Com 400
Investigações Em Andamento, Lava Jato De Curitiba Pode Acabar Em Menos De Um
Mês
27/08/2020
Com 400
Investigações Em Andamento, Lava Jato De Curitiba Pode Acabar Em Menos De Um
Mês
Celeste Silveira 26 de agosto de
2020
Reuters
–
A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, berço da operação e com 400
inquéritos em andamento com várias frentes de investigação, como casos
envolvendo empreiteiras, empresas estrangeiras e multinacionais que firmaram
contratos com a Petrobras, segundo informações obtidas pela Reuters, enfrenta
pressões em meio à discussão sobre o fim do grupo em menos de um mês.
Há cerca de
200 inquéritos abertos pela polícia e outros 200 pelo Ministério Público
Federal, de acordo com fontes.
Existem ainda apurações sobre lavagem de
dinheiro com galerias de arte e iniciativas sob sigilo e inéditas que envolvem
políticos que perderam foro privilegiado, além de tratativas sobre eventuais
acordos de delação premiada e de leniência em curso.
Essas linhas
de investigação da força-tarefa de Curitiba podem ser afetadas caso o
procurador-geral da República, Augusto Aras, um crítico antigo da Lava Jato,
decida não renovar até o dia 10 de setembro a designação dos procuradores do
grupo.
O debate
sobre a prorrogação da força-tarefa ocorre no pior momento da operação,
admitiram fontes envolvidas.
Entre os
vários pontos de atrito recentes entre apoiadores e críticos da Lava Jato estão
pedidos para afastar o coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan
Dallagnol, suspensos pelo Supremo Tribunal Federal;
a derrubada recente de
decisões sobre a Lava Jato no Supremo e a possibilidade de novos reveses,
inclusive em processos que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva;
o aumento das críticas à operação no Congresso com ameaças de CPIs, e a
aproximação do presidente Jair Bolsonaro com parlamentares do centrão, muitos
deles alvos da operação.
Atualmente,
são 14 procuradores que atuam com dedicação exclusiva e 45 servidores
auxiliando a força-tarefa de Curitiba, que continuam a trabalhar remotamente
desde 15 de março e sempre se reunindo virtualmente ao menos uma vez por semana
devido à pandemia do novo coronavírus.
O grupo quer
seguir com as investigações e argumenta que, além de uma série de inquéritos
para tocar, tem tido um histórico eficiente: até julho de 2020, segundo dados
obtidos pela Reuters, foram recuperados quase 15 bilhões de reais aos cofres
públicos; firmadas 209 delações premiadas e 15 acordos de leniência; houve 71
fases, 532 pessoas acusadas criminalmente em 125 denúncias; 263 condenações de
165 pessoas.
“O modelo de
forças-tarefas é usado no mundo inteiro para investigar e atuar contra esquemas
criminosos complexos.
Um procurador sozinho não dá conta de todo o trabalho.
Os
números mostram que o modelo é eficiente e compensa”, disse o ex-juiz da Lava
Jato e ex-ministro Sergio Moro à Reuters, exaltando os números da operação.
Por ora,
segundo fontes ligadas a Aras, não há uma decisão sobre prorrogar a
força-tarefa de Curitiba.
“Enquanto
pudermos entregar coisas relevantes, a força-tarefa tem que ser mantida”, disse
um dos integrantes da força-tarefa de Curitiba à Reuters, sob a condição do
anonimato, diante da sensibilidade do assunto.
No fim de
julho, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, abriu uma
consulta para saber quais procuradores teriam interesse de fazer parte de
forças-tarefas.
O interessado terá de acumular o trabalho da força-tarefa com o
que desempenha atualmente e precisará do aval do coordenador da apuração —em
Curitiba, a aquiescência é dada por Deltan Dallagnol.
Jacques
destacou na consulta que o conjunto das forças-tarefas é maior que as unidades
do MPF em 20 Estados, entre eles Amazonas, Mato Grosso e Distrito Federal.
Pelas contas, segundo uma das fontes, são de 65 a 70 procuradores nesses
grupos.
O teto de gastos tem impedido o crescimento do número de procuradores,
acrescentou o vice-procurador.
Outra
questão também é o custo das forças-tarefas. Em 2018, as despesas com diárias e
passagens foi maior do que qualquer procuradoria no país e há também o gasto de
3,7 milhões de reais em gratificações pagas a procuradores por acumularem o
trabalho dos colegas que estão cedidos aos grupos.
“Essa nova
realidade constitucional impõe ao Ministério Público Federal uma nova
racionalidade no enfrentamento de suas prioridades e na sua dispersão
territorial”, considerou Jacques.
Uma fonte
ligada a Aras —procurador-geral escolhido por Bolsonaro fora da lista tríplice
da categoria— contestou o argumento de eficiência usado pela Lava Jato de
Curitiba.
Destacou que o dinheiro devolvido pela operação não vai para o caixa
do MPF e que essa é a função do próprio procurador.
No embate
com a força-tarefa de Curitiba, Aras chegou a dizer que haveria uma “caixa de
segredos” no grupo com informações fora do sistema do MPF, fala repudiada pelo
grupo.
Durante o recesso do Judiciário, a PGR chegou a obter uma liminar do
presidente do STF, Dias Toffoli, para ter acesso ao banco de dados das Lava
Jato de Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro.
Depois, o relator da operação no
Supremo, Edson Fachin, barrou esse repasse.
Fora do MPF,
há também críticas sobre a força-tarefa. Investigado na operação perante o
Supremo, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vê
excessos e respaldou críticas de Aras à operação.
Recentemente, em entrevista
ao jornal O Globo, o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro
(Republicanos-RJ), disse que as investigações da operação tentam fazer “gol de
mão”.
Embora não
tenha questionado a ação, Bolsonaro tem se mantido em silêncio quanto à Lava
Jato, após efusivos elogios desde a época da campanha eleitoral de 2018.
Afirmou há semanas numa rede social que não respondia por operações conduzidas
por outros Poderes.
“Qualquer
operação, de combate à corrupção ou não, deve ser conduzida nos limites da lei,
e assim tem sido feito no meu governo”, disse Bolsonaro no Twitter. “Quanto às
operações conduzidas por outro Poder, quem responde pelas mesmas não sou eu.”
Para um
ministro do STF, esse modelo de gestão de forças-tarefas tem dado sinais de
problema, e Aras tem atuado para tentar melhorar a governança. “A parte quer
mandar no todo”, criticou.
APOIO
POPULAR
Apesar das
críticas e pressão pelo seu encerramento, a Lava Jato em Curitiba conta com
amplo apoio na sociedade.
Sondagem divulgada pelo Instituto Paraná Pesquisas
apontou que 78,1% dos entrevistados são favoráveis à continuidade da grupo ante
apenas 15,8% contrários —6,1% não opinaram. A sondagem ouviu 2.260 pessoas em
todo o país, entre 11 e 15 de agosto.
Integrante
do Grupo Muda Senado, que apoia a Lava Jato, o senador Major Olimpio (PSL-SP)
disse que há um movimento que envolve segmentos dos três Poderes e também
interno da PGR para esvaziar a operação, contestar e anular julgamentos e
paralisar investigações. “Claro que há hoje uma campanha de satanização da Lava
Jato”, afirmou ele.
Também
integrante do Muda Senado, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) acredita que
se há excessos, caberia à Corregedoria do MPF avaliar. Há procedimento neste
sentido aberto no órgão. “As condições para não se renovar a força-tarefa estão
sendo dadas”, disse o senador.
Randolfe e
Olimpio participaram recentemente de uma conversa virtual com Aras na qual
disseram que o procurador-geral não se comprometeu com a prorrogação do grupo.
Procurado pela Reuters, o procurador-geral não se pronunciou.
Entre as
possibilidades, segundo fontes, a PGR estuda se mantém o grupo, se o fatia ou
coloca-o subordinado à Unac (Unidade Nacional Anticorrupção) —órgão que poderá
ser criado para chefiar as forças-tarefas— ou até mesmo substituí-las.
O debate
sobre a criação da Unac está sendo travado no Conselho Superior do MPF, o
principal órgão administrativo da instituição.
A
possibilidade de se criar uma estrutura que pode ser ligada diretamente à
cúpula da PGR preocupa integrantes da operação.
Dois deles concordam com o fim
da força-tarefa e até se atrelar as apurações à Unac, mas desde que haja uma
autonomia em relação ao procurador-geral.
“Em nenhum
momento, os atuais membros das forças-tarefas foram contra essa nova estrutura
da Unac”, disse um procurador que atua na Lava Jato. “Queremos uma estrutura
que funcione independentemente de quem seja o procurador-geral”, completou.
Procuradores
da Lava Jato têm conversado com integrantes do Conselho Superior do MPF a fim
de garantir —em caso de extinção das forças-tarefas— que procuradores continuem
a conduzir as apurações, segundo uma das fontes.
Duas fontes
admitem haver incômodo dentro e fora da instituição com o nome Lava Jato e até
não se preocupam com o fim desse uso. “Não precisa se prender nisso, querem
mudar o nome, dê outro”, disse uma delas.
No grupo,
segundo uma fonte, há quem veja que o procurador-geral, com suas críticas à
Lava Jato, pode, no final, estar prestando um serviço à narrativa de Lula, que
busca tirar a legitimidade de uma eventual candidatura presidencial de Moro em
2022.
Um interlocutor de Aras contesta essa avaliação. “Se há esse tipo de
leitura, é um erro em princípio. A força-tarefa está querendo se colocar como
cabo eleitoral?”, questionou.
Para Moro,
que não comentou essas discussões, a operação representou o fim da tradição de
impunidade da grande corrupção no Brasil, na esteira do caso do mensalão,
julgado pelo Supremo. Disse que quando juiz sempre decidiu com base na lei e em
provas.
“Nunca houve
qualquer política. Nunca tive questões pessoais com o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva”, destacou, citando que a sentença que deu sobre ele —a
condenação em 2017 no caso do tríplex do Guarujá— foi confirmada pelo Tribunal
Regional Federal da 4ª Região e pelo Superior Tribunal de Justiça.
“A Lava Jato
foi o produto de uma ação das instituições de Estado, várias delas, em várias
instâncias, inclusive do Supremo Tribunal Federal.
Como ela foi muito
abrangente, despertou vários inimigos que, por vezes, são pessoas politicamente
poderosas.
Algumas críticas são compreensíveis e devem ser consideradas, outras
são motivadas por interesses não coincidentes com a aplicação da lei”,
concluiu.
ERROS E
AVANÇOS
Em
entrevista à Reuters, o professor José Eduardo Faria, docente no Departamento
de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo e da
Fundação Getúlio Vargas, afirmou que a força-tarefa de Curitiba cometeu erros,
citando inexperiência de integrantes em como lidar com novos fatos, uso e abuso
de interpretações baseadas em princípios e trocas de informações, uma
referência às mensagens da chamada Vaza Jato.
Contudo,
Faria avalia que isso não é motivo para enterrar a Lava Jato ou a figura
jurídica das forças-tarefas. Para ele, houve um saldo positivo de avanços com
as investigações. “Os excessos não autorizam a destruição da Lava Jato”, disse.
O professor
da USP e da FGV disse que um traço comum nas forças-tarefas é a presença de
procuradores e juízes que estudaram no exterior e tiveram contato com uma
concepção do direito penal anglo-saxônica, baseada em princípios e conceitos
mais abertos, que se choca com a cultura do país que é franco-romano-germânica,
com tipos penais claros.
O docente
disse que o “pecado mortal” da força-tarefa foi a ida de Sergio Moro para o
governo Jair Bolsonaro. Segundo ele, ao haver uma “evidente vinculação” de Moro
com os procuradores, o ingresso do ex-juiz no governo fez com que eles
perdessem seu “grande trunfo” e “capital simbólico”.
“No momento
em que o então juiz Sergio Moro aceitou ser ministro da Justiça de um
presidente sem biografia, que foi eleito por circunstâncias que não cabe agora
(discorrer), naquele momento ele, de certo modo, tirava da Lava Jato a ideia de
que era uma operação que era absolutamente isenta, objetiva, sem envolvimento
partidário”, disse.
“E isso
enfraqueceria a ideia de uma força-tarefa do Ministério Público, abriria
caminho para que houvesse uma ruptura interna dentro do próprio Ministério
Público Federal, como está acontecendo, e isso geraria uma pressão da classe
política contra as forças-tarefas de modo geral”, completou.
*Ricardo
Brito/Reuters
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