Os Áudios Inéditos Da Mulher De Queiroz: “Eu Não Estou
Aguentando”
21/08/2020
Os Áudios
Inéditos Da Mulher De Queiroz: “Eu Não Estou Aguentando”
Celeste Silveira 21 de agosto de
2020
Gravações
mostram por que Márcia de Aguiar era — e ainda é — a principal aposta do MP
para elucidar o caso das rachadinhas.
Desde o
início da investigação do esquema de rachadinha, o senador Flávio Bolsonaro
aposta as suas fichas nos tribunais superiores, em Brasília, para conseguir o
arquivamento do caso.
Ainda não se sabe se a estratégia dará certo, mas a mais
recente decisão judicial favoreceu, pelo menos indiretamente, o filho mais
velho do presidente da República.
No último dia 14, o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes restabeleceu o regime de prisão domiciliar
do policial militar aposentado Fabrício Queiroz e da mulher dele, Márcia de Aguiar,
apenas um dia depois de o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Felix
Fischer, ter ordenado que o casal fosse preso.
A decisão de Mendes teve como
efeito serenar os ânimos de Queiroz e Márcia, que trabalharam no gabinete de
Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e são considerados pelo
Ministério Público testemunhas capazes de esclarecer se o Zero Um embolsou
parte dos salários dos servidores na Alerj e, assim, cometeu os crimes de
peculato, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.
“A nossa
família está desmoronada, Ana, e eu estou assim emocionalmente abalada.
A minha
depressão sei que voltou, porque eu vivo chorando pelos cantos. Eu vivo
chorando, entendeu? Na minha vida eu sempre fui uma mulher muito forte, mas eu
não estou aguentando essa onda sozinha…”
“Só que eu
não estou aguentando, você está entendendo? Não estou aguentando.
Está muito
difícil, amiga, está muito difícil, está muito difícil. Só Deus sabe. Só Deus
para me ajudar a seguir. Porque não tenho vontade de fazer nada, nada, nada, de
fazer comida, de fazer nada. Não tenho vontade de sair.
Não vontade de me
arrumar. Não tenho. Cheguei a um estágio emocional, amiga, que está…”
“A gente não
é foragido. Isso está acabando comigo, amiga, acabando. De boa mesmo. Está
acabando. Está me destruindo por dentro.
Eu estou aqui me desabafando, porque
não consigo passar isso para ele. Porque se eu passar o estado emocional que
estou, como estou falando com você, para o Queiroz, ele vai ficar desesperado.
Porque a força dele é em mim aqui…”
“A minha
depressão veio assim forte, porque estou exatamente desse jeito que você está
vendo aqui, emocionalmente destruída, destruída.
Se eu passar isso para o
Queiroz, ele não vai aguentar, porque ele acha que sou forte. Só que eu não
sou, como ele também não é”, diz Márcia em mensagem de áudio enviada em
novembro de 2019.
Amigo de
Jair Bolsonaro há mais de trinta anos e suspeito de ser laranja da
primeira-família da República, Queiroz nunca demonstrou interesse em revelar os
seus segredos, tanto que ficou um ano escondido até ser preso num imóvel em
Atibaia (SP) pertencente a Frederick Wassef, advogado dos Bolsonaro na época da
prisão.
A promessa de lealdade de Queiroz é simples: manter o silêncio enquanto
a sua família for preservada. Um áudio revelado pelo site de VEJA em abril
passado deixou claros os termos dessa combinação.
Nele, Queiroz agradece a um
interlocutor não identificado: “Gratidão não prescreve, cara, não prescreve
mesmo. O que você está fazendo pelas minhas filhas aí, cara, não tem preço”.
Esse roteiro silente era seguido tal qual o combinado até a decretação da
prisão preventiva do PM aposentado e da mulher dele, sob a acusação de
obstruírem as investigações.
Márcia não aceitou a cadeia e fugiu até o casal
conseguir o direito à prisão domiciliar.
Enquanto esteve foragida,
consolidou-se entre investigadores e no entorno de Flávio Bolsonaro a percepção
de que ela é o elo mais frágil dessa cadeia de blindagem, a testemunha que, sob
pressão, pode revelar detalhes de como funcionou o esquema de rachadinha e,
principalmente, se a família Bolsonaro se beneficiou dele.
“EU NÃO
ESTOU AGUENTANDO”
“Estou muito
preocupada com o Queiroz (…) Ele anda muito abalado emocionalmente, com o
stress à flor da pele (…) Ele está no limite dele.
E a minha preocupação é esse
stress, esse emocional dele abalado, piorar a situação dele com essa doença”, diz
Márcia, em mensagem de áudio enviada em novembro de 2019.
Em outro
áudio, Márcia confessou a Ana Flávia que se sentia agoniada porque não podia
falar sobre a sua vida com ninguém, nem desabafar com as suas amigas. Ela
contou que, ao longo de um ano, teve de abrir mão de sua vida particular,
privar-se de ir ao médico até para fazer exames de rotina e, em alguns
momentos, não podia sequer utilizar o celular.
Todas essas cautelas faziam
parte das orientações dadas pelo “Anjo”, que queria manter sob segredo o
paradeiro de Queiroz.
O Ministério Público do Rio desconfia que o Anjo seja o
advogado Frederick Wassef, que nega o apelido e a acusação nele embutida.
“A
nossa vida está sendo regida por ele, pelo que ele quer”, disse Márcia. “A
gente não é foragido. Ah, que saco. Eu já não estou aguentando mais essa
situação, amiga.
Não estou. Ganhando ou não ganhando, o nosso nome vai ficar na
mídia, o nome do Queiroz vai ficar na mídia por muito tempo.”
As mensagens
revelam ainda que o “Anjo” pretendia alugar uma casa em São Paulo para esconder
toda a família do policial militar aposentado.
A ideia era tirar todos de cena.
Márcia não concordava. Queiroz, aparentemente, também não. “Ele anda muito
abalado emocionalmente, com o stress à flor da pele”, relatou Márcia,
referindo-se ao marido. “Ele está no limite dele. E a minha preocupação é esse
stress, esse emocional dele abalado, piorar a situação dele com a doença.”
Em resposta,
Ana Flávia diz que Queiroz reclamou da situação para o “Anjo”:
“Eu sei que ele
não está bem. Igual você falou: ele tenta mostrar que está bem e tudo. (…) Ele
está tentando se distrair. Mas a gente sabe que não está fácil. (…) Ele mesmo
falou para o Anjo: ‘Olha, eu não estou aguentando mais. Quero ir para minha
casa’”.
Em entrevista exclusiva dada a VEJA em junho, Wassef alegou ter dado
guarida a Queiroz por razões humanitárias.
O policial militar aposentado, que
enfrenta um tratamento de câncer, precisava, segundo o advogado, de um lugar em
São Paulo para se hospedar enquanto cuidava da saúde.
Wassef também afirmou que
nunca manteve contato direto com Queiroz e que ninguém da família Bolsonaro
sabia desse seu gesto de solidariedade. Interlocutora de Márcia, Ana Flávia
contradiz ao menos parte dessa versão.
Num dos áudios, ela afirma: “Você sabe
que, com o Anjo aqui, acaba todo mundo indo dormir tarde. Agora, o nosso amigo
está conversando com o Anjo”. Em outro momento, reforça: “Ele tenta não
transparecer, mas está estressado, sim. Ele falou para o Anjo que não aguenta
mais isso, que está cansado e que ele quer ir embora.
Eu também falei para o
Anjo: ‘Olha, essa história de alugar casa aí, eu não vou atrás. Não vou. A não
ser que você sente e dê o dinheiro’”.
“Eu sei que
ele não está bem. Igual você falou: ele tenta mostrar que ele está bem e tudo.
Mas a gente sabe que ele está preocupado. E não é para menos, né? Ele se
distrai aqui, cozinhando, arrumando a casa, essas coisas. (…) Ele mesmo falou
para o Anjo: ‘Olha, eu não estou aguentando mais. Quero ir para minha casa’”,
responde Ana Flávia Rigamonti, advogada que acompanhava Queiroz em Atibaia
De
repercussão política incontestável, a prisão de Queiroz e de Márcia acelerou o
processo de moderação adotado pelo clã Bolsonaro.
As explicações do policial
militar aposentado sobre pontos da investigação do esquema de rachadinha podem
ou não implicar a família do presidente em crimes. Já se sabe que Queiroz
movimentou recursos em quantidade incompatível com sua remuneração mensal —
segundo relatório do Coaf, 1,2 milhão de reais entre janeiro de 2016 e janeiro
de 2017.
Já se sabe que ele recebeu parte dos salários dos servidores de Flávio
Bolsonaro na Alerj e, no mesmo período, pagou em dinheiro vivo despesas
pessoais do então deputado estadual, hoje senador. Já se sabe também que
Queiroz e Márcia depositaram, por meio de cheques, cerca de 90 000 reais na
conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro.
O presidente alegou que parte desses
valores era o pagamento de um empréstimo que fez a Queiroz.
Os advogados dos
citados argumentam que há uma explicação para cada transação financeira
realizada, que será apresentada no momento oportuno perante a Justiça.
Já
Márcia deixou clara num dos áudios sua insatisfação com a cruz que, segundo
ela, apenas a sua família está sendo obrigada a carregar. “Eu estou vendo que
todo mundo está vivendo a sua vida”, disse ela.
“Agora, a gente não. Então,
somos foragidos para viver fugindo? Não é possível isso, entendeu?” Márcia
também não se conforma, como relatou a VEJA uma pessoa próxima a ela, com o
fato de o padrão de vida de sua família, modesto, de classe média baixa, ser
incompatível com a dinheirama que seu marido movimentou.
Queiroz, nas palavras
da própria mulher, não enriqueceu com os serviços que prestou.
*Com
informações da Veja
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