O jornalista e escritor Paulo Moreira Leite é diretor do 247
em Brasília
Datafolha
repete 64
21 de Julho de 2016
A manipulação da pequisa do DataFolha em torno da aprovação
de Michel Temer e Dilma Rousseff não chama atenção pela originalidade -- mas
pela perversidade.
Em 1964, a Federação do Comércio de São Paulo, envolvida na
conspiração que derrubou João Goulart, encomendou uma pesquisa sobre aprovação
do governo. Descobriu que Jango era aprovado por mais de 60% da população. Até
em lugares onde a oposição era fortíssima, como São Paulo, pontos essenciais de
seu programa de Reformas de Base, a Reforma Agrária era apoiada por mais de
50%.
Precavida, a Federação do Comércio arquivou o levantamento,
que só seria divulgado 40 anos depois, após a democratização, quando
pesquisadores tiveram acesso aos arquivos da Unicamp, onde ficou escondida por
anos a fio.
É evidente que, em 1964, o segredo ajudou os adversários de
Jango a cultivar o mito de que Goulart era um presidente impopular, falsidade
que contribuiu para minar a possível resistência dos brasileiros contra
um ataque a democracia. Com números escondidos, era possível dizer que o golpe
salvara a democracia. A decisão também produziu efeitos sobre a posteridade,
alimentou trabalhos acadêmicos distorcidos e até contribuiu para formar um
retrato de Goulart como um líder sem base real entre os brasileiros.
"Muitos historiadores, até dez anos atrás, ainda tinham
essa ideia de que Goulart caiu porque era frágil, não tinha o apoio dos partidos
e, sobretudo, da população" disse o professor Luis Antonio Dias, da PUC de
São Paulo, em entrevista à TV Câmara, em 2014.
Os números de fantasia do DataFolha sobre Temer foram
publicados no percurso de um golpe de Estado que, sem dispor de tanques nem
de baionetas, que têm o inegável poder de intimidar a população pela força,
precisa forjar a adesão dos brasileiros. Tenta-se dizer que o afastamento de
Dilma Rousseff tem seu consentimento e até aprovação.
A rigor, os golpistas de 64 podiam dispensar a opinião dos
brasileiros. Dispunham até da Operação Brother Sam, organizada pelas Forças
Armadas dos EUA, para prestar socorro, em caso de necessidade. Em 2016 aliados
de Temer são vaiados no exterior e até impedidos de falar.
Isso acontece porque a situação em 2016 é outra. Nos dias
anteriores ao afastamento da presidente, ocorreram imensos protestos contra uma
decisão que fere uma democracia duramente conquistada. Após o golpe, sucessivos
protestos mostraram que Temer e seus aliados, entre os quais a Folha e a mídia
grande, perderam um debate político sobre a legitimidade do novo governo. Até a
líder do governo do governo no Senado diz que "tudo foi
política." A votação tenebrosa na Câmara não sai da memória de ninguém.
Muito menos o papel de Eduardo Cunha. Ou as próprias denuncias contra Temer. Ou
o reconhecimento pelo próprio Ministério Público de que as pedaladas fiscais
usadas para condenar a presidente nunca foram crime.
A manipulação da pesquisa surge como uma tentativa de dar um
verniz de legitimidade a um governo o que não possui nenhuma. Até porque, em
seu esforço para calar o debate e evitar toda contestação, uma das primeiras
providências foi silenciar o jornalismo de Empresa Brasil de Comunicação e
atacar, financeiramente, os portais da internet não alinhados com a nova ordem.
A manipulação é um exercício temerário, porque
arriscado. Não basta esconder a verdade. É preciso ter controle absoluto de uma
situação, para construir, divulgar e proteger uma mentira -- sintetizada na
divulgação da resposta a uma pergunta que não foi apresentada a eleitores que,
teoricamente, poderiam resumir o pensamento da população.
A finalidade da mentira está escancarada. Destina-se a dar
um argumento para senadores que podem ser cobrados por eleitores, cada vez mais
desconfiados dos projetos impopulares e anti nacionais do governo interino. Em
caso de dúvida, poderiam alegar que apenas atendiam a vontade da maioria dos
brasileiros.
Era mentira -- como sabemos agora, num episódio que marca um
novo rebaixamento do padrão do jornalismo brasileiro em nossa época. O truque
empregado é banal.
Disponível na internet, encontra-se um livro chamado
"How To Lie With Statístics"(como mentir com estatísticas) que ensina
os interessados a usar tabelas, pesquisas, perguntas dirigidas e cálculos
marotos para enganar os incautos. Best seller lançado em 1954, já vendeu meio
milhão de cópias.
Na verdade, a pesquisa é boa para Dilma. Mostra que ela está
correta em apresentar a proposta de plebiscito sobre novas eleições caso o
golpe seja derrotado. É, com todas as distancias guardadas, a vontade do povo.
E, ao contrário do que desejam aqueles que escondem e manipulam pesquisas, é
bom que seja ouvida.
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