Governo
Bolsonaro ordena paralisar a reforma agrária no país
1 min ago
08/01/2019 Perda
de direitos
O Incra
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) determinou aos seus
servidores a paralisação, sem prazo, de todos os processos de aquisição,
desapropriação ou outra forma de obtenção de terras para o programa nacional de
reforma agrária no país.
A medida atinge também os cerca de 1,7 mil processos
para identificação e delimitação de territórios quilombolas.
O Incra
confirmou à Folha que “foram sobrestados [interrompidos] 250 processos nas
diversas modalidades de obtenção” de terras.
Para o MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), a medida vai agravar a tensão
no campo, gera prejuízos aos cofres públicos, pois em vários processos de
identificação das terras o governo já gastou recursos com trabalho de campo, e
“até pode ser considerado um ato inconstitucional”.
Produtos e
alimentos desenvolvidos pelos sem-terra em acampamento no sul de Minas Gerais
– Divulgação
“Nos últimos
quatro anos, desde o governo Dilma, a reforma agrária já vinha em um sistema de
paralisia, e agora é um agravamento.
Temos 120 mil famílias acampadas e elas
não vão desistir da luta pela terra, sempre pela paz no campo, repudiamos a
violência”, disse Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, em
Brasília.
Ele estimou em 365 o número de processos no Incra que deverão ser
atingidos pela paralisação.
“É um acirramento do conflito agrário no país”,
disse Conceição.
Por medida
provisória e decreto assinados pelo presidente Jair Bolsonaro, o Incra saiu da
Casa Civil da Presidência, onde estava desde 2016, para o Ministério da
Agricultura,
comandado pela líder da bancada ruralista no Congresso Tereza
Cristina (DEM-MS), onde funcionará uma Secretaria de Política Agrária comandada
pelo pecuarista e líder ruralista Nabhan Garcia, um adversário do MST desde os
anos 80.
A Folha teve
acesso a três memorandos-circulares distribuídos aos servidores do Incra no
último dia 3, revelados pela organização não governamental Repórter Brasil
nesta terça-feira (8).
Em um dos documentos, encaminhado aos superintendentes
regionais, chefes de divisão fundiária e coordenadores da Diretoria Fundiária
do órgão, o diretor de ordenamento da estrutura fundiária, Cletho Muniz de
Brito, menciona motivos para a suspensão:
a nova vinculação do Incra ao
Ministério da Agricultura, definida em decreto assinado pelo presidente Jair
Bolsonaro no primeiro dia do ano, e “as diretrizes adotadas pelo novo governo,
em especial no que se refere ao processo de regularização fundiária na Amazônia
Legal”, tarefa repassada ao Incra.
“Essas e
outras alterações afetam algumas atividades e demais ações pertinentes à
Autarquia na esfera fundiária e bem como [é necessário] garantir o sucesso dos
procedimentos relacionados aos ajustes necessários”, escreveu o diretor.
Ele
determinou “o sobrestamento da tramitação de todos os processos em curso,
exceto os processos oriundos de decisão judicial”.
Em outro
memorando, o então diretor de obtenção de Terras e Implantação de Projetos de
Assentamento do Incra, Clóvis Figueiredo Cardoso, nomeado presidente Michel
Temer em 2017
-ele deixou o cargo após a assinatura dos papéis-, também
mencionou a vinculação do Incra à Agricultura, as “novas diretrizes do novo
governo” e “o processo de transição pelo qual passará o Incra em todas as suas
instâncias”.
O diretor ordenou o “sobrestamento [paralisação] no local onde se
encontram, a partir desta data, de todos os processos de aquisição,
desapropriação, adjudicação ou outra forma de obtenção em curso” até posterior
decisão da diretoria do órgão.
Desde a
criação, em 1970, o Incra contabiliza 1,34 milhão de famílias assentadas no
programa de reforma agrária em 9,4 mil assentamentos criados e reconhecidos em
88 milhões de hectares.
O número total de famílias hoje vivendo em
assentamentos e área reformadas, segundo o Incra, é de 972 mil.
A
paralisação ou mesmo o fim do programa de reforma agrária era um temor
frequente de entidades que atuam com famílias de trabalhadores rurais sem
terra, em especial depois de ameaças feitas pelo então candidato Jair
Bolsonaro.
Ele ameaçou criminalizar ações do MST, a quem chamou de terroristas.
Em 2017, um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ),
disse em vídeo divulgado em redes sociais que a distribuição de terras a
integrantes do MST
“em nada contribui para o crescimento do país” e acusou o
MST de ser “um movimento de cunho político”.
Em nota à
reportagem nesta terça-feira, o instituto confirmou que não há prazo para o fim
dos sobrestamentos dos processos.
O órgão afirmou que é “uma medida
administrativa do Incra, tendo em vista possível reestruturação que a autarquia
deve passar para adequar-se ao disposto no decreto nº 9.660 e Medida Provisória
nº 870, publicados em 1º de janeiro de 2019”.
Segundo o
órgão, os processos paralisados estão “em fase administrativa, cuja conclusão depende
de comprovação de cumprimento da função social (produtivo ou improdutivo),
viabilidade do assentamento de famílias, disponibilidade orçamentária,
ajuizamento de ação judicial e decisão judicial favorável no caso de
desapropriação e adjudicação, por exemplo”.
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