Lula, muitos
na Europa percebem também a falta que você faz na América Latina. Por Celso
Amorim
Publicado por
Diario
do Centro do Mundo 23 de junho
de 2018
PUBLICADA NA
REVISTA CARTA
CAPITAL
Querido
Presidente Lula,
no momento
em que escrevo esta mensagem (madrugada do dia 20), estamos todos comemorando a
absolvição pelo STF da nossa amiga e companheira Gleisi, que tem sido uma
incansável defensora de sua liberdade e da sua candidatura.
Pessoalmente,
tenho a certeza de que começa uma virada na atitude da própria elite
brasileira, com impacto no Judiciário, que percebe que só há uma solução para a
crise socioeconômica (além de política e institucional) em que nosso País está
afundando e que ficou evidenciada, de forma ainda mais dramática, com a greve
(ou lockout, pouco importa!) dos caminhoneiros.
Além de
matar um pouco (um pouco apenas) a saudade, esta “carta” tem o objetivo de
contar sobre a viagem que fiz a Paris, entre os dias 12 e 15 de junho.
A razão
principal da viagem foi ajudar a esclarecer aos nossos amigos na França sobre a
situação política no Brasil e as circunstâncias que cercam a sua absurda e
injusta prisão.
Já havia feito algo parecido em Bruxelas, a convite de
integrantes do Parlamento Europeu, há cerca de um mês.
Desta vez,
tive a oportunidade de falar em duas instituições importantes, na Casa da
América Latina, dirigida por um ex-embaixador no Brasil, e no Instituto de
Relações Internacionais e Estratégia (IRIS, na sigla em francês).
Em ambos os casos,
falei para salas cheias e espectadores muito qualificados e preocupados com
você e com o Brasil.
Tive também
encontros com alguns ex-ministros e outras personalidades influentes, como a
senadora (comunista) Laurence Cohen e com o nosso velho conhecido e amigo
(apesar de eventuais divergências específicas) Pascal Lamy, que continua muito
ativo como presidente de comissões na França e na Europa.
A Laurence
está planejando a visita do Comitê que ela preside e me disse que na ocasião
pretende ir a Curitiba (quem sabe não seja mais preciso?).
Estive com
dois ex-chanceleres, o Hubert Védrine, da época do Jospin, e o Dominique de
Villepin, da época do Chirac, que se destacou principalmente na condenação da
invasão do Iraque pelos EUA, em 2003.
Em todos
esses encontros, mas especialmente com Villepin, pude constatar que, além da
solidariedade a você e à democracia brasileira, os espíritos mais lúcidos na
França têm uma preocupação real com o esvaziamento da posição do Brasil no
cenário internacional.
Todos
lamentam que o nosso País tenha praticamente desaparecido de cena em um momento
crítico em que a ordem mundial se vê diante de enormes desafios, desde o drama
político e humano dos refugiados até as atitudes belicosas de Trump, sobretudo
com o Irã (embora deva dizer, de minha parte, que, apesar da teatralidade, vi
méritos indiscutíveis na aproximação com a Coreia do Norte).
Muitos
percebem também a falta que você faz na América Latina, onde a confrontação tem
tomado o lugar do diálogo e a integração tem sido abandonada em benefício de
uma agenda neoliberal na economia e conservadora (quando não abertamente
fascista) na política e nos temas sociais.
Como outros,
Villepin, por exemplo, entende plenamente que somente o retorno a uma
democracia real, com um governo legitimado pelo apoio popular, trará de volta
ao Brasil o papel que teve sob sua condução e inspiração.
Esses líderes sentem
falta de uma voz firme e desassombrada (ativa e altiva, diria eu) que
costumávamos ter na defesa de um mundo mais justo e mais pacífico.
Todos
entendem também, querido Presidente Lula, que isso só ocorrerá com a sua
libertação e com o seu direito de candidatar-se.
Esses
encontros me permitiram também esclarecer as dúvidas que ainda pudessem pairar
sobre os processos movidos contra você.
Na verdade, isso é importante porque,
como me foi dito por uma eurodeputada da Esquerda alemã, para muitos europeus –
mesmo aqueles que reconhecem o seu papel histórico na defesa dos mais pobres e
na afirmação da posição do Brasil no mundo – é difícil compreender que a
Justiça possa ser tão pouco imparcial.
Para isso, o
trabalho de juristas e o ativismo de pessoas como a Carol Proner, presente em alguns das minhas
atividades, tem sido de grande importância.
Creio que, nesse sentido, a viagem
foi também útil, pois é necessário, como você mesmo tem dito, não apenas exigir
o “Lula Livre”, mas também proclamar o “Lula Inocente”, tanto no Brasil quanto
lá fora.
No mais,
muita saudade, que espero possa matar em breve de forma pessoal, e de
preferência no Ipiranga ou em São Bernardo.
Forte abraço
do amigo, que teve a suprema honra de ser seu colaborador em um aspecto vital
de um projeto de Brasil próspero, justo e soberano,
Celso
.x.x.x.
Celso Amorim
foi ministro das Relações Exteriores, inclusive no governo de Lula.
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