidade.
O professor
Michael Mohallem afirmou que, devido à sua participação em projetos de pesquisa
relacionados ao combate à corrupção, recebe “ocasionalmente consultas
acadêmicas sobre iniciativas no campo do conhecimento”.
Questionada
sobre a possibilidade de receber recursos, a Transparência Internacional
respondeu que “nunca recebeu qualquer tipo de remuneração ou pleiteou qualquer
função de gestão e jamais teve qualquer acordo para receber recursos” e que “a
TI Brasil não contribuiu com recomendações para o caso dos recursos da
Petrobras visando beneficiar-se”.
Segundo o
MPF, o processo de reflexão e formatação do acordo foi de responsabilidade
exclusiva dos 14 procuradores da força-tarefa.
“Houve
grande preocupação dos procuradores em garantir mecanismos de governança para
que a fundação de interesse público que seria criada atuasse segundo as
melhores práticas e com ampla transparência, observando-se regras como
objetividade, impessoalidade e accountability. Por isso, nesse processo, foram
buscados subsídios junto a vários atores de órgãos públicos e da sociedade
civil”, afirmou o MPF.
Conflito de
interesses?
Semanas depois de o diretor da Transparência Internacional ter opinado sobre o texto da minuta, a ONG foi convidada a opinar sobre a formação da fundação.
O acordo
assinado pelo MPF e pela Petrobras previa que entidades da sociedade civil
indicariam nomes para compor um Comitê de Curadoria Social. Seus membros seriam
responsáveis por supervisionar a constituição da entidade, a cargo do próprio
MPF. Por escolha de Dallagnol, a TI foi uma das primeiras organizações
convidadas.
“Temos agora que começar os passos pra constituir a fundação. Precisamos expedir ofícios. Acho que um próximo passo é obter indicação de pessoas com reputação ilibada e tal… FAz um despahco para expedirmos ofícios: -para convidar AGU e CGU para indicarem pessoa para participarem da constituição da fundação… um ofício dizendo que dadas as importantes funções e expertise etc, seria muito profícuo etc… e pede pra indicar alguém -para as entidades … Olha o acordo e veja o que mais precisamos Quanto às entidades, tem que selecionar tb.
De cabeça, penso em TI e Observatório Social.
Tem tb a Contas Abertas, a Amarribo, o Instituto
Ethos…. tem que ver quais mais. Vou perguntar”, escreveu Dallagnol a um
assessor da procuradoria em 30 de janeiro de 2019.
Dallagnol chegou a ser questionado por colegas sobre a forma como essas entidades foram escolhidas. O procurador Vladimir Aras apontou falta de transparência.
Ele
também demonstrou incômodo com a participação do MPF e do Ministério Público
Estadual do Paraná na estrutura da fundação, vista por ele como a principal
fraqueza do acordo. “Pensem bem nisso. Ser fiscal e integrante da entidade
fiscalizada não é uma boa prática de conformidade e governança”, observou a
Dallagnol.
Segundo a
Procuradoria do Paraná, os critérios de destinação de recursos seriam ainda
definidos em estatuto, “inclusive para evitar conflitos de interesses”. “É
importante esclarecer mais uma vez que o acordo previa que o Ministério Público
Federal teria uma de várias cadeiras do Conselho Curador, tendo participação
reduzida, portanto, e jamais qualquer controle, sobre a planejada fundação”,
acrescentou.
À reportagem, a Transparência Internacional afirmou que “a TI Brasil não contribuiu com recomendações para o caso dos recursos da Petrobras visando beneficiar-se. Estivesse em busca de recursos, teria aceito diretamente a oferta de financiamento feita pelo grupo J&F, ainda em 2017, para cumprir obrigação de seu acordo de leniência.
Em vez disso, a TI optou por se engajar
em empreitada muito mais demandante e desafiadora, mas com potencial
transformador da realidade da sociedade civil brasileira”.
Parceira
fiel
A Transparência Internacional continuou apoiando a Lava Jato e seus protagonistas mesmo após as revelações da série de reportagens da Vaza Jato que explicitou o papel político da operação e mostrou comportamentos antiéticos e fora dos padrões legais de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros procuradores da força-tarefa.
A entidade, inclusive, amenizou o escândalo.
“O conteúdo
das mensagens revelava um grau problemático de proximidade entre o juiz Moro e
os membros da FT [força-tarefa], assim como instâncias de conduta antiética ou
questionável. Embora parte das críticas feitas aos integrantes da força-tarefa
seja justificada, as publicações da Vaza Jato foram usadas para atacar a
operação e os seus agentes”, posicionou-se a TI no relatório de fim de ano
“Retrospectiva Brasil 2019”.
“Ainda não houve relatos de ofensas mais graves ocorridas durante as investigações ou nos julgamentos, como falsificação de provas ou coerção de testemunhas.
O escândalo afetou a imagem da Operação Lava-Jato e aprofundou a divisão dentro do Ministério Público”, acrescentou.
À Pública, a organização afirmou que “os
vazamentos foram instrumentalizados por quem queria apenas colocar fim à maior
operação de combate à corrupção no Brasil e perpetuar a impunidade”.
No mesmo dia em que o então ministro Sergio Moro anunciou sua demissão (motivada, segundo ele, pela interferência política do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal), a ONG publicou uma forte nota de apoio a Moro.
“As instituições e a
sociedade brasileira devem agir para salvar a luta contra a corrupção e o
regime democrático: as gravíssimas revelações do ex-ministro Sergio Moro
precisam ser apuradas”, diz o título do texto.
Dias depois, a organização criticou a tentativa do procurador-geral da República, Augusto Aras, de retomar a negociação de um acordo de delação premiada com o advogado Rodrigo Tacla Duran, apontado como operador financeiro da Odebrecht no exterior, que atingiria um amigo do ex-ministro e ex-juiz da Lava Jato.
“Quando
um PGR indicado politicamente transita tão intensamente no meio político,
instala-se permanente receio de que suas ações não se blindem inteiramente da
política”, escreveu a ONG no Twitter no dia 3 de junho.
A
Transparência Internacional, no entanto, não se manifestou quando Moro
abandonou a magistratura para entrar no governo Bolsonaro, mesmo sendo o
principal nome da Operação Lava Jato e o responsável pela prisão do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o tirou da disputa eleitoral e
abriu caminho para a vitória do capitão reformado.
Em 2016, a TI deu o seu prestigioso Prêmio contra a Corrupção para a força-tarefa, afirmando que “a Operação Lava Jato começou como uma investigação local sobre lavagem de dinheiro e se transformou na maior investigação que expôs casos de corrupção no Brasil até o momento”.
A organização reforçou que os promotores
“lidaram com um dos maiores escândalos de corrupção do mundo, o caso Petrobras,
averiguaram, processaram e obtiveram severas penas contra alguns dos membros
mais poderosos da elite político-econômica do Brasil”.
*Foto
destaque: Marcelo Camargo/Agência Brasil – Arte: Larissa Fernandes/Agência
Pública
CONTINUA
Fonte: https://antropofagista.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário