SUED E PROSPERIDADE
14/03/2021
Rebaixado A
Recruta Zero, Saída De Pazuello Significa A Desmoralização Das Forças Armadas
Celeste Silveira 14 de março de 2021
Um general da ativa que se humilha,
que se rebaixa, que se diminui ao ponto em que Pazuello se submeteu em
obediência a Bolsonaro, foi sim uma desonra para as Forças Armadas pela escala
hierárquica em que se posicionou como general em plena atividade em relação ao
capitão Bolsonaro.
De lambuja, o rebaixamento moral das
Forças Armadas foi inevitável, porque, a maneira com que Pazuello foi cuspido
do governo é o que se pode chamar de sinônimo de desrespeito, de vexame e de
ofensa às Forças Armadas.
Ser derrubado por Bolsonaro depois de
toda a desonra sofrida, sendo descartado como saco plástico que serve de
embrulho e, depois, é jogado no lixo na base do chute e tapa na cara, foi a
resposta que Bolsonaro deu para uma gestão que, desde o primeiro momento, gerou
protestos, quando, na verdade, por falta de honra e dignidade, Pazuello aceitou
a subordinação e o desrespeito público para apanhar no lugar do seu chefe,
amesquinhando a pasta da Saúde, mas sobretudo a própria imagem das Forças
Armadas.
Bolsonaro foi covarde com Pazuello,
levou-o a um desgaste total para fazer o descarte depois do Brasil, por total
ausência de gestão, se aproximar de 300 mil mortos por covid, por culpa sim de
Bolsonaro que era o verdadeiro ministro da Saúde e da inacreditável submissão
obsequiosa de alguém que parecia implorar para ser rebaixado.
Pazuello foi, sem dúvida, o capítulo mais funesto e ofensivo de Bolsonaro contra as Forças Armadas.
Primeiro porque
Pazuello entregou sua dignidade renunciando a qualquer vestígio de honra para
se submeter a uma humilhação nunca vista na história do Brasil, fazendo o
general e toda a cúpula das Forças Armadas virarem motivo de chacota, no mesmo
passo em que, além de todo o rebaixamento, teve que assumir para si e,
consequentemente para as Forças Armadas todo o ônus que deveria ser de
Bolsonaro pela carnificina que o seu governo está produzindo no país.
Lógico que ninguém se humilhou tanto
por caridade, até porque Pazuello e Forças Armadas se assemelham ao capitão,
afinal Bolsonaro é fruto das escolas de formação militar.
Mas isso não consola e não eleva a imagem de ninguém, nem de quem humilha e nem de quem é humilhado.
Pazuello sai
visado, marcado por uma trajetória trágica de alguém que não teve coragem ou
envergadura que levasse a desistir da pasta na primeira das muitas humilhações.
Pazuello impressiona os brasileiros
com sua fraqueza moral que agradava em cheio, pois Bolsonaro sempre fez questão
que todos o vissem sujar e detonar de vez as Forças Armadas.
*Carlos
Henrique Machado Freitas
CONCLUIDO
Como Em Enredo De Peça Grega, Lula Volta Para Salvar Democracia
Celeste Silveira 14 de março de 2021
A anulação das condenações de Luiz Inácio Lula da Silva e os votos pela suspeição de Sergio Moro no STF, tal qual uma tragédia grega, reabilitam o ex-presidente e lhe conferem o papel de salvar a democracia brasileira, defende professor da USP.
Discurso mostrou Lula apto a
governar e ergueu um dique de contenção temporário para Bolsonaro e suas
loucuras de extrema direita.
“Eu não quebro, não, porque sou
macio” (Chico Buarque)
A tarde quente e nublada do sábado, 7
de abril de 2018, em que Luiz Inácio Lula da Silva, então com 72 anos, saiu
preso do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, marcou um
momento fatal na carreira do ex-operário convertido em presidente da República.
Ninguém, nem mesmo “o cara” de Obama, passa impune por 580 dias preso sob a
sombra de encardidas acusações. Ali se encerrava um ciclo.
Foi no período que se abriu,
pós-prisão, que vimos emergir o atual presidente Jair Bolsonaro, ocupando o
vácuo de liderança popular encarcerada em Curitiba. Eis que, passados três
anos, em que o vazio de uma oposição politicamente efetiva ao ex-militar
reformado vinha tornando irrespirável o ar nacional, acontece o milagre da
ressurreição. Para tanto, não bastava Lula estar solto. Tinha que poder
concorrer às eleições presidenciais, desde sempre a sua arma infalível para ser
ouvido no Brasil.
Anos atrás, no início desta infindável
crise, um amigo mencionou, a propósito de Dilma Rousseff, a peça “Filoctetes”,
de Sófocles, que eu não conhecia, sobre uma vítima de ostracismo. Ao observar o
que aconteceu nas 72 horas desde que Lula foi reabilitado até o fim do seu
discurso “épico”, a lembrança voltou.
Sem avisar ninguém, na segunda-feira
(8), com o número de mortos pela Covid-19 crescendo sem parar, Edson Fachin, o
enigmático ministro do STF que apoia Moro e Lula ao mesmo tempo, arvorou-se no
papel de Ulysses, não o Guimarães, mas o grego, e tirou o personagem desterrado
da ilha deserta.
Talvez, com a reabilitação do lulismo, os aqueus vençam Troia, terá pensado o juiz? No caso da tragédia brasileira, goste-se ou não do passado de Lula, à esquerda ou à direita, o rol que lhe foi agora conferido é o de salvar a democracia.
O regime democrático é
o único meio de voltarmos a ter não a resolução de todos os problemas, coisa
que, sabemos, só ocorre nos contos de fadas (e os dramaturgos neles não creem),
mas um mínimo de racionalidade na condução do Estado.
Note-se que a reserva de Fachin foi
tal que até Lula, escalado de uma hora para outra, foi pego de surpresa. O que
lhe deu certo espaço para o indispensável aquecimento foi a entrada em cena de
outro membro do STF, cuja longa costura contra a Lava Jato explica, em parte, o
lance espetacular do colega que fez carreira no Paraná.
Sim, pois no dia seguinte à decisão
de Fachin, quando Lula já anunciava a coletiva que foi obrigado a adiar, Gilmar
Mendes, esgrimindo o julgamento da suspeição de Moro, tomou à força o centro do
palco para contar, em cadeia nacional, como o ex-chefe autonomeado da Lava
Jato, uma espécie de guardião da Torre de Londres —na expressão célebre de
outro Sérgio (Machado)—, tramara com procuradores e policiais para incriminar e
condenar Lula e, quem sabe, de passo, proclamar, ao arrepio das leis, uma
República independente no Paraná.
Enfim, secundado por Ricardo
Lewandowski, Mendes acabou por calçar moralmente a decisão tomada por Fachin no
“take” anterior. (Se esta peça não fosse tão curta, seria interessante explorar
a disputa por protagonismo entre suas excelências. Fica para outra
oportunidade).
Mas, apesar do interesse provocado
pela oratória de Mendes, a qual não poupou referência nem sequer à própria
decisão escandalosa de impedir Lula de assumir a chefia da Casa Civil em março
de 2016, Fachin roubara a cena, pois o principal estava resolvido: até segunda
ordem, Lula é candidato. Talvez isso explique, em parte, o repentino acesso
democrático de Fachin. Antecipando-se a Gilmar, Fachin tentou salvar Moro da
suspeição.
Afinal, Kassio Nunes Marques,
estreando na condição de primeiro indicado pelo bolsonarismo ao STF, pediu
vista do processo, com o que adiou a provável condenação do “constable”
curitibano, a qual vingaria todos os que há um lustro denunciam em vão as
flagrantes ilegalidades cometidas na versão local da torre londrina.
Do ponto de vista político, o passo
processual determinado por Nunes Marques é secundário. Muita água vai correr
por baixo da ponte jurídica até a campanha de 2022, e ninguém pode saber ao
certo o que vai ocorrer, nem mesmo se Lula será de fato candidato. O importante
é que Lula voltou a ser candidato agora e, de lambuja, teve reconhecida, por
Mendes e Lewandowski (mas Cármen Lúcia também pronunciou um sonoro “gravíssimo”
durante a fala de Gilmar), a condição de vítima de armação macabra.
Antes de passarmos ao segundo e
derradeiro episódio desta obra sumária, vale notar que Fachin preparou com
cautela o “ippon” do 8 de março. Um mês antes, concedeu entrevista à Folha
cheia de recados fortes, cujo alcance só agora é compreensível.
Na ocasião, Fachin criticou a
“remilitarização do governo civil” promovida por Bolsonaro; alertou para
“intimidações de fechamento dos demais Poderes”; lembrou o assalto ao Congresso
norte-americano, ocorrido em 6 de janeiro, para dizer: “Lá não ocorreu a adesão
de lideranças políticas à tentativa de golpe e não ocorreu a atuação ilegítima
das Forças Armadas”.
Por fim, declarou, de modo a que não
restassem dúvidas: “Como vice-presidente do TSE e como futuro presidente que
vai preparar as eleições de 2022, estou extremamente preocupado com as ameaças
que a democracia vem sofrendo no Brasil e com aquilo que pode resultar das
eleições de 2022”.
Como o cenário geral era dos piores,
as condições atmosféricas para a reentrada lulista eram ótimas. A gestão
negacionista da pandemia transformou o Brasil na possível estufa mundial de
variantes do coronavírus. Com mais de 2.000 mortos por dia, um recorde desde
que a Covid-19 começou a se espalhar, doentes morrem à espera de vaga em UTIs,
médicos são obrigados a escolher entre os que têm mais chance de sobreviver, e
cadáveres são acondicionados em contêineres.
Com a demora governamental na compra
de vacinas, apenas 5,8% dos cidadãos receberam a primeira dose. Nos Estados
Unidos, outra nação administrada por um negacionista até 20 de janeiro passado,
quase 20% da população foi vacinada. Aqui, a responsabilidade do ministro da
Saúde, apelidado de general Pesadelo no Congresso, segundo um comentarista da
TV, é investigada no STF.
A recusa de Bolsonaro em promover o
isolamento social, tendo como bandeira a economia, também não funcionou.
Enquanto a China, que optou por medidas duras de confinamento, conseguiu
crescer 2,3% em 2020, o Brasil perdeu 4,1% do PIB. Em consequência, o
desemprego subiu de 11,9% para 13,5%.
O quadro descrito seria suficiente
para abrilhantar a “rentrée” de qualquer exilado. Bastava demonstrar alguma
empatia com o povo e enumerar um programa mínimo —vacina, emprego e escola—
para sair-se bem.
Mas Lula, no discurso que pronunciou
na quarta-feira (10), entre o final da manhã e o almoço prolongado, fez muito
mais. Além de se apresentar na pele do anti-Bolsonaro, com uso explícito de
máscara, fazendo questão de pedir conselho médico antes de tirá-la para falar,
e elencar os contatos internacionais para contrastar o isolamento
verde-amarelo, desarmou os espíritos, falando do sofrimento pelo qual passou.
Aí, Lula deu uma de Churchill, mexendo com a emoção dos que o viam, desde os
escritórios da Faria Lima até os recantos desta nação sem fim.
Começou por relatar parábola verídica
que, segundo a revista Época, consta de “A Autobiografia do Poeta-escravo”, de
Juan Francisco Manzano, publicada em 1840, único material do tipo escrito por
um latino (cubano). Depois de levar 98 chibatadas, o escravo é posto diante da
alternativa de economizar as duas últimas se agradecer ao senhor. Prefere levar
as que faltavam, antes que ceder aos dominantes. Mensagem: meus algozes me
fizeram sofrer muito, mas não conseguiram me quebrar; mantive a dignidade.
Em seguida, consciente de que havia
se mostrado inteiro, ou seja, apto para governar, o candidato afirmou o
inesperado: não guardo mágoa de ninguém. Vida que segue. Reeleito, conversará,
literalmente, com todos: empresários, financistas, militares, sindicalistas,
sem-terra, sem-teto, jornalistas, líderes identitários. Abriu uma curiosa
excepcionalidade para os donos de meios de comunicação, de quem afirmou
preferir guardar alguma distância, recusando almoços privados.
As reações ao pronunciamento mostram
que Lula, em linguagem futebolística, recebeu a bola de Fachin e enxergou uma
avenida aberta, levando-a direto para o gol. Em questão de minutos, a mídia
passou a veicular que Bolsonaro, afetado pela volta do ex-chefe de Estado,
passara a usar máscara em cerimônias públicas.
Diante da possibilidade de
alternância do poder em 2022, os ocupantes do Planalto perceberam que não podem
fazer qualquer coisa. Ficam limitados, o que é a essência da democracia
moderna. O governante de hoje estará na planície amanhã. Por isso, precisa ter
medo.
Claro que, na prática, nada será tão
simples quanto parecem prometer os passes vindos de cima protagonizados entre a
segunda (8) e a quarta (10). No chão da realidade, o tecido sociopolítico vem
sendo ocupado por grupos cada vez mais agressivos e predatórios.
A nota do Clube Militar em repúdio à
volta de Lula mostra que os militares, completamente fora da política entre
2003 e 2010, entraram na arena (passe o trocadilho) para valer. Agora que a
pasta saiu do tubo, quem vai colocá-la para dentro outra vez?
É evidente que Bolsonaro, tal como
Trump, vai ameaçar um golpe se perder a eleição de 2022. No dia seguinte à
decisão de Fachin, o presidente declarou: “Não tem problema. Gostaria de
enfrentar qualquer um, se eu vier candidato, com um sistema eleitoral que
pudesse ser auditado”. Em que pese a sintaxe presidencial estranha, quando
Fachin deu a entrevista à Folha em fevereiro, avisou que isso iria acontecer.
Com Lula na parada, Bolsonaro, se perder, vai dizer que houve fraude. Como
reagirão os militares?
Fachin sabe do que fala. Em abril de
2018, seguido por Cármen Lúcia, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Alexandre de
Moraes e Rosa Weber, liderou a recusa ao habeas corpus que poderia ter aberto a
porta para Lula constar das urnas já naquele ano, poupando-nos, talvez, desta
agoniante travessia.
Relator do caso, argumentou “ausência
de ilegalidade, abusividade ou teratologia” na decisão de prender Lula, mesmo
depois de o comandante do Exército ter ameaçado a corte na véspera (ou
“alertado”, como preferiu reafirmar no livro “General Villas Bôas: Conversa com
o Comandante”, lançado pela FGV).
*André
Singer/Folha
Fonte: https://antropofagista.com.br/
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