COMO E POR QUE O INTERCEPT ESTÁ PUBLICANDO CHATS PRIVADOS SOBRE A LAVA JATO E SERGIO MORO
9 de Junho de 2019, 17h57
Imagem do Google
Parte 1
Série de
reportagens mostra comportamentos antiéticos e transgressões que o Brasil e o
mundo têm o direito de conhecer.
O Intercept
Brasil publicou
hoje três reportagens explosivas mostrando
discussões internas e atitudes altamente controversas, politizadas e legalmente
duvidosas da força-tarefa da Lava Jato, coordenada pelo procurador renomado
Deltan Dallagnol, em colaboração com o atual ministro da Justiça, Sergio Moro,
celebrado a nível mundial.
Produzidas a
partir de arquivos enormes e inéditos – incluindo mensagens privadas, gravações
em áudio, vídeos, fotos, documentos judiciais e outros itens – enviados por uma
fonte anônima, as três reportagens revelam comportamentos antiéticos e
transgressões que o Brasil e o mundo têm o direito de conhecer.
O material
publicado hoje no Brasil também foi resumido em duas reportagens em
inglês publicadas no Intercept, bem como essa nota dos editores do The
Intercept e do The Intercept Brasil.
Esse é
apenas o começo do que pretendemos tornar uma investigação jornalística
contínua das ações de Moro, do procurador Deltan Dallagnol e da força-tarefa da
Lava Jato – além da conduta de inúmeros indivíduos que ainda detêm um enorme
poder político e econômico dentro e fora do Brasil.
A
importância dessas revelações se explica pelas consequências incomparáveis das
ações da Lava Jato em todos esses anos de investigação.
Esse escândalo
generalizado envolve diversos oligarcas, lideranças políticas, os últimos presidentes e até mesmo líderes internacionais acusados de corrupção.
O mais
relevante: a Lava Jato foi a saga investigativa que levou à prisão o
ex-presidente Lula no último ano.
Uma vez sentenciado por Sergio Moro, sua
condenação foi rapidamente confirmada em segunda instância, o tornando
inelegível no momento em que todas as pesquisas mostravam que Lula – que
terminou o segundo mandato, em 2010, com 87% de aprovação – liderava a corrida eleitoral de 2018.
Sua exclusão da
eleição, baseada na decisão de Moro, foi uma peça-chave para abrir um caminho
para a vitória de Bolsonaro.
A importância dessa reportagem aumentou ainda mais
depois da nomeação de Moro ao ministério da Justiça.
Moro e os
procuradores da Lava Jato são figuras altamente controversas aqui e no mundo –
tidos por muitos como heróis anticorrupção e acusados por tantos outros de ser
ideólogos clandestinos de direita, disfarçados como homens da lei apolíticos.
Seus críticos têm insistido que eles exploraram e abusaram de seus poderes na
justiça com o objetivo político de evitar que Lula retornasse à presidência e
destruir o PT.
Moro e os procuradores têm negado, com a mesma veemência,
qualquer aliança ou propósito político, dizendo que estão apenas tentando
livrar o Brasil da corrupção.
Mas, até
agora, os procuradores da Lava Jato e Moro têm realizado parte de seu trabalho
em segredo, impedindo o público de avaliar a validade das acusações contra
eles.
É isso que torna este acervo tão valioso do ponto de vista jornalístico:
pela primeira vez, o público vai tomar conhecimento do que esses juízes e
procuradores estavam dizendo e fazendo enquanto pensavam que ninguém estava
ouvindo.
As
reportagens de hoje mostram, entre outros elementos, que os procuradores da Lava Jato falavam abertamente sobre seu
desejo de impedir a vitória eleitoral do PT e tomaram atitudes para
atingir esse objetivo; e que o juiz Sergio Moro colaborou de forma secreta e antiéticacom os procuradores
da operação para ajudar a montar a acusação contra Lula. Tudo isso apesar
das sérias dúvidas internas sobre as provas que
fundamentaram essas acusações e enquanto o juiz continuava a fingir ser o
árbitro neutro neste jogo.
O único
papel do Intercept Brasil na obtenção desse material foi seu recebimento por
meio de nossa fonte, que nos contatou há diversas semanas (bem antes da notícia da invasão do celular do ministro Moro, divulgada nesta
semana, na qual o ministro afirmou que não houve “captação de conteúdo”) e
nos informou de que já havia obtido todas as informações e estava ansiosa para
repassá-las a jornalistas.
Informar à
sociedade questões de interesse público e expor transgressões foram os
princípios que nos guiaram durante essa investigação, e continuarão sendo
conforme continuarmos a noticiar a enorme quantidade de dados a que tivemos
acesso.
O enorme
volume do acervo, assim como o fato de que vários documentos incluem conversas
privadas entre agentes públicos, nos obriga a tomar decisões jornalísticas
sobre que informações deveriam ser noticiadas e publicadas e quais deveriam
permanecer em sigilo.
Ao fazer
esses julgamentos, empregamos o padrão usado por jornalistas em democracias ao
redor do mundo: as informações que revelam transgressões ou engodos por parte
dos poderosos devem ser noticiadas, mas as que são puramente privadas e
infringiriam o direito legítimo à privacidade ou outros valores sociais devem
ser preservadas.
A bem da
verdade, ao produzir reportagens a partir desses arquivos, somos guiados pela
mesma argumentação que levou boa parte da sociedade brasileira – aí incluídos
alguns jornalistas, comentaristas políticos e ativistas – a aplaudir a
publicidade determinada pelo então juiz Moro das conversas telefônicas privadas entre a presidente
Dilma Rousseff e seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva (em que
discutiam a possibilidade do ex-presidente se tornar ministro da Casa Civil),
logo reproduzidas por inúmeros veículos de mídia.
A divulgação dessas ligações
privadas foi crucial para virar a opinião do público contra o PT, ajudando a
preparar o terreno para o impeachment de Dilma em 2016 e a prisão de Lula em
2018.
O princípio invocado para justificar essa divulgação foi o mesmo a que
estamos aderindo em nossas reportagens sobre esse acervo: o de que uma
democracia é mais saudável quando ações de relevância levadas a cabo em segredo
por figuras políticas poderosas são reveladas ao público.
Mas a
divulgação feita por Moro e diversos veículos da imprensa dos diálogos privados
entre Lula e Dilma incluíam não apenas revelações de interesse público, mas
também comunicações privadas de Lula sem qualquer relevância para a sociedade –
o que levou muitas pessoas a argumentarem que a divulgação tinha o propósito de
constranger pessoalmente o ex-presidente.
Ao contrário deles, o Intercept
decidiu manter reservada qualquer comunicação ou informação relacionada a Moro,
Dallagnol e outros indivíduos que seja de natureza puramente privada e,
portanto, desprovida de real interesse público.
Nós tomamos
medidas para garantir a segurança deste acervo fora do Brasil, para que vários
jornalistas possam acessá-lo, assegurando que nenhuma autoridade de qualquer
país tenha a capacidade de impedir a publicação dessas informações.
Ao contrário
do que tem como regra, o Intercept não solicitou comentários de procuradores e
outros envolvidos nas reportagens para evitar que eles atuassem para impedir
sua publicação e porque os documentos falam por si.
Entramos em contato com as
partes mencionadas imediatamente após publicarmos as matérias, que
atualizaremos com os comentários assim que forem recebidos.
Tendo em
vista o imenso poder dos envolvidos e o grau de sigilo com que eles operam– até
agora –, a transparência é crucial para que o Brasil tenha um entendimento
claro do que eles realmente fizeram.
A liberdade de imprensa existe para jogar
luz sobre aquilo que as figuras mais poderosas de nossa sociedade fazem às
sombras.
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