Analistas
franceses veem Justiça
Política e falta de provas contra
Lula
28/01/2018
Existe um
denominador comum entre
intelectuais franceses que analisam a
situação
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Quatro
especialistas em história e ciências políticas ouvidos pela RFI no
dia seguinte à condenação do ex-presidente a 12 anos e um mês de
prisão, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do
triplex do Guarujá, apontam uma “politização” indesejável do
sistema judiciário brasileiro.
A historiadora
Juliette Dumont, professora do Instituto de Altos Estudos da América
Latina (Iheal), em Paris, considerou a condenação do ex-presidente
Lula como “uma afronta ao Estado de Direito no Brasil”.
Na
opinião da especialista, a
falta de provas de corrupção contra o petista mostra que
seus direitos não foram respeitados.
“Temos em primeira
instância e em segunda instância uma condenação que se baseia na
delação de um dirigente da OAS (Léo Pinheiro], de uma construtora
que tinha contratos com a Petrobras, sem nenhuma prova.
Esse processo
é sintomático dos desvios do atual
sistema judiciário brasileiro.
Acho que mais do que uma afronta ao Lula, vemos uma Justiça de
exceção, cada vez mais politizada, que processa todos os partidos
políticos, é verdade, mas se dirige ao Partido dos Trabalhadores
com mais insistência”, diz Dumont.
Dumont considera
legítimo que o ex-presidente mantenha sua agenda política visando a
presidencial de outubro.
“Não existe outra liderança à esquerda
a não ser o Lula. Por isso, ele tem razão de acreditar em sua
candidatura”, avalia.
“Há pelo menos dois
anos, antes mesmo do impeachment de Dilma Rousseff, surgiu no Brasil
um discurso midiático, político e jurídico que é uma condenação,
sem provas, do Partido dos Trabalhadores e das políticas que foram
aplicadas pela legenda.
Vimos com a Dilma, que já foi inocentada
depois de sua destituição das acusações que foram feitas contra
ela, que existe um sistema judiciário com papel político”,
conclui a professora.
Disfuncionamentos
da Justiça
Jean-Jacques Kourliandsky,
especialista em questões ibéricas e da América Latina no Instituto
de Relações Internacionais e Estratégicas, um think tank francês
sediado em Paris, disse não ter ficado surpreso com a sentença do
TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Ele aponta, no
entanto, “disfuncionamentos de ordem constitucional” no
tratamento do processo do ex-presidente Lula, assim
como aconteceu na destituição da ex-presidente Dilma.
“Apesar de os juízes
terem dito que a decisão deles não foi política, temos o direito
de questionar a rapidez com que o tribunal marcou o julgamento de
Lula.
O fato de o presidente do TRF-4 [Carlos Eduardo Thompson
Flores] ter anunciado publicamente
sua aprovação à
sentença do juiz Sérgio Moro, em primeira instância, dizendo que
ela era perfeita – o que vai contra todas as práticas do
Judiciário –, nos permite questionar se a Justiça brasileira faz
seu trabalho em conexão com o calendário eleitoral.”
Para Kourliandsky, não há
dúvida de que o interesse do julgamento de ontem foi afastar o
petista da eleição presidencial de 7 de outubro próximo.
Ele acha
provável que, “por coerência com as decisões em primeira e
segunda instância”, o Supremo Tribunal Federal deverá confirmar a
pena de prisão contra Lula, em agosto. “O PT é prisioneiro deste
cenário.
Se Lula é afastado da corrida presidencial, outros
candidatos de esquerda menos carismáticos vão aparecer, criando uma
fragmentação no eleitorado de esquerda que pode favorecer a
direita, como aconteceu no Chile”, disse.
Pressão da mídia
Por outro lado, o
pesquisador do Iris antevê outro cenário, mais sombrio.
“A
pressão da mídia brasileira, principalmente do grupo Globo e de
grandes revistas semanais, sempre desqualificando o Partido dos
Trabalhadores, apontando o ex-presidente como um corrupto, associando
continuamente a política à corrupção, produz um fenômeno
eleitoral inesperado.
O PT e a esquerda ficam fora da disputa, mas
nenhum candidato de direita consegue emergir com força nas
pesquisas. Cria-se um enorme espaço para candidatos como o deputado
Jair Bolsonaro [de extrema-direita], apoiado pelos evangélicos, ou
eleitores inclinados a boicotar as urnas”, diz Kourliandsky.
Gaspard Estrada,
diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e do
Caribe, da universidade SciencesPo, em Paris, considera que a
eventual ausência de Lula nas eleições de 2018
“fará com que
uma parcela expressiva da população não se sinta representada no
pacto político e social que representa uma eleição presidencial”.
Para Estrada, o
modo como o julgamento foi transmitido pela televisão e as palavras
utilizadas pelos desembargadores em Porto Alegre não contribuem para
apaziguar o processo eleitoral no Brasil.
“Atores do
sistema autoritário estão presentes”
Na avaliação de Maud
Chirio, professora de história contemporânea na Universidade
Paris-Est Marne la Vallée, o Brasil atravessa um contexto de
instabilidade com “uma
grande bipolarização política que pode assumir formas
mais violentas”.
Atualmente, o campo que é hostil a Lula está
extremamente mobilizado e se expressa oralmente de maneira violenta,
estima a professora.
Segundo Chirio, “a imprensa também manifesta
um ódio político, como já se viu com o anticomunismo, que dividiu
famílias, separou casais e extrapolou a política”.
“O que pode
acontecer é que se Lula finalmente conseguir, por razões variadas,
se apresentar como uma alternativa plausível, existe o risco de
haver uma reação das Forças Armadas”, acredita a historiadora.
“Em um recado ao Judiciário, os militares disseram que, se certas
pessoas não fossem condenadas, eles iriam intervir para evitar que
se instalasse o caos no Brasil.
Isso quer dizer que os atores
políticos das situações autoritárias estão presentes”, adverte
Chirio.
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