Moro
Inaugura Uma Briga De Um Juiz De Primeira Instância Contra O Supremo, Diz
Especialista Da FGV
Por Redação
Click Política Em 29 abr, 2018
Entrevista
ao El País:
Eloísa
Machado de Almeida, especialista em Direitos Humanos e uma das coordenadoras do
Supremo em Pauta, da FGV, diz que Moro está “inaugurando uma queda de braço”
com o STF.
Ela deu uma
boa entrevista ao El Pais.
Pergunta. O
que essa decisão mais recente da segunda turma do Supremo, de tirar das mãos de
Moro parte das delações que envolvem o processo do sítio de Atibaia, significa?
Resposta. O
Moro já decidiu que não vai enviar este caso para a Justiça de São Paulo.
P. Mas ele
pode fazer isso?
R. Eu acho
que ele está inaugurando uma queda de braço com o Supremo.
O que ele diz é que
o acórdão sequer foi publicado, o que é verdade, e que não há uma referência
direta sobre quais partes do processo devem ser remetidas a São Paulo.
Ou seja,
Moro está resistindo a essa decisão.
Por isso acho que muito em breve teremos
um novo pronunciamento do Supremo sobre isso.
Talvez explicando quais fatos
relativos ao processo de Atibaia não têm conexão com a Petrobras, justificando
assim a decisão de tirar da Lava Jato.
(…)
P. Nas
eleições de 2014, elegemos um Congresso ultraconservador.
Naquela época, o
Supremo, era visto como uma espécie de boia de salvação no debate de pautas
mais progressistas.
Discussões como a da descriminalização do uso da maconha e
do aborto avançavam na corte, enquanto emperravam na Câmara ou no Senado.
De lá
para cá as coisas mudaram? Como enxerga os últimos quatro anos de atuação do
Supremo?
R. O Supremo
mudou.
Aquele Supremo que julgou pesquisas com células tronco e ações
afirmativas, por exemplo, não é mais o mesmo.
Houve uma mudança relevante de
composição no tribunal e de fato, agora, o tribunal não tem conseguido avançar
em grandes matérias referentes aos direitos humanos.
Ainda que algumas matérias
tenham sido votadas, como demarcação de terras quilombolas, o reconhecimento de
união para pessoas de mesmo sexo, as cotas para negros nos concursos públicos.
Houve uma série de algumas ações positivas em relação aos direitos humanos, mas
a impressão que a gente tem é que esses casos foram julgados com bastante
esforço, sobretudo a demarcação de terras quilombolas.
Não foram casos fáceis
de passar no Supremo.
Havia resistência, foram sessões interrompidas.
Não é
mais um tribunal que tem na predominância da sua pauta ações de direitos
humanos.
(…)
P. Você acha
que o STF está funcionando como deveria funcionar?
R. Não, não
está. Essa agenda de moralização da política é muito perniciosa para o ambiente
democrático.
Tribunais com agenda são bastante complicados em uma democracia e
quando a gente analisa especificamente as ações, todas elas são ações tomadas
em momentos de excepcionalidade, o que trouxe uma grande insegurança para o
cenário jurídico.
O exemplo mais recente, claro, é o da prisão em segunda
instância, onde, por conta da excepcionalidade da Operação Lava Jato, se muda o
entendimento, depois com votos contados se volta atrás, e em razão da
excepcionalidade do caso do Lula não se revisita esse tema.
Isso sem
mencionar o poder enorme ao qual o Supremo se autoconferiu ao se permitir por
exemplo suspender o exercício de mandato de deputados e senadores.
Isso não é
uma medida prevista na Constituição, foi uma medida adotada no caso do
[ex-presidente da Câmara dos Deputados] Eduardo Cunha, agora novamente no caso
do senador Aécio Neves [o Senado derrubou mais tarde a decisão do STF] e mostra
o grau enorme de interferência do Supremo em relação ao sistema político.
Claro, tem muita coisa na Operação Lava Jato que é um processo criminal, que é
interpretação, que pode ser mais ou menos dura em relação ao crime de
corrupção, que envolve caixa 1, caixa dois, toda essa jurisprudência mais ou
menos pesada em relação a essa agenda de combate ao crime.
Mas associada à
Operação Lava Jato tem também uma proposta de moralização da política que no
meu entender é bastante negativa.
P. Como esse
superpoder do Supremo pode interferir nessas eleições?
R. Já está
interferindo. Eu não tenho dúvida de que essas eleições estão pautadas talvez
mais pelo Supremo Tribunal Federal do que pelo próprio sistema político.
A
gente tem um pré-candidato à presidência que teve seu caso julgado
recentemente, que é o Lula, que teve seu caso julgado no Supremo e em razão
disso foi preso e está cumprindo provisoriamente a sua pena.
Outro
pré-candidato à presidência da República muito bem colocado nas pesquisas, o
Bolsonaro, já responde a um processo no Supremo, que é o crime de injúria
contra a deputada Maria do Rosário [em 2014,
Bolsonaro disse à deputada petista
que não a “estupraria” porque ela “não merecia], e ele também pode ficar fora
da disputa presidencial caso seja condenado, e tem uma nova denúncia agora
apresentada pela Procuradoria Geral da República que ainda não foi julgada pelo
Supremo [a PGR apresentou no último dia 13 uma denúncia contra Bolsonaro pelo
crime de racismo.
Em abril de 2017, o deputado disse em uma palestra que
quilombolas “não servem nem para procriar”].
P. E são
esses dois pré-candidatos que estão liderando as pesquisas.
R. Pois é. É
evidente que tem uma relação muito grande do Supremo com as eleições.
Há uma
terceira figura relevante agora que é o Aécio Neves (PSDB) que se tornou réu.
Além de outras várias decisões que mudaram drasticamente a maneira das
eleições, como, por exemplo, a proibição do financiamento privado de campanha.
São muitas decisões sobre o sistema eleitoral e essas decisões hoje,
especificamente as que se referem à Operação Lava Jato, estão pautando o
cenário eleitoral.
P. Isso
poderia ser o reflexo de uma crise institucional?
R. Sem
dúvida. Uma das coisas que foram reveladas durante esse processo é o grau de promiscuidade
de parte da nossa classe política, mas isso não pode servir de pretexto para
que o direito substitua a política.
Claro, todos esses casos devem ser
investigados e devidamente punidos, mas não se pode permitir que o judiciário
escolha quem governa e quem pode ser eleito.
Isso gera problemas muito grandes
para a qualidade da nossa democracia.
E o que a gente vê hoje é que de fato,
com este grau de abrangência do Supremo e da Operação Lava Jato, tudo é
decidido no âmbito do Judiciário.
(…)
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